Pages

domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Débora Fiorini


“As pessoas não iam acreditar no que acontecia”
Os mistérios e a magia por trás da vida de Vanderlei Carneosso



Se o mundo for uma grande peça de teatro, as pessoas são as personagens. Mas toda peça precisa de um diretor; alguém ousado, que busque extrair todo potencial dos artistas para realizar um belo trabalho. Alguém que ultrapasse limites, que guie, que seja sábio. É difícil encontrar pessoas com tais características. A maioria se esconde por trás de seus medos, preferem não arriscar. Entretanto, sempre tem alguém que sai da linha e desafia a vida.
Antônio Vanderlei Carneosso tem 53 anos de idade. Ele é alto, magro e pálido. Ministra aulas e dirige peças de teatro desde 2010, no Centro Cultural Vicente Musselli, em Valinhos, cidade do interior de São Paulo. E foi lá que o conheci.
Sentado em uma cadeira, vestindo roupas bem simples e digitando em seu notebook, Vanderlei parecia ser um homem comum.  Iria nos ensinar técnicas teatrais, montar uma ou duas peças e nos divertir um pouco de segunda – feira à noite com exercícios artísticos. Isso era o que eu e mais três alunos esperávamos. Não foi o que aconteceu. Com um tom de voz forte e certeiro, que parece nunca vacilar em suas palavras, o novo professor e diretor de teatro, cujo sobrenome chamava muito a atenção, nos prometeu uma experiência inesquecível pelo mundo das artes. Segundo ele, o grupo cresceria, nosso talento seria desenvolvido e iríamos representar um novo tipo de teatro na cidade.
Poucos meses depois, a sala estava incrivelmente cheia. Eram mais de 40 alunos, todos querendo um espaço no grupo. Os visitantes do Centro Cultural se amontoavam em frente da porta para espiar as aulas. Crescia a afinidade entre os artistas e a fama de Vanderlei pela cidade. As apresentações mudaram. O público começou a respeitar o artista em cima do palco. Não havia mais barulho ou intervenções desnecessárias por parte da plateia durante as peças. O teatro, que antes era considerado tão inferior à dança, agora também lotava o auditório da cidade.
Mais do que uma mudança artística, Vanderlei proporcionou uma mudança espiritual em seus alunos. Muito respeitado e adorado por todos eles, crianças de 10 anos até senhoras de 60 pediam conselhos e ouviam atentamente todas as histórias e ensinamentos que o diretor transmitia nas aulas. Como grupo, víamos nele outra forma de enxergar a vida.
Esse jeito de ser do Vanderlei não nasceu da noite para o dia. Sua trajetória pessoal e profissional é marcada por muitos episódios misteriosos, os quais ele não explica claramente e nem precisa. Talvez seja esse mistério em sua vida que a torne tão interessante. E de volta para mesma sala de aula em que eu estava há dois anos, Vanderlei se sentou na mesma cadeira, olhou fixamente em meus olhos e com sua postura ereta e seus gestos leves, me contou um pouco da sua vida e como ele chegou até onde ele está hoje.
A aventura dele começou aos nove anos em Jundiaí, sua cidade natal. De família pobre, Vanderlei encontrou uma cigana que leu sua mão e disse que ele teria um futuro envolvido com a arte. A mulher também o alertou de uma amizade que ele teria e que duraria por 30 anos. Apesar de não acreditar nas palavras proféticas da cigana, ele sentiu que algo estava para acontecer. Até que um dia, ele conheceu um homem muito pobre da região que era apelidado de “o mendigo”. “Talvez ali tenha começado a grande senda da minha vida”, pois a partir daquele dia em diante, ele começou uma amizade com esse homem, que o ensinou muito. Aos 12 anos, Vanderlei foi convidado para integrar um grupo de estudos sobre filosofia indiana. Andava pela Serra do Japi com o seu amigo “o mendigo”, participava de experiências e estudava. Sua paixão era o saber. Sua adolescência até os 18 anos foi de muito aprendizado.
Durante sua juventude, Vanderlei preferiu ocultar sua forma de viver. Ele via o que fazia e o que as pessoas da sua idade faziam e sabia que havia uma enorme diferença. “Não iam acreditar no que acontecia. Eles gostavam de jogar bola e ouvir música. Eu gostava de estudar.” Aprofundado em estudos filosóficos, místicos e astronômicos, Vanderlei foi servir o quartel aos 17 anos, contra a sua vontade.
Porém, se existe um lema na vida desse excêntrico diretor, é de extrair o melhor das situações. Foi durante os três meses de exército que ele aprendeu a arte da guerra, a manusear as armas e a lutar. E disso ele retirou conhecimentos para construir suas peças que mostravam grandes conflitos. Porém, devido a indisciplina de seguir as ordens militares e atitudes de recusa, como uma greve de fome de seis dias, Vanderlei foi encaminhado para o hospital psiquiátrico do exército em São Paulo. Lá, em contato com um professor de kung fu, pôde aprender essa luta e a filosofia chinesa, o que depois teve grande influência em suas obras artísticas. Como sempre, aproveitou o melhor da situação para aprender e compartilhar conhecimento.
Para sair de lá, Vanderlei realmente se fez de louco. Imitou constantemente um passarinho, o que ele diz que foi, provavelmente, a primeira vez que fez teatro na vida. Talvez considerado um “caso sem solução”, Vanderlei foi liberado para voltar para a casa e não para o exército. Trabalhou em banco para sustentar a família durante 14 anos e cursou um ano e meio de biologia na faculdade. Nesta época, Vanderlei acumulou muito dinheiro, mas, aos 32 anos, uma pessoa disse para ele deixar tudo pra trás; todos os bens materiais conquistados até então. Novamente muito misterioso sobre a identidade das pessoas que passam por sua vida, Vanderlei apenas revelou para mim que seguiu o conselho, apesar das dúvidas. Afinal de contas, para quem nunca tinha tido muita riqueza material, não é fácil largar tudo. Mas não estamos falando de uma pessoa comum. Ele realmente largou tudo, ficando apenas com o básico para se sustentar, o seu conhecimento e a sua riqueza espiritual. E exatamente um mês depois, sua vida mudou drasticamente, novamente! Começava aí uma nova aventura.
Vanderlei foi apresentado para o mundo do teatro. Sua namorada na época, que era atriz e bailarina, sugeriu que ele escrevesse uma peça. Apesar do estranhamento com o tema artístico, ele decidiu ir em frente com o projeto e escreveu sua primeira obra teatral, “O Vale da Coisa Engraçada”, em 1996, que ganhou 150 prêmios em dois anos de apresentação. E desde então ele nunca mais deixou os palcos.
Apaixonado pela força feminina, me lembro de que em todas as aulas, Vanderlei mostrava o poder que a mulher tinha. Ele conta que foi através do teatro que se envolveu com várias mulheres especiais, com as quais ele pôde aprender muito. Atualmente, Vanderlei está em um relacionamento sério com uma mulher, mas os dois são livres para se relacionarem com outras pessoas e fazer o que quiserem. Ele não acredita em relacionamentos fechados. Seria um desperdício não compartilhar o amor com outras pessoas. Vanderlei não tem filhos, mas não descarta a possibilidade de ser pai daqui alguns anos e de uma menina. Se isso realmente acontecer, ele espera organizar uma verdadeira confraria de mulheres que abençoarão o nascimento da filha, da mesma forma que ele escreveu em sua peça “As Feiticeiras”, uma das principais de sua carreira e que eu tive a honra de poder participar.
Vanderlei é autor de 44 peças teatrais, um tratado de teatro, com aproximadamente mil páginas, seis monólogos, oito livros de assuntos científicos diversos e algumas outras obras. O conteúdo é gigante e ele pretende publicá-los, mas precisaria de uma ajuda específica para isso. Além disso, ele possui um grande acervo de DVDs, figurinos e cenários. Infelizmente, falta infraestrutura para acomodar todas as obras. E tudo foi conquistado com muito trabalho e dedicação. Não só eu, mas todos os alunos do Vanderlei sempre viram o esforço feito para conseguir materiais e construir toda a estrutura para as apresentações.
Vanderlei também fundou seu próprio Centro Cultural em Jundiaí, batizado de Shakti, em 1995. Um local bem simples e improvisado, mas que era palco para ensaios e apresentações de grandes peças do diretor. Durante um bom tempo, o centro, que também abrigava a Shakti Produções, foi bem famoso na cidade. O grupo de teatro alcançou sucesso. Hoje, o centro está fechado por determinação da prefeitura, que justificou o fechamento por problemas estruturais. Vanderlei aponta outra causa: “a Shakti se tornou tão poderosa que desbancou todos os outros grupos. Aí a prefeitura percebeu que a gente tinha mais poder que o grupinho deles e começou a querer desbancar a gente de qualquer forma”. As dificuldades financeiras aumentaram e o centro acabou fechando as portas temporariamente desde 2011. Mas ele pretende reabrir o centro, o quanto antes.
A amizade com “o mendigo”, cujo nome Vanderlei revelou depois – Damaro –permaneceu por 32 anos. Depois o homem foi embora, seguindo seu próprio caminho. Neste misto de aventuras, Vanderlei não se arrepende de nada. De nenhum amor ou do que largou em busca de novos rumos. Já viveu de tudo. Pertenceu ao partido político PC do B em 1975, foi perseguido pela polícia, preso durante dois dias e escapou da tortura por pouco. Ele até faz graça: “não sei por que estou vivo até hoje. Deve ter algum motivo muito grande”. Digamos que a fé de Vanderlei na vida não é fraca. Ele frisa bem as palavras quando diz “não quero morrer. Não acredito na morte”.
Considerado ateu, Vanderlei diz com convicção: “eu acredito no homem. No poder do homem. Se Deus quiser falar comigo, eu estou aqui. Ele que me ache”.  Um episódio que ele sempre contava nas aulas e que eu pedi para ele relembrar na entrevista foi quando uma perua passou em cima de seu joelho, aos 36 anos de idade, em um acidente. O médico foi convicto: “você nunca mais irá andar normalmente”. Mas Vanderlei retrucou: “Não, o joelho é meu. Essa é sua opinião”. Insistindo em sua recuperação, ele usou tudo o que sabia, inclusive “coisas bem contundentes”, como ele mesmo disse, e aos poucos, com ajuda de muletas e bengalas, ele estava caminhando, agachando e fazendo movimentos de kung fu. Sem sequelas.
Vanderlei é enérgico. Passa noites sem dormir costurando figurinos, estudando e elaborando peças. Orgulhoso da sua capacidade de trabalhar, ele diz: “Eu lanço o desafio. Quero ver o diretor que monte oito peças ao mesmo tempo”. Com certeza, ele se doa 100% ao teatro. Não é apenas profissão. É a sua vida.
Também não acredita em destino. Para ele, destino é definir um caminho e quando você define um caminho, “você deixou de partilhar outros caminhos”. Ele acredita seriamente em seu trabalho como artista e também não esconde a sua aversão pelos Estados Unidos da América. Sim, esta cultura norte-americana já foi tema de vários debates em sala de aula.  Vanderlei não vacila ao expor sua opinião sobre o país gringo. Para ele, a cultura estadunidense produz uma onda de devastação desde quando a população se instalou no país e dizimou os índios que lá viviam. Esse assunto, inclusive, é tema central de uma de suas peças, chamada “Mãe Terra”.
Aproveitei para questioná-lo sobre seus três principais desejos. Entusiasmado com o assunto anterior sobre os EUA, ele contou que o primeiro seria que a pessoas parassem de falar inglês. “Inglês é uma língua burra. Seria um grande avanço para a cultura mundial se parassem de falar esse idioma”. Depois disse que gostaria muito que as mulheres descobrissem sua essência e acreditassem mais nelas mesmas; “elas deveriam tomar conta do mundo. O mundo deveria ser matriarcal”. E por último, Vanderlei queria muito que o homem aprendesse a respeitar a natureza. Com certeza não são sonhos simples, mas desistir deles pode ser um desperdício.
O diretor já abandonou muita coisa em sua vida. No total, foram três vezes em que ele deixou todos os bens materiais para trás para seguir um novo rumo, apoiado somente em sua sabedoria e sua humildade. Muitas pessoas passaram por sua vida, mas ele acredita que, quem realmente é especial, sempre volta.  Foi neste tom de conversa que a entrevista chegou ao fim. Quando desliguei o gravador, olhei em volta e vi vários rostos observando a conversa. Eram os alunos da próxima aula. Crianças, jovens e adultos, que deixaram suas camas no sábado de manhã para aprenderam mais sobre a arte e a vida em uma aula de teatro.
Fui embora relembrando das aulas em que participava. Do carinho que o Vanderlei proporcionava em todos os exercícios. Afinal, o que ele ensina todo dia é amar e respeitar. Lembrei-me do cheiro das cortinas velhas do auditório, do barulho no camarim, da ansiedade antes de apresentar e da felicidade inexplicável de ver mais de 400 pessoas em pé te aplaudindo. No próximo sábado terá apresentação e dessa vez eu estarei na plateia assistindo. Olharei para o fundo do teatro e lá estará o Vanderlei, de carne e osso, fazendo tudo e algo a mais para a peça ser impecável.

Um comentário:

  1. Olha..quem o viu em alguns momentos,nota traços psicopaticos ou esquizofrenicos com essas histórias contadas,que não se pode comprovar...servem para criar uma aura em torno dele...para mim é um cara que foge do real e daí se encontrou com o teatro e com o misticismo ( prática xamanismo, usa ayusca, é a favor do amor livre, prega o tantrismo e tem um centro cultural que comanda em Jundiaí, atualmente,com o nome de Muladhara,que é o nome do chakra
    raiz,o qual trabalha o sexo !! Parece ser um cara muito preocupado com o sexo ! Não tem livros publicados e nem se acha peças teatrais suas, premiadas....

    ResponderExcluir