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terça-feira, 18 de junho de 2013

Perfil - Rafaela Marchetti


                                                        
Maria Rosa Elias Marchetti nasceu em Barcelona , na época da ditadura franquista, dia seis de Janeiro de 1942. Frequentou a escola apenas até os 14 anos, e já com essa idade trabalhava como balconista em uma mercearia.



O cenário anterior à guerra na Espanha era o seguinte: a economia crescia e, com ela, o movimento operário. A primeira sociedade operária foi fundada em Barcelona, em 1840, e o anarquismo era a tendência política mais difundida entre os trabalhadores.
O estopim da guerra foi um pronunciamento de militares rebeldes, em 1936, e seu fim foi em 1939, com a vitória dos militares. Foi, então, instaurado um regime ditatorial de caráter fascista, liderado pelo general Francisco Franco.
O regime franquista era definido pela unidade nacional espanhola, pelo catolicismo e anti-comunismo. Democracia orgânica foi como o regime se autodefiniu, com fins propagandísticos.
Quando Maria Rosa nasceu, a ditadura já estava instaurada. Seu pai, Esteban, lutou ao lado dos republicanos durante a Guerra Civil. Quando eles foram derrotados, foi instaurado um regime ditatorial de caráter fascista, liderado por Francisco Franco, e a situação da família foi se dificultando. Por ser republicano, Esteban, que teve que abandonar a faculdade de arquitetura para servir ao exército, não conseguia bons empregos, acabava trabalhando como pedreiro.
Como cresceu com a ditadura, Maria Rosa não sentia muito a diferença, afinal nunca havia vivido em um país livre, mas possui algumas poucas lembranças que caracterizavam a época.
A mais marcante é que, quando criança, a comida era escassa. A família recebia uma espécie de ticket, que limitava o que podia ser comprado. Ia à padaria com o papel para retirar a comida, e tudo o que recebiam em troca era um pedaço de pão, e nada mais. Aquilo não era suficiente, então para que não passassem fome, ela acompanhava a mãe até o mercado negro, que era uma casa, onde compravam açúcar, arroz, feijão, etc. Hoje, aos setenta e um anos, Maria diz ainda sentir o cheiro forte que tinha o corredor lugar ao lembrar dos dias que foi até lá
Quando jovens, ela e o irmão frequentavam bares onde não tinha opressão, uma vez que também não existia discussão política, mas se lembra que o povo era muito reprimido. Os militares e o clero mandavam em tudo. Era vantajoso ter um amigo que fosse do clero ou militar.
Por causa de Franco, o povo não podia conversar. Se a polícia visse um grupo de pessoas conversando na rua, logo desconfiava que estavam falando de política. Não existia liberdade alguma de expressão
Tem muitas histórias sobre a guerra, que ouviu do pai e de outros familiares. Como por exemplo, que seu pai tinha uma mancha na pele do tamanho de uma laranja, feita por uma granada. Fala também de uma foto do casamento de seus pais que teve de ser escondida porque seu pai casou com o uniforme de tenente. A foto ainda existe e está exposta na casa de Maria, mas teve que ficar anos escondida, porque se descobrissem que Esteban era tenente, e não apenas um cabo raso, matariam a família toda.
Outra das histórias que ouviu, é, provavelmente, uma das mais tristes e surpreendentes. Um dia, seu pai foi preso pelo exército franco, e estava na fila para pegar a filiação. Era tentente, mas tirou o emblema que o identificava, pois se descobrissem que ele era mais que um soldado, poderia ser executado, e sua família também. A tia de Maria Rosa o viu, e começou a chorar dizendo que Francisca (mãe de Maria), que estava grávida, estava com tifo – uma febre muito alta que matava. Um dos soldados franquistas o liberou e disse para se apresentar no dia seguinte. É claro que ele não foi.  Francisca sobreviveu, a criança nasceu doente, e morreu com apenas alguns meses.
Depois da guerra, como seu pai não conseguia bons empregos por ter lutado por Barcelona, Maria Rosa trabalhava como balconista de uma mercearia. Seu irmão, dois anos mais velho, também trabalhava, como arquiteto e desenhista, para ajudar a família.
Em 1958 a família resolveu vir para o Brasil, porque seu irmão estava fazendo 18 anos, e seu pai não queria que ele entrasse para o exército e passasse por tudo o que passou. Vieram então, Maria Rosa, seu irmão Esteban, sua irmã Francisca (que na época tinha apenas três anos de idade), sua mãe e seu pai.
O navio que os trouxe para o Brasil, chamado “Cabo São Roque”, era novo, e muito bom para a época. A viagem que os trazia era apenas a terceira dele, e tinha, inclusive, uma igreja dentro. Demoraram catorze dias para chegar, eles saíram de lá no dia dez de junho e chegaram dia vinte e quatro, no dia de São João.
Aqui seu pai conseguiu alguma melhoria de emprego, e trabalhava como mestre de obras. Poderia trabalhar como arquiteto, porque possuía os conhecimentos, mas não tinha o diploma por ter abandonado a faculdade devido à guerra. Maria continuou trabalhando, agora em uma fábrica de bolsas. Seu trabalho era confeccionar as bolsas do começo ao fim, e diz que eram muitas.
Maria Rosa Casou-se em 1966 com Caetano Alcides Marchetti, mudou-se para Campinas e teve três filhos: a mais velha chamada Marisa, Renato, e o caçula Eduardo.
Nos anos 90 montou uma loja de souvenirs em Campinas com sua nora, Renata. Renata casou-se com Renato em 1992.  A loja permaneceu até 2001, mas como Renata estava com a filha de seis anos, ficou cada vez mais difícil cuidar de tudo, e resolveram fechar.
Em 2003 perdeu o marido, logo vendeu a casa e mudou-se para um apartamento, onde mora atualmente sozinha.
Atualmente tem uma rotina tranquila. Frequenta aulas de ginástica às terças-feiras e de danças de salão às quartas. Quinta-feira de manhã normalmente vai à feira, onde sempre perguntam a ela sobre sua neta, hoje com 18 anos, que a acompanhava quando era criança.
Aos finais de semana encontra seus filhos (Marisa e Eduardo moram longe, e Renato está sempre viajando a trabalho) e netos. Quando tem reuniões de família em sua casa, não dispensa a tradicional paella, que, espanhola, faz maravilhosamente bem. Outra especialidade dela são os canelones, os netos adoram.
Frequentemente ela viaja com uma amiga para seu apartamento na Praia Grande. Apesar da idade, é muito independente. Maria Rosa vendeu seu carro, e só usa o transporte público, seja para suas aulas semanais, seja para ir ao médico. Como tem diabete, sua rotina com os médicos é bem complicada, sempre tem que estar em dia com eles e com os exames, mas se vira muito bem sozinha.
Ela não deixa que a idade atrapalhe seu dia a dia, gosta de shoppings, ir ao centro da cidade, ir à feira, viaja com os filhos sempre que pode. Quando é possível, visita Marisa em Santos, e Eduardo em São Paulo. Como Renato mora na cidade ao lado, o vê com mais frequência.
Maria Rosa viveu no Brasil na época da ditadura, também. Como não tinha muito envolvimento na política brasileira, não teve maiores problemas com isso, mas pôde comparar o que via na Espanha, com o que aconteceu no nosso país.
Com o que pôde comparar, acha que a ditadura brasileira não chegou perto do que aconteceu em Barcelona.  Acredita que aqui os estudantes sofreram mais, e afirma, também, que isso é devido ao fato que, afinal, eles são sempre os revolucionários, e que muitos desapareceram ou tiveram que fugir.
Mesmo tendo vivendo tudo isso, acredita que a ditadura na Espanha era muito mais rígida. Afirma que não via no Brasil o que presenciou em seu país. Talvez por ser filha de tenente, tenha uma versão mais rígida, por ter que viver com medo.

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