Maria
Rosa Elias Marchetti nasceu em Barcelona , na época da ditadura franquista, dia
seis de Janeiro de 1942. Frequentou a escola apenas até os 14 anos, e já com
essa idade trabalhava como balconista em uma mercearia.
O
cenário anterior à guerra na Espanha era o seguinte: a economia crescia e, com
ela, o movimento operário. A primeira sociedade operária foi fundada em
Barcelona, em 1840, e o anarquismo era a tendência política mais difundida
entre os trabalhadores.
O
estopim da guerra foi um pronunciamento de militares rebeldes, em 1936, e seu
fim foi em 1939, com a vitória dos militares. Foi, então, instaurado um regime
ditatorial de caráter fascista, liderado pelo general Francisco Franco.
O
regime franquista era definido pela unidade nacional espanhola, pelo
catolicismo e anti-comunismo. Democracia orgânica foi como o regime se
autodefiniu, com fins propagandísticos.
Quando
Maria Rosa nasceu, a ditadura já estava instaurada. Seu pai, Esteban, lutou ao
lado dos republicanos durante a Guerra Civil. Quando eles foram derrotados, foi
instaurado um regime ditatorial de caráter fascista, liderado por Francisco
Franco, e a situação da família foi se dificultando. Por ser republicano,
Esteban, que teve que abandonar a faculdade de arquitetura para servir ao
exército, não conseguia bons empregos, acabava trabalhando como pedreiro.
Como
cresceu com a ditadura, Maria Rosa não sentia muito a diferença, afinal nunca
havia vivido em um país livre, mas possui algumas poucas lembranças que
caracterizavam a época.
A
mais marcante é que, quando criança, a comida era escassa. A família recebia
uma espécie de ticket, que limitava o que podia ser comprado. Ia à padaria com
o papel para retirar a comida, e tudo o que recebiam em troca era um pedaço de
pão, e nada mais. Aquilo não era suficiente, então para que não passassem fome,
ela acompanhava a mãe até o mercado negro, que era uma casa, onde compravam
açúcar, arroz, feijão, etc. Hoje, aos setenta e um anos, Maria diz ainda sentir
o cheiro forte que tinha o corredor lugar ao lembrar dos dias que foi até lá
Quando
jovens, ela e o irmão frequentavam bares onde não tinha opressão, uma vez que
também não existia discussão política, mas se lembra que o povo era muito
reprimido. Os militares e o clero mandavam em tudo. Era vantajoso ter um amigo
que fosse do clero ou militar.
Por
causa de Franco, o povo não podia conversar. Se a polícia visse um grupo de
pessoas conversando na rua, logo desconfiava que estavam falando de política.
Não existia liberdade alguma de expressão
Tem
muitas histórias sobre a guerra, que ouviu do pai e de outros familiares. Como
por exemplo, que seu pai tinha uma mancha na pele do tamanho de uma laranja,
feita por uma granada. Fala também de uma foto do casamento de seus pais que
teve de ser escondida porque seu pai casou com o uniforme de tenente. A foto
ainda existe e está exposta na casa de Maria, mas teve que ficar anos
escondida, porque se descobrissem que Esteban era tenente, e não apenas um cabo
raso, matariam a família toda.
Outra
das histórias que ouviu, é, provavelmente, uma das mais tristes e
surpreendentes. Um dia, seu pai foi preso pelo exército franco, e estava na
fila para pegar a filiação. Era tentente, mas tirou o emblema que o
identificava, pois se descobrissem que ele era mais que um soldado, poderia ser
executado, e sua família também. A tia de Maria Rosa o viu, e começou a chorar
dizendo que Francisca (mãe de Maria), que estava grávida, estava com tifo – uma
febre muito alta que matava. Um dos soldados franquistas o liberou e disse para
se apresentar no dia seguinte. É claro que ele não foi. Francisca sobreviveu, a criança nasceu doente,
e morreu com apenas alguns meses.
Depois da guerra, como seu pai não conseguia bons empregos
por ter lutado por Barcelona, Maria Rosa trabalhava como balconista de uma
mercearia. Seu irmão, dois anos mais velho, também trabalhava, como arquiteto e
desenhista, para ajudar a família.
Em 1958 a família resolveu vir para o Brasil, porque seu
irmão estava fazendo 18 anos, e seu pai não queria que ele entrasse para o
exército e passasse por tudo o que passou. Vieram então, Maria Rosa, seu irmão
Esteban, sua irmã Francisca (que na época tinha apenas três anos de idade), sua
mãe e seu pai.
O
navio que os trouxe para o Brasil, chamado “Cabo São Roque”, era novo, e muito
bom para a época. A viagem que os trazia era apenas a terceira dele, e tinha, inclusive,
uma igreja dentro. Demoraram catorze dias para chegar, eles saíram de lá no dia
dez de junho e chegaram dia vinte e quatro, no dia de São João.
Aqui seu pai conseguiu alguma melhoria de emprego, e
trabalhava como mestre de obras. Poderia trabalhar como arquiteto, porque
possuía os conhecimentos, mas não tinha o diploma por ter abandonado a
faculdade devido à guerra. Maria continuou trabalhando, agora em uma fábrica de
bolsas. Seu trabalho era confeccionar as bolsas do começo ao fim, e diz que
eram muitas.
Maria
Rosa Casou-se em 1966 com Caetano Alcides Marchetti, mudou-se para Campinas e
teve três filhos: a mais velha chamada Marisa, Renato, e o caçula Eduardo.
Nos
anos 90 montou uma loja de souvenirs em Campinas com sua nora, Renata. Renata
casou-se com Renato em 1992. A loja
permaneceu até 2001, mas como Renata estava com a filha de seis anos, ficou
cada vez mais difícil cuidar de tudo, e resolveram fechar.
Em
2003 perdeu o marido, logo vendeu a casa e mudou-se para um apartamento, onde
mora atualmente sozinha.
Atualmente tem uma rotina tranquila. Frequenta aulas de
ginástica às terças-feiras e de danças de salão às quartas. Quinta-feira de
manhã normalmente vai à feira, onde sempre perguntam a ela sobre sua neta, hoje
com 18 anos, que a acompanhava quando era criança.
Aos finais de semana encontra seus filhos (Marisa e Eduardo
moram longe, e Renato está sempre viajando a trabalho) e netos. Quando tem
reuniões de família em sua casa, não dispensa a tradicional paella, que,
espanhola, faz maravilhosamente bem. Outra especialidade dela são os canelones,
os netos adoram.
Frequentemente ela viaja com uma amiga para seu apartamento
na Praia Grande. Apesar da idade, é muito independente. Maria Rosa vendeu seu
carro, e só usa o transporte público, seja para suas aulas semanais, seja para
ir ao médico. Como tem diabete, sua rotina com os médicos é bem complicada,
sempre tem que estar em dia com eles e com os exames, mas se vira muito bem
sozinha.
Ela não deixa que a idade atrapalhe seu dia a dia, gosta de
shoppings, ir ao centro da cidade, ir à feira, viaja com os filhos sempre que
pode. Quando é possível, visita Marisa em Santos, e Eduardo em São Paulo. Como
Renato mora na cidade ao lado, o vê com mais frequência.
Maria
Rosa viveu no Brasil na época da ditadura, também. Como não tinha muito
envolvimento na política brasileira, não teve maiores problemas com isso, mas
pôde comparar o que via na Espanha, com o que aconteceu no nosso país.
Com
o que pôde comparar, acha que a ditadura brasileira não chegou perto do que
aconteceu em Barcelona. Acredita que
aqui os estudantes sofreram mais, e afirma, também, que isso é devido ao fato
que, afinal, eles são sempre os revolucionários, e que muitos desapareceram ou
tiveram que fugir.
Mesmo
tendo vivendo tudo isso, acredita que a ditadura na Espanha era muito mais
rígida. Afirma que não via no Brasil o que presenciou em seu país. Talvez por
ser filha de tenente, tenha uma versão mais rígida, por ter que viver com medo.
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