Texturas,
cores e perfumes: um estilista sem audição
Quando
os primeiros raios de sol da manhã invadem o quarto, driblando a persiana
preta, Pedro sequer se movimenta na cama. A essa hora, sua irmã, com quem
divide o cômodo temporariamente, já saiu para o cursinho sem ele notar. Embora
seja segunda-feira, não precisa levantar cedo, seus compromissos são mais
frequentes durante a noite. Então, quando o relógio marca nove horas em ponto
seu iPhone 5 vibra para avisá-lo que está na hora de começar o dia.
Sentado
em sua cama feita sob medida devido a sua altura, 1,89m, ele corre os pés pelo
tapete bege de franjas enquanto ergue seus braços para alongar a coluna e, em
seguida, faz movimentos de rotação com a cabeça, estralando algumas vezes o
pescoço. Quando completo seu ritual matinal de alongamento, dirige-se ao
banheiro, que fica precisamente a três passos de seu quarto, no décimo primeiro
andar em seu apartamento na Rua Teixeira da Silva, há duas quadras da Avenida
Paulista.
Diante
do espelho, Pedro lava o rosto com água gelada em abundância para despertar e
diminuir o inchaço da área dos olhos. Escova os dentes e decide tomar um banho.
– A temperatura da água deve ser aproximada à que faz durante o dia, pois,
segundo ele, se toma banho muito quente num dia frio é tiro e queda para que
comece a suar em grandes proporções com maior facilidade. – Menos de cinco minutos depois, ele se enxuga
na grande e macia toalha azul, veste uma bermuda verde-água de tactel e uma
camiseta cuja imagem estampada chama a atenção: é Victoria Beckham nua,
escondendo seus seios com as mãos e de pernas cruzadas, com os dizeres “Protect the skin you’re in”, do
estilista Marc Jacobs.
A
camiseta de Pedro, comprada em uma de suas viagens à Nova York – seu destino
preferido – mostra certa intimidade com o universo fashion. Formado em Design de Moda pela faculdade Belas Artes em
2009, ele mantém um blog que leva o seu nome. Nesta página, escreve sobre
tendências, música, festas, beleza, viagens, look do dia, adaptando o conceito
de moda ao universo masculino, de uma maneira que os homens consigam entender e
melhorar o visual.
É
neste espaço em que ele se sente livre para escrever sobre o que acha relevante:
uma exposição imperdível que acontece em São Paulo, um filme que traz um
figurino incrível, o coquetel de lançamento de uma nova coleção, uma entrevista
com algum de seus amigos. Pedro encontrou em seu blog uma liberdade maior do
que a que dispunha quando colaborava para o site Homem Moderno.
Foram
oito meses como colaborador cobrindo inaugurações de lojas, semanas de moda,
desfiles masculinos, postando as escolhas de looks do dia e matérias cujo
universo fosse capaz de englobar o interesse masculino. E quando percebeu que
já não podia mais crescer ali, decidiu abrir um espaço no qual teria liberdade
total para explorar todos os temas a partir de seu olhar seletivo e preciso.
Sentado
no sofá bege da sala de seu apartamento decorada por ele mesmo, por volta das
dez horas da manhã, Pedro liga a televisão em um canal qualquer, apoia o notebook
Apple sobre o colo e inicia o processo de produção de um post. Como estamos na
semana do dia 12 de Junho, ele desenvolve uma série sobre dicas para o Dia dos
Namorados. Uma de suas características mais importantes para a área que
escolheu atuar é sua capacidade de criação e intimidade com novas ideias.
Em
2010 foi escolhido para criar e desfilar uma coleção inteira na Casa de Criadores,
principal evento voltado para os novos talentos da moda nacional. Sua chave era
o “Ponto Zero”, concurso cujo objetivo é a descoberta de novos profissionais da
moda na categoria Estilista Empreendedor.
Pedro
desfilou uma coleção desenvolvida para o inverno de 2011. Seu foco foi a
alfaiataria clássica com elementos inovadores: as cores sóbrias e tradicionais,
como o preto, o branco e o bege, eram acrescidas de um toque moderno com
pinceladas de vermelho, azul marinho e uma estampa especialmente desenvolvida
para a ocasião, espalhada ao longo da coleção nas gravatas borboleta, nos
cintos, cachecóis, golas e por vezes em uma calça ou outra. Aspecto importante
de se destacar nesta coleção também é a variação de tecidos utilizados: desde o
veludo molhado ao tricô, Pedro tem bastante sensibilidade com texturas, formas
e cores. Ele consegue, como ninguém, tornar o clássico mais moderno sem
esquecer da elegância.
Quando
o relógio se aproximava da uma hora da tarde ele já havia decidido como seriam
distribuídos os posts entre aquela segunda-feira e os dias posteriores, as
dicas de presentes estavam alinhadas com os parceiros do blog e algumas de suas
marcas favoritas. Então, levantou-se e foi à cozinha preparar seu almoço.
Todos
os dias em que consegue almoçar em casa o menu se repete: filé de frango
grelhado e bem temperado com salsinha, alho, cebola e um fio de azeite,
acompanhado por uma bela salada de alface americana, tomatinhos cereja,
palmito, bolinhas de mussarela de búafala, baby
carrots, regadas à azeite e molho ceasar com um toque de maionese. Para
beber, a opção é pelo suco natural de melão ou de laranja feitos na hora, ou
ainda bebida de capim santo.
Às
terças-feiras, Bete, a diarista que trabalha com Pedro desde que ele se mudou
para aquele endereço, há três anos, faz um bolo de cenoura coberto de
brigadeiro, a fraqueza dele. Embora abuse nos pedaços de tal iguaria, procura
não descuidar da saúde e manter uma rotina saudável: vai à academia ao menos
três vezes por semana no período da manhã e faz aulas de boxe às terças e
quintas à noite.
Durante
o almoço, sentado na mesa da cozinha, ele se mantém concentrado entre uma
garfada e outra, iniciando um diálogo apenas depois de seu prato já se encontrar
devidamente vazio.
Ele
me pergunta sobre a semana de provas, se estou muito apertada com os estudos e
trabalhos. Digo que esta semana não está muito corrida, apesar de todas as
atividades que tenho de entregar. Então, ele me conta que terá reunião com seus
colegas à noite para alinhar detalhes de seu novo projeto: a marca que levará
seu nome.
Em
parceria com um amigo italiano, Pedro trabalha hoje no que, num futuro próximo,
será o embrião da marca que sonha desenvolver. As primeiras peças desenhadas
para o début da “Pedro Steinmann” no
mercado são camisetas e polos pensadas para as necessidades de moda das classes
A e B. Ele precisa conciliar fornecedor de tecidos, botões, criação de
logotipo, modelagem, público, preço, estratégia de venda, arte gráfica,
estamparia, tudo com prazo pré-determinado: ao final do mês de Julho, seu amigo
Marvin retornará por alguns dias à Europa e a intenção é levar as peças prontas
para serem vendidas no sul da Itália.
Os
papéis são muitos. Uns deles rabiscados de caneta das primeiras reuniões
registram o início da produção: “algodão ou 50% poliéster”, “classe A e B/
apenas A/ apenas B”, uma ilustração do modelo como ele primeiramente imaginou e
a peça piloto em suas mãos. Existem ajustes a serem feitos, como detalhes na
gola, acrescentar uma fita de cor diferente contornando a costura interna da
barra, cada detalhe não escapa de seu preciso e atento olhar. Como quando
naquele mesmo dia fomos ao cinema assistir ao filme recém estreado “O Grande
Gatsby”.
Foi
Pedro quem escolheu o cinema: o Bradesco Prime no shopping Cidade Jardim.
Embora ele more muito mais próximo ao Pátio Paulista, em cujo cinema o filme
também estava em cartaz, prefere ir a este por ser mais reservado, confortável
e sem grandes aglomerações de pessoas, além disso ele poderia conferir a nova
loja da Fendi que inaugurara no Cidade Jardim na semana anterior e, quem sabe,
tirar daí uma pauta para seu blog.
O
filme começou. Em 3D, legendado, ele conseguia capturar cada detalhe do
figurino que reproduzia os anos 20, desenvolvido por Miuccia Prada e composto
com as jóias Tiffany & Co.. Parecia convidado de uma das grandes festas de
Jay Gatsby: não desgrudava os olhos da tela um minuto sequer, e eles dançavam,
acompanhando o ritmo das ricas imagens que o encantaram.
Quando
a sessão terminou, Pedro estava em êxtase com a riqueza explorada a cada cena.
Foi um show aos seus olhos. Ele contava os detalhes que havia notado no
figurino enquanto voltava para casa: os paetês, as pérolas, o corte admirável
dos ternos brancos de linho, os chapéus, as gravatas. Concluiu que poderia
escrever um post sobre isso, à respeito do figurino e da fotografia do filme,
com os quais tem mais intimidade. E eu digo desde o princípio que ele é muito
familiarizado com a parte imagética, pois Pedro nasceu com deficiência
auditiva.
Mesmo
sem escutar o mundo ao seu redor, ele nunca pensou em abrir mão de fazer aquilo
que gosta por dificuldade alguma. Escolheu a carreira de moda, que no Brasil já
é complicada e saturada, concluiu o ensino superior, trabalhou na área, criou
seu blog e colocou sua marca em desenvolvimento.
Suas
criações são uma maneira não verbal que ele encontra de mostrar tudo o que sua
personalidade transborda e não caberia em palavras. São as texturas, as cores,
os modelos, as imagens, os perfumes, as leituras, as artes, que nos dizem quem
é Pedro Steinmann.
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