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domingo, 16 de junho de 2013

Pefil - Júlia Claro

Estressado do bem


Entre quatro palavras de Victor, duas são palavrões. As outras duas, impressionantemente, são delicadezas . E lá vem ele, com seu corpo magro, que ilude qualquer um, fazendo-o  pensar  que seu alimento favorito seja alguma salada chique, com camarões e flores enfeitando o prato - é bife com batatas fritas. Seu sorriso gentil, que engana os que imaginarem se tratar de uma pessoa calma e sua estatura alta, que não deixa ninguém em volta desconfiar que seu apelido, desde a sexta série, seja cartinha.  Ele chega no horário e se desculpa, perguntando se esperei muito, mas, ao mesmo tempo, solta um xingamento ao conversar sobre temas polêmicos.

Cartinha é uma contradição, diz que odeia gente que gosta de tudo do seu jeito e é controladora,  mas afirma: "Sou perfeccionista, gosto de tudo do meu jeito". Também, se autointitula uma pessoa muito metódica "Gosto de fazer sempre o mesmo caminho, gosto de fazer  tudo igual. Gosto de pegar o mesmo elevador, comer a mesma coisa."

Mesmo me conhecendo há treze anos, parece tímido conversando sobre si mesmo com a presença acusatória do gravador.

O Poderoso Cartão

"Ele é o próprio Don Corleone, poderoso chefão", Fernanda Matos

Victor Arichiello tem 18 anos e o sobrenome não o deixa negar a grande porcentagem italiana que seus genes carregam. Seu jeito de agir e seu temperamento, também, são  marcas disso: "Tenho muito de italiano, sinto isso pelo jeito de movimentar minhas mãos ao falar, por falar alto e me estressar".

Coincidentemente ou não, ele mora em um local com predominância de descendentes de italianos. Próximo ao Palestra Itália, o bairro Perdizes, também fica ao lado da Vila Pompeia. Outra ironia, é o fato de a  cidade favorita dele pertencer ao país em que a população dos italianos  e seus descendentes formam o sexto maior grupo étnico - Nova Iorque, para Cartinha, é o único lugar em que viveria, a não ser São Paulo.

Além disso tudo, ainda tem mais um fato curioso: seu filme favorito é o Poderoso Chefão. E era tamanho seu interesse pelo assunto, que  ele estava entre a minoria de fãs de Poderoso Chefão que leram o livro.

Estresse

"O Cartinha é uma pessoa muito engraçada. Ele consegue ser um amor de pessoa e, ao mesmo tempo, ser o mais estressado e com mais ódio no coração. É sempre divertido ver ele com raiva das pessoas, xingando todo mundo.", Beatriz Coelho, amiga do colégio em que Cartinha se formou.

"Estressado e ao mesmo tempo amável", Fernanda Matos, amiga dele há sete anos.
Quando tinha apenas 6 anos, os pais de Victor se separaram. Ele sequer tem muitas lembranças dos dois juntos, além de alguma eventual briga, que ficou em sua memória. Porém, assim como acontece com a maioria das coisas que costumam incomodar as pessoas, não tem queixas quanto a isso."Prefiro nem imaginar como seria se eles tivessem juntos; é o que dizem, há males que vem para o bem e eu tenho dois quartos duas casas etc. "

Cartinha destoa dos jovens da sua idade, ao se sentir importunado por música alta, gente despolitizada e atitudes ignorantes. Além disso, detesta egoísmo "O mínimo, quando você convive em sociedade é pensar nos outros, tem gente que é só eu, eu, eu e fodam-se os outros."

Quando irritado, se exalta, xinga e fala palavrão. Mas, segundo ele, a maioria dessas ações é exagerada e, no fundo, ele nem está tão irritado assim. "Eu tenho um negócio, eu falo mal de alguém, mas no fundo gosto da pessoa, isso é um defeito; se eu gosto, eu não deveria falar mal".

Ao contrário de gente conhecida pelo seu estresse, Cartinha é considerado uma boa companhia para os amigos. Alguém com quem se pode ter uma boa conversa e pedir conselhos. "Eu adoro ajudar e ser ajudado, pensei em ser psicólogo, mas só naquela época pré-vestibular, em que você pensa em todas as possibilidades."

Amore

Quem já viu Cartinha interpretando com paixão, nos tapetes de casas de amigos, New York, New York, na versão de Frank Sinatra,  sabe: ele é um homem romântico.

Demonstra um amor maior pela metrópole americana, do que pelo seu celular, que ele diz ser sua maior fonte de diversão e distração. Porém, não só de cidades grandes vive um coração sensível e tradicional. Ele não frequenta baladas, não gosta de ficar com várias garotas e diz querer mesmo é uma namorada. "Eu sou mais antigão nesse aspecto, eu não acho que você primeiro começa a namorar para depois se apaixonar."

"A vida amorosa tá uma merda, porque não sou muito de 'ai, nossa, bonitinha, vou ficar' até porque nem tento, tenho medo de rejeição, mas se eu não for atrás nunca acho ninguém."
O garoto acha errado que garotas não se sintam a vontade para tomar a iniciativa, pois é tímido e não sabe como se aproximar. Já perdendo um pouco a compostura, diz não se sentir bem de ter que adivinhar se alguém gosta dele ou não.

No entanto, ele diz não ser hipócrita, e admite que, ainda que na hora do romance se importe mais com sentimentos, nas outras horas gosta, sim, de dinheiro, sem reverências "Eu sou mão aberta, mas nada se faz sem dinheiro nessa vida."

Amigos e Famiglia

O Cartinha é daqueles que estão de férias e passam na casa da amiga às sete da manhã, só para deixar um pen drive. Leva o irmão, com quem briga constantemente, ao colégio e deixa de beber nas festas e bares para dar carona para a galera. Esse é o tipo de coisa que pareceria forçado vindo de qualquer um, mas, nele, há uma aura de bom moço que convence a todos.

Afinal, ele é assim desde pequeno. Com 12 anos, na sexta série, eu tinha uma missão que para mim era importante: ajudar minha mãe, recolhendo assinaturas em favor da proibição do álcool líquido com teor muito elevado. Isso porque, na época, havia muitos acidentes com álcool líquido. Eu, sozinha, mal consegui vinte assinaturas. Depois de uns três dias, o recém-apelidado Cartinha apareceu com umas cem assinaturas. Comento isso com ele, que ri e se lembra que, também, foi representante de sala naquele ano.

Para Victor, aquela expressão "com mãe não se mexe" parece se confirmar. O garoto se emociona ao dizer sobre a relação que ele acredita existir entre um filho com sua mãe. Conta que é algo diferente. "Mãe é mãe, não tem explicação, por mais que você brigue com ela, sempre quando você precisar ela estará lá. Acho que o fato de ela ter te carregado por nove meses faz você criar um vínculo, você é parte dela." O fato de sua mãe ser professora, influenciou muito na cobrança dos estudos, ainda mais nas maiores dificuldades dele, que foram decorar as capitais do Brasil e a tabuada.

Apesar de toda essa conexão com sua mãe, ele conta que, como em todo relacionamento, este também tem tensões: "Às vezes ela me tira do sério e eu sou estúpido com ela. Me arrependo depois, mas é que eu também sou muito nervoso, chego do trabalho cansado e não quero conversa".

Já com seu irmão, tem uma relação com muitas brigas. "Ele não faz as coisas, não tá nem aí pra nada, ele é a pessoa mais foda-se do mundo. Mas aí a gente acaba brigando, porque ele não apaga a luz e eu digo: 'meu, apaga a luz'. "Aí ele provoca, me xinga, umas coisas assim, aí eu fico bravo e brigo com ele."    

A maior herança que sua família lhe deixa segundo ele, é a educação.

Justiça

Cartinha faz Direito na PUC. "De onde saiu o Direito? Não sei, não tem uma explicação." Ele trabalha como estagiário em um escritório de advocacia. Tem opinião sobre todos os temas polêmicos da atualidade e, em uma discussão, respeita o direito de as pessoas terem opiniões diferentes das suas. "Ela pode não concordar com o que eu penso; eu posso ser contrário à pena de morte e fulano ser a favor, a gente pode ter discussões seriíssimas sobre isso, mas não interessa, eu vou ser amigo dela, porque eu acho que, mesmo que as opiniões formem as pessoas, você não passa o dia inteiro discutindo aborto ou pena de morte."

Sobre o trabalho, ele conta que não é o ideal para ele, pois não é muito dinâmico e que acha mais interessante quando pedem que ele vá ao fórum, do que ficar o dia todo sentado, protocolando. "Começar a trabalhar foi estranho, não poder chegar em casa e dormir, ser mais regrado com horário." Sobre a futura profissão, ele comenta que pensava em ser juiz, mas se desiludiu. "Gosto mais da parte teatral, ou seja, vou ser advogado ou promotor, e eu ainda penso que vou poder ajudar as pessoas desse jeito."

A criação de mais quatro tribunais regionais, para ele, é desnecessária. Um gasto de dinheiro absurdo, que não vale a pena. E o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, apenas faz seu trabalho e é endeusado demais, na sua opinião. Ele contou, já alterado por achar o assunto envolvente, que Barbosa querer gastar milhões na reforma de um banheiro foi realmente abuso de poder. Acrescentou que, do jeito que os brasileiros pensam dele, se fosse candidato a presidente ganharia com certeza.

Política

"Os mais velhos têm posições muito radicais, muito de direita, então, não tenho paciência de discutir com a minha mãe, com o marido dela, com pai de amigo."

Cartinha se considera mais de esquerda, se é que isso ainda existe, e acha errado votar pelo partido e não pelo candidato.

Ele não gosta de pessoas que criticam a Veja e pensam que a Carta Capital, só por dizer coisas com as quais elas concordam, é imparcial.

Por fim, Cartinha

O apelido surgiu na sexta série. "Não foi nenhuma carta de amor, como muitos pensam", diz ele, achando engraçado um apelido tão diferente ter uma história tão boba. "Eu tinha faltado no primeiro dia de aula e era o primeiro ano que a gente teria armários na sala. A professora de matemática da época, a Amparo, me disse que pra conseguir a chave eu tinha que mandar meus pais fazerem uma cartinha, mandar a cartinha, pegar a cartinha. No fim, ela ficou me chamando de cartinha, isso se espalhou pelos professores e pelos alunos e ficou." Até hoje, as pessoas que estudaram com ele no colégio o chamam assim. Mas, na faculdade, o apelido caiu em desuso e agora ele tem em sua vida momentos bem divididos, quase um antes e depois de Cartinha. "Se alguém me chama de Cartinha na faculdade é estranho, não gosto."

Mas, para os amigos que se referem a ele desta forma há sete anos, não há escapatória. Aliás, existem, até, muitas variações do apelido, como Carl, Carlira, Dira, Tita e até uma abreviatura, Lira, o mais usado. Há até o hábito de trocar as palavras das músicas por "Carl" para brincar com ele. A música Drive my car dos Beatles já virou um clássico da troca de palavras por Carl.

Afinal, Carlira é o estressado mais prestativo e atencioso de quem se pode ser amigo e a irritação dele é tão caricata que chega a gerar risadas. É só vê-lo chegar que já se espera um xingamento sobre qualquer coisa, que talvez nem o incomode tanto assim. Não há reclamações quanto a ele, até porque com o Dom Carleone não se brinca, nunca se sabe quando você vai acabar acordando com os peixes. 

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