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domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Paula Comassetto

Luz e Vida



Eliana Maria dos Santos Souza não é apenas especial para sua família, mas também para quem a rodeia. Sua vida é normal aos olhos de quem a vê de longe, parece ser uma pessoa como todas as outras. Porém, para aqueles que convivem ou já viram de perto por tudo o que passou e ainda resiste em lutar, ela é um ser iluminado que veio abençoar àqueles que atravessam seu caminho.

O dom que tem sempre foi melhor para os outros do que para si mesma, aliás, nem gosta de comentar com estranhos para que seu sossego não seja interrompido. Lili tem o dom de prever o futuro e conversar com os seres celestiais, com apenas um olhar já sabe como a pessoa está e o que vai lhe acontecer. Para os céticos não passa de bobagem e misticismo, mas até mesmo estes ficam atônitos com a força e poder deste anjo que só quer viver sua vida normalmente.

Aconchegante, a cozinha é o lugar onde mais gosta de ficar, é ali que faz suas peripécias e muitas vezes acaba se machucando, pois a esclerose múltipla tira muito da sua força corporal. O cheirinho da comidinha mineira dá a impressão de estarmos na fazenda, carne assada, arroz, feijão e suflê de legumes, que nem mesmo ela sabe como fez, compõem o cardápio do dia, sem deixar de esquecer da saladinha que não deixa de fazer para me agradar. A conversa é franca e animada, de vez em quando algum atrito interrompe a calmaria, nada que alguns segundos de brincadeira não resolvam.

Eliana teve uma infância pobre e feliz, lembra com nostalgia dos tempos áureos de sua época arteira. Nasceu em 26 de março de 1963 e como toda criança de seu tempo vivia na rua fazendo arte com suas irmãs e, principalmente, com sua irmã Almira, de quem lembra com muito carinho “a gente fazia muitas proezas juntas e eu sempre conduzia ela, até mesmo às coisas erradas”.

Aos 10 anos a primeira visão apareceu num sonho muito real. Nele, ela era mordida por um cachorro, e apesar de ter pedido a sua mãe para não sair de casa, acabou sendo obrigada a isto e realmente acabou levando uma mordida do tal cachorro raivoso. Sua mãe falou que era de tanto ela pensar naquilo e ela contrariando disse que sabia que aquilo a acontecer. A família nunca acreditou muito no que dizia até que um dia disse algumas coisas para a irmã que aconteceram, mas mesmo assim ficaram com o pé atrás.

Nunca quis saber de nada e já teve medo e o mesmo ainda acontece hoje em dia, pois teme falar algo e não acontecer, talvez pelas experiências passadas. “Eu sempre tive o dom de saber das coisas sem saber porque que eu sabia”. Os amigos em vários momentos a procuram para saber do futuro, mas, por certa resistência ou mesmo por cuidado, às vezes não fala. Alguns entendem, outros não. No entanto, existem pessoas as quais ela sente necessidade em falar. Na maioria dos casos não a procuram, pois ela não dá brecha nenhuma. Acredita que se comentar muito não vai ter mais sossego, nem tempo para dormir nem comer.

As “visões” nem sempre são as mesmas, pode ouvir, ver e sonhar, acha que depende d’Ele lá de cima ou do anjo protetor. Elas são constantes, porém, depende do dia e da pessoa com quem está, enxerga coisas até mesmo de quem não conhece. Entretanto, não consegue saber nada para si, o que se deva talvez de tanto se repreender.

Assim como em muitos momentos, a adolescência foi um período em que levava tudo na brincadeira, dizia ser a Mãe Zonara, aquela que sabia tudo e que tinha uma bola de cristal. Aliás, adora sacanear todo mundo, brincadeiras é o que não falta em seu dia a dia. Certa vez, há alguns anos, ao voltar de Belo Horizonte trouxe um brinquedo de madeira, na hora do assopro vinha um jato de farinha no rosto, sua “florista”, é assim que chama sua amiga Maria do Carmo, ficou toda branca.

De seus cinquenta anos de idade, trinta e seis foram ao lado de seu marido, José Glaydson de Souza. É impossível não notar o brilho de felicidade em seus olhos ao falar deste homem, que além de companheiro é alguém que lhe entende e apoia. Quando nova foi muito namoradeira e seu caso com Glaydson começou aos quatorze anos como ela mesma confessou “dando uns beijinhos”. Ele a conhece como ninguém, sabe quando está em apuros e sempre procura acalmá-la e tirar do lugar onde se encontra.

Seus sentidos aumentaram depois dos quarenta anos, quando surgiram os problemas de saúde causados pela esclerose múltipla. Ela acha que depois deste momento seus sentidos tornaram-se mais aguçados e as coisas se afloraram mais, pois antes conseguia segurá-los e hoje não tem mais este controle sobre seu corpo e sua mente. Se sente mal ao saber das coisas, pois “saber das coisas e não poder falar é horrível”. Acha melhor não falar nada, pois assim não faz ninguém sofrer e ela mesma não se preocupa. “É difícil, porque nem tudo que a gente fala acontece, então é uma coisa muito complicada, as pessoas às vezes te cobram, não aceitam. Muitas vezes dá tudo certinho, mas muitas vezes não dá, depende do cara lá de cima”.

Conversa com todos os santos e anjos, os enxerga apesar de não ter a vista esquerda e apenas 20% da direita. Ela ficou cega deste olho após um surto da doença que deixou todo o lado esquerdo comprometido. Não sabe como consegue rezar, mas o fato é que o faz muito bem. Coloca um óculos de grau, que para ela não serve para nada, e lê tudo. Ela acha que é com a ajuda de seus “amigos” que consegue fazer tudo o que faz. E é com todas essas barreiras que ela consegue ultrapassar, que vai vivendo sua vida normalmente.

Sempre sente presença deles a seu lado e no momento está muito amiga de Jorge, está direto com ela. Declara com muito pesar que se afastou de Pedro depois de uns problemas que tiveram, “abalamos nossa amizade”. Padre Pio é um companheiro eterno, pendurado em seu pescoço é possível notar um pingente com a imagem do santo. Sempre quando vai operar encontra-se a seu lado, seja em qualquer situação ela pede sua proteção e ele vem. Já passou por diversas situações engraçadas, certa vez, quando estava internada pediu para que eu fosse a procura de um padre muito legal, no entanto, fiquei procurando por todos os lados e por muito tempo, cheguei a perguntar aos enfermeiros onde estava este tal padre, e nada de achar. Só foi em uma visita à casa de sua mãe em que viu a imagem do santo que foi descobrir quem ele era. Acharam que tinha ficado doida quando falou que era amiga dele, mas foi a partir deste episódio que começou a ter uma fé muito grande nele.

Quando está na rua, o que não é muito comum devido ao seu problema de saúde, constantemente enxerga alguém em sua frente, mas depois percebe que é somente uma visão e que na verdade não havia ninguém ali. Outras vezes, quando está para cair num buraco sempre existe alguém que a ampara e some.

Eliana tem dois filhos, Caroline e João Francisco, que têm muita fé e acreditam no que ela fala. Temem quando ela os reprimem, mas só em último caso perguntam alguma coisa. Para a filha não pode falar porque ela fica muito ansiosa e, por isso, prefere nem falar as coisas direito. Carol diz que suas rezas são muito fortes e já a salvou algumas vezes. João é mais tranquilo, já é de pedir ajuda, quando nasceu ela enxergou uma luz azul forte sobre sua cabeça. Mas é com Glaydson que ela conversa mais, ele faz rezas nela também.

Eliana é muito religiosa e católica, reza todos os dias à tarde, lá pelas seis horas da tarde, pois é o horário da Ave Maria e é muito bonito. Diz que os santos a procuram muito. Participa de missas carismáticas e explica como elas funcionam, “os padres falam a língua dos anjos e as pessoas cantam com as mãos”. Ela pode até ver mortos, mas prefere não ter contato, porque segundo ela, “se eles estão aqui não está certo, era para eles estarem em outro plano”.

Seu encontro com Deus foi muito importante para que tivesse mais fé, tanto que fez questão de montar um santuário em sua própria casa. Antigamente era uma pessoa muito descrente e foi a partir deste encontro que passou a pedir as coisas com verdadeira fé. Respeita muito todos que estão ali, porque com cada um deles ela tem uma história para contar. Brinca que quando morrer vai deixar o altar para um amigo e ele vai ter que cuidar muito, senão vai começar a cair santo na cabeça dele sem saber o porquê. Esse mesmo amigo é pego nas suas brincadeiras também, quando está com a energia pesada, logo diz que está cheio de macaquinho em volta de sua cabeça, e quando está extremamente pesada é um gorila que lhe atormenta.

Quando casou foi para a Amazônia, onde ficou mais aguçada, mas foi aos 38 anos, já em Goiânia, que percebeu que ia ter muitos problemas de saúde. Em Campo Grande enquanto estava internada brincava muito, via muitos pacientes por ali e dizia com plena certeza que alguns iriam levantar voo, parece esquisito, mas realmente acontecia. Falavam que aquilo era um aeroporto onde os aviões ficavam para levantar voo. No seu caso, diz que a médica segurava na barra da asa e não a deixava ir.

Sua rotina é muito comum, levanta cedo, faz o almoço “pensando nas crianças” e depois vai descansar um pouco, porque, afinal, tem muito sono por causa das medicações. Quando acorda vai rezar. Gosta muito de assistir novela e não perde um capítulo. Adora cozinhar, fazer artesanato e tricô, porém, atualmente seus “cuidadores” não estão ajudando muito e por isso deu um tempo. Mas é a cozinha sua verdadeira paixão, ninguém a tira de lá, não usa medidas e faz tudo no olho. Conta orgulhosa do pão de mel que fez para a festa junina e que ficou uma delícia, Carol entra na conversa e reclama que fez o brigadeiro.

Nunca faltou comida em sua mesa, se ela tem sobrando, ela dá e mesmo se não tem, divide. Se pergunta do porquê de ficar com tudo guardado e estragando, divide tudo o que tem. Inclusive pede aos outros que façam o mesmo, pede comida, roupas e brinquedos aos mais necessitados.

O quarto transparece muita paz e alegria, nas paredes podemos ver passarinhos em galhos de árvores e no teto estrelas fluorescentes. É repleto de imagens, ursos de pelúcia e até uma Barbie, guarda todos e sente como se fosse a própria pessoa e ai daquele que mexe em suas coisas. Em qualquer momento ela vê, seja no momento do perigo, seja quando a pessoa está precisando de alguma coisa. Sempre passa no altar por volta das seis horas da tarde, porque acha esse horário muito bonito, o horário da Ave Maria. São incontáveis os santos que nem mesmo ela sabe ao certo quantos tem, ele fica no corredor, logo ao lado da porta do seu quarto, repleto de imagens, de flores, velas e objetos de adoração. Os amigos também costumam dar imagens de presente, o que cria uma certa companhia com elas.

Uma vez chegou a ir ao céu no ano de 2008, quando transplantou o coração, porém não quis ficar e por isso sua volta foi muito cansativa, apareceram bolhas nos pés, andou muito para chegar aqui pelos seus filhos. Quando chegou, falou ao médico que tinha ido para o outro lado. Tinha um lago lindo e uma grama bem verdinha, tinha umas pessoas lhe esperando e uma maca, foi quando falou que queria voltar, orem teria que voltar sozinha e o caminho era longo. Andou tanto e teve tanta sede e nesses momentos ela tinha febre no hospital, todo mundo achava que ela iria morrer. Quando ela chegou, melhorou imediatamente só que os pés estavam cheio de bolhas, no qual achavam que era um problema renal, o que era da caminhada.

Seu destino é ajudar os outros, sempre que pode ajuda as pessoas mais carentes, conhece muita gente e é assim que vai ajudando a todos. Teimosa como só ela consegue ser, sempre acaba conseguindo aquilo que quer, seja pela obstinação ou pela chantagem emocional. Quando está doente faz um carinha de cachorro abandonado que até os médicos acabam cedendo as suas vontades. Já fez Maria do Carmo entrar escondida na UTI com um copo de Coca-Cola, porque ela estava com muita sede.

E é assim deste jeito maroto e brincalhão que Lili vive, um dia após o outro e como se hoje pudesse ser o último de sua vida. Pessoa iluminada e guerreira tira força de si para dar aos outros, que precisam muito menos do que ela. Assim como um anjo ilumina a vida daqueles que têm o prazer de cruzar seu caminho.

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