Estressado do bem
Entre quatro palavras de Victor, duas
são palavrões. As outras duas, impressionantemente, são delicadezas . E lá vem
ele, com seu corpo magro, que ilude qualquer um, fazendo-o pensar que seu alimento favorito seja alguma salada
chique, com camarões e flores enfeitando o prato - é bife com batatas fritas.
Seu sorriso gentil, que engana os que imaginarem se tratar de uma pessoa calma
e sua estatura alta, que não deixa ninguém em volta desconfiar que seu apelido,
desde a sexta série, seja cartinha. Ele
chega no horário e se desculpa, perguntando se esperei muito, mas, ao mesmo
tempo, solta um xingamento ao conversar sobre temas polêmicos.
Cartinha é uma contradição, diz que
odeia gente que gosta de tudo do seu jeito e é controladora, mas afirma: "Sou perfeccionista, gosto de
tudo do meu jeito". Também, se autointitula uma pessoa muito metódica
"Gosto de fazer sempre o mesmo caminho, gosto de fazer tudo igual. Gosto de pegar o mesmo elevador,
comer a mesma coisa."
Mesmo me conhecendo há treze anos,
parece tímido conversando sobre si mesmo com a presença acusatória do gravador.
O
Poderoso Cartão
"Ele
é o próprio Don Corleone, poderoso chefão", Fernanda Matos
Victor Arichiello tem 18 anos e o
sobrenome não o deixa negar a grande porcentagem italiana que seus genes
carregam. Seu jeito de agir e seu temperamento, também, são marcas disso: "Tenho muito de italiano,
sinto isso pelo jeito de movimentar minhas mãos ao falar, por falar alto e me
estressar".
Coincidentemente ou não, ele mora em um
local com predominância de descendentes de italianos. Próximo ao Palestra
Itália, o bairro Perdizes, também fica ao lado da Vila Pompeia. Outra ironia, é
o fato de a cidade favorita dele
pertencer ao país em que a população dos
italianos e seus descendentes formam o sexto maior grupo étnico -
Nova Iorque, para Cartinha, é o único lugar em que viveria, a não ser São
Paulo.
Além disso tudo, ainda
tem mais um fato curioso: seu filme favorito é o Poderoso Chefão. E era tamanho
seu interesse pelo assunto, que ele estava
entre a minoria de fãs de Poderoso Chefão que leram o livro.
Estresse
"O Cartinha é uma pessoa muito engraçada. Ele
consegue ser um amor de pessoa e, ao mesmo tempo, ser o mais estressado e com mais
ódio no coração. É sempre
divertido ver ele com raiva das pessoas, xingando todo mundo.", Beatriz Coelho, amiga do colégio em que
Cartinha se formou.
"Estressado e ao mesmo tempo amável", Fernanda Matos, amiga dele há sete anos.
Quando tinha apenas 6 anos, os pais de
Victor se separaram. Ele sequer tem muitas lembranças dos dois juntos, além de
alguma eventual briga, que ficou em sua memória. Porém, assim como acontece com
a maioria das coisas que costumam incomodar as pessoas, não tem queixas quanto
a isso."Prefiro nem imaginar como seria se eles tivessem juntos; é o que
dizem, há males que vem para o bem e eu tenho dois quartos duas casas etc. "
Cartinha destoa dos jovens da sua idade,
ao se sentir importunado por música alta, gente despolitizada e atitudes
ignorantes. Além disso, detesta egoísmo "O mínimo, quando você convive em
sociedade é pensar nos outros, tem gente que é só eu, eu, eu e fodam-se os
outros."
Quando irritado, se exalta, xinga e
fala palavrão. Mas, segundo ele, a maioria dessas ações é exagerada e, no fundo,
ele nem está tão irritado assim. "Eu tenho um negócio, eu falo mal de
alguém, mas no fundo gosto da pessoa, isso é um defeito; se eu gosto, eu não
deveria falar mal".
Ao contrário de gente conhecida pelo
seu estresse, Cartinha é considerado uma boa companhia para os amigos. Alguém
com quem se pode ter uma boa conversa e pedir conselhos. "Eu adoro ajudar
e ser ajudado, pensei em ser psicólogo, mas só naquela época pré-vestibular, em
que você pensa em todas as possibilidades."
Amore
Quem já viu Cartinha interpretando com
paixão, nos tapetes de casas de amigos, New York, New York, na versão de Frank
Sinatra, sabe: ele é um homem romântico.
Demonstra um amor maior pela metrópole
americana, do que pelo seu celular, que ele diz ser sua maior fonte de diversão
e distração. Porém, não só de cidades grandes vive um coração sensível e
tradicional. Ele não frequenta baladas, não gosta de ficar com várias garotas e
diz querer mesmo é uma namorada. "Eu sou mais antigão nesse aspecto, eu
não acho que você primeiro começa a namorar para depois se apaixonar."
"A vida amorosa tá uma merda,
porque não sou muito de 'ai, nossa, bonitinha, vou ficar' até porque nem tento,
tenho medo de rejeição, mas se eu não for atrás nunca acho ninguém."
O garoto acha errado que garotas não se
sintam a vontade para tomar a iniciativa, pois é tímido e não sabe como se
aproximar. Já perdendo um pouco a compostura, diz não se sentir bem de ter que
adivinhar se alguém gosta dele ou não.
No entanto, ele diz não ser hipócrita,
e admite que, ainda que na hora do romance se importe mais com sentimentos, nas
outras horas gosta, sim, de dinheiro, sem reverências "Eu sou mão aberta,
mas nada se faz sem dinheiro nessa vida."
Amigos
e Famiglia
O Cartinha é daqueles que estão de
férias e passam na casa da amiga às sete da manhã, só para deixar um pen drive. Leva o irmão, com quem briga
constantemente, ao colégio e deixa de beber nas festas e bares para dar carona
para a galera. Esse é o tipo de coisa que pareceria forçado vindo de qualquer
um, mas, nele, há uma aura de bom moço que convence a todos.
Afinal, ele é assim desde pequeno. Com
12 anos, na sexta série, eu tinha uma missão que para mim era importante:
ajudar minha mãe, recolhendo assinaturas em favor da proibição do álcool líquido
com teor muito elevado. Isso porque, na época, havia muitos acidentes com
álcool líquido. Eu, sozinha, mal consegui vinte assinaturas. Depois de uns três
dias, o recém-apelidado Cartinha apareceu com umas cem assinaturas. Comento
isso com ele, que ri e se lembra que, também, foi representante de sala naquele
ano.
Para Victor, aquela expressão "com
mãe não se mexe" parece se confirmar. O garoto se emociona ao dizer sobre
a relação que ele acredita existir entre um filho com sua mãe. Conta que é algo
diferente. "Mãe é mãe, não tem explicação, por mais que você brigue com
ela, sempre quando você precisar ela estará lá. Acho que o fato de ela ter te carregado
por nove meses faz você criar um vínculo, você é parte dela." O fato de
sua mãe ser professora, influenciou muito na cobrança dos estudos, ainda mais
nas maiores dificuldades dele, que foram decorar as capitais do Brasil e a tabuada.
Apesar de toda essa conexão com sua
mãe, ele conta que, como em todo relacionamento, este também tem tensões:
"Às vezes ela me tira do sério e eu sou estúpido com ela. Me arrependo
depois, mas é que eu também sou muito nervoso, chego do trabalho cansado e não
quero conversa".
Já com seu irmão, tem uma relação com
muitas brigas. "Ele não faz as coisas, não tá nem aí pra nada, ele é a
pessoa mais foda-se do mundo. Mas aí a gente acaba brigando, porque ele não
apaga a luz e eu digo: 'meu, apaga a luz'. "Aí ele provoca, me xinga, umas
coisas assim, aí eu fico bravo e brigo com ele."
A maior herança que sua família lhe
deixa segundo ele, é a educação.
Justiça
Cartinha faz Direito na PUC. "De
onde saiu o Direito? Não sei, não tem uma explicação." Ele trabalha como
estagiário em um escritório de advocacia. Tem opinião sobre todos os temas
polêmicos da atualidade e, em uma discussão, respeita o direito de as pessoas
terem opiniões diferentes das suas. "Ela pode não concordar com o que eu penso;
eu posso ser contrário à pena de morte e fulano ser a favor, a gente pode ter
discussões seriíssimas sobre isso, mas não interessa, eu vou ser amigo dela,
porque eu acho que, mesmo que as opiniões formem as pessoas, você não passa o
dia inteiro discutindo aborto ou pena de morte."
Sobre o trabalho, ele conta que não é o
ideal para ele, pois não é muito dinâmico e que acha mais interessante quando
pedem que ele vá ao fórum, do que ficar o dia todo sentado, protocolando. "Começar
a trabalhar foi estranho, não poder chegar em casa e dormir, ser mais regrado
com horário." Sobre a futura profissão, ele comenta que pensava em ser
juiz, mas se desiludiu. "Gosto mais da parte teatral, ou seja, vou ser
advogado ou promotor, e eu ainda penso que vou poder ajudar as pessoas desse
jeito."
A criação de mais quatro tribunais
regionais, para ele, é desnecessária. Um gasto de dinheiro absurdo, que não
vale a pena. E o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa,
apenas faz seu trabalho e é endeusado demais, na sua opinião. Ele contou, já
alterado por achar o assunto envolvente, que Barbosa querer gastar milhões na
reforma de um banheiro foi realmente abuso de poder. Acrescentou que, do jeito
que os brasileiros pensam dele, se fosse candidato a presidente ganharia com
certeza.
Política
"Os mais velhos têm posições muito
radicais, muito de direita, então, não tenho paciência de discutir com a minha
mãe, com o marido dela, com pai de amigo."
Cartinha se considera mais de esquerda,
se é que isso ainda existe, e acha errado votar pelo partido e não pelo
candidato.
Ele não gosta de pessoas que criticam a
Veja e pensam que a Carta Capital, só por dizer coisas com as quais elas
concordam, é imparcial.
Por
fim, Cartinha
O apelido surgiu na sexta série.
"Não foi nenhuma carta de amor, como muitos pensam", diz ele, achando
engraçado um apelido tão diferente ter uma história tão boba. "Eu tinha
faltado no primeiro dia de aula e era o primeiro ano que a gente teria armários
na sala. A professora de matemática da época, a Amparo, me disse que pra
conseguir a chave eu tinha que mandar meus pais fazerem uma cartinha, mandar a
cartinha, pegar a cartinha. No fim, ela ficou me chamando de cartinha, isso se espalhou
pelos professores e pelos alunos e ficou." Até hoje, as pessoas que
estudaram com ele no colégio o chamam assim. Mas, na faculdade, o apelido caiu
em desuso e agora ele tem em sua vida momentos bem divididos, quase um antes e
depois de Cartinha. "Se alguém me chama de Cartinha na faculdade é
estranho, não gosto."
Mas, para os amigos que se referem a
ele desta forma há sete anos, não há escapatória. Aliás, existem, até, muitas
variações do apelido, como Carl, Carlira, Dira, Tita e até uma abreviatura,
Lira, o mais usado. Há até o hábito de trocar as palavras das músicas por
"Carl" para brincar com ele. A música Drive my car dos Beatles já virou um clássico da troca de palavras
por Carl.
Afinal, Carlira é o estressado mais
prestativo e atencioso de quem se pode ser amigo e a irritação dele é tão
caricata que chega a gerar risadas. É só vê-lo chegar que já se espera um
xingamento sobre qualquer coisa, que talvez nem o incomode tanto assim. Não há
reclamações quanto a ele, até porque com o Dom Carleone não se brinca, nunca se
sabe quando você vai acabar acordando com os peixes.
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