“As pessoas não
iam acreditar no que acontecia”
Os mistérios e a
magia por trás da vida de Vanderlei
Carneosso
Se o mundo for uma grande peça de teatro,
as pessoas são as personagens. Mas toda peça precisa de um diretor; alguém ousado,
que busque extrair todo potencial dos artistas para realizar um belo trabalho.
Alguém que ultrapasse limites, que guie, que seja sábio. É difícil encontrar
pessoas com tais características. A maioria se esconde por trás de seus medos,
preferem não arriscar. Entretanto, sempre tem alguém que sai da linha e desafia
a vida.
Antônio Vanderlei Carneosso tem 53 anos
de idade. Ele é alto, magro e pálido. Ministra aulas e dirige peças de teatro
desde 2010, no Centro Cultural Vicente Musselli, em Valinhos, cidade do
interior de São Paulo. E foi lá que o conheci.
Sentado em uma cadeira, vestindo roupas
bem simples e digitando em seu notebook, Vanderlei parecia ser um homem
comum. Iria nos ensinar técnicas
teatrais, montar uma ou duas peças e nos divertir um pouco de segunda – feira à
noite com exercícios artísticos. Isso era o que eu e mais três alunos
esperávamos. Não foi o que aconteceu. Com um tom de voz forte e certeiro, que
parece nunca vacilar em suas palavras, o novo professor e diretor de teatro, cujo
sobrenome chamava muito a atenção, nos prometeu uma experiência inesquecível
pelo mundo das artes. Segundo ele, o grupo cresceria, nosso talento seria
desenvolvido e iríamos representar um novo tipo de teatro na cidade.
Poucos meses depois, a sala estava
incrivelmente cheia. Eram mais de 40 alunos, todos querendo um espaço no grupo.
Os visitantes do Centro Cultural se amontoavam em frente da porta para espiar
as aulas. Crescia a afinidade entre os artistas e a fama de Vanderlei pela
cidade. As apresentações mudaram. O público começou a respeitar o artista em
cima do palco. Não havia mais barulho ou intervenções desnecessárias por parte
da plateia durante as peças. O teatro, que antes era considerado tão inferior à
dança, agora também lotava o auditório da cidade.
Mais do que uma mudança artística,
Vanderlei proporcionou uma mudança espiritual em seus alunos. Muito respeitado
e adorado por todos eles, crianças de 10 anos até senhoras de 60 pediam
conselhos e ouviam atentamente todas as histórias e ensinamentos que o diretor
transmitia nas aulas. Como grupo, víamos nele outra forma de enxergar a vida.
Esse jeito de ser do Vanderlei não nasceu
da noite para o dia. Sua trajetória pessoal e profissional é marcada por muitos
episódios misteriosos, os quais ele não explica claramente e nem precisa.
Talvez seja esse mistério em sua vida que a torne tão interessante. E de volta
para mesma sala de aula em que eu estava há dois anos, Vanderlei se sentou na
mesma cadeira, olhou fixamente em meus olhos e com sua postura ereta e seus
gestos leves, me contou um pouco da sua vida e como ele chegou até onde ele
está hoje.
A aventura dele começou aos nove anos em
Jundiaí, sua cidade natal. De família pobre, Vanderlei encontrou uma cigana que
leu sua mão e disse que ele teria um futuro envolvido com a arte. A mulher
também o alertou de uma amizade que ele teria e que duraria por 30 anos. Apesar
de não acreditar nas palavras proféticas da cigana, ele sentiu que algo estava
para acontecer. Até que um dia, ele conheceu um homem muito pobre da região que
era apelidado de “o mendigo”. “Talvez ali tenha começado a grande senda da
minha vida”, pois a partir daquele dia em diante, ele começou uma amizade com
esse homem, que o ensinou muito. Aos 12 anos, Vanderlei foi convidado para
integrar um grupo de estudos sobre filosofia indiana. Andava pela Serra do Japi
com o seu amigo “o mendigo”, participava de experiências e estudava. Sua paixão
era o saber. Sua adolescência até os 18 anos foi de muito aprendizado.
Durante sua juventude, Vanderlei preferiu
ocultar sua forma de viver. Ele via o que fazia e o que as pessoas da sua idade
faziam e sabia que havia uma enorme diferença. “Não iam acreditar no que
acontecia. Eles gostavam de jogar bola e ouvir música. Eu gostava de estudar.”
Aprofundado em estudos filosóficos, místicos e astronômicos, Vanderlei foi
servir o quartel aos 17 anos, contra a sua vontade.
Porém, se existe um lema na vida desse
excêntrico diretor, é de extrair o melhor das situações. Foi durante os três
meses de exército que ele aprendeu a arte da guerra, a manusear as armas e a
lutar. E disso ele retirou conhecimentos para construir suas peças que
mostravam grandes conflitos. Porém, devido a indisciplina de seguir as ordens
militares e atitudes de recusa, como uma greve de fome de seis dias, Vanderlei
foi encaminhado para o hospital psiquiátrico do exército em São Paulo. Lá, em
contato com um professor de kung fu, pôde aprender essa luta e a filosofia
chinesa, o que depois teve grande influência em suas obras artísticas. Como
sempre, aproveitou o melhor da situação para aprender e compartilhar
conhecimento.
Para sair de lá, Vanderlei realmente se
fez de louco. Imitou constantemente um passarinho, o que ele diz que foi,
provavelmente, a primeira vez que fez teatro na vida. Talvez considerado um
“caso sem solução”, Vanderlei foi liberado para voltar para a casa e não para o
exército. Trabalhou em banco para sustentar a família durante 14 anos e cursou
um ano e meio de biologia na faculdade. Nesta época, Vanderlei acumulou muito
dinheiro, mas, aos 32 anos, uma pessoa disse para ele deixar tudo pra trás;
todos os bens materiais conquistados até então. Novamente muito misterioso
sobre a identidade das pessoas que passam por sua vida, Vanderlei apenas
revelou para mim que seguiu o conselho, apesar das dúvidas. Afinal de contas,
para quem nunca tinha tido muita riqueza material, não é fácil largar tudo. Mas
não estamos falando de uma pessoa comum. Ele realmente largou tudo, ficando
apenas com o básico para se sustentar, o seu conhecimento e a sua riqueza
espiritual. E exatamente um mês depois, sua vida mudou drasticamente,
novamente! Começava aí uma nova aventura.
Vanderlei foi apresentado para o mundo do
teatro. Sua namorada na época, que era atriz e bailarina, sugeriu que ele
escrevesse uma peça. Apesar do estranhamento com o tema artístico, ele decidiu
ir em frente com o projeto e escreveu sua primeira obra teatral, “O Vale da
Coisa Engraçada”, em 1996, que ganhou 150 prêmios em dois anos de apresentação.
E desde então ele nunca mais deixou os palcos.
Apaixonado pela força feminina, me lembro
de que em todas as aulas, Vanderlei mostrava o poder que a mulher tinha. Ele
conta que foi através do teatro que se envolveu com várias mulheres especiais,
com as quais ele pôde aprender muito. Atualmente, Vanderlei está em um
relacionamento sério com uma mulher, mas os dois são livres para se
relacionarem com outras pessoas e fazer o que quiserem. Ele não acredita em
relacionamentos fechados. Seria um desperdício não compartilhar o amor com
outras pessoas. Vanderlei não tem filhos, mas não descarta a possibilidade de
ser pai daqui alguns anos e de uma menina. Se isso realmente acontecer, ele
espera organizar uma verdadeira confraria de mulheres que abençoarão o
nascimento da filha, da mesma forma que ele escreveu em sua peça “As
Feiticeiras”, uma das principais de sua carreira e que eu tive a honra de poder
participar.
Vanderlei é autor de 44 peças teatrais,
um tratado de teatro, com aproximadamente mil páginas, seis monólogos, oito
livros de assuntos científicos diversos e algumas outras obras. O conteúdo é
gigante e ele pretende publicá-los, mas precisaria de uma ajuda específica para
isso. Além disso, ele possui um grande acervo de DVDs, figurinos e cenários.
Infelizmente, falta infraestrutura para acomodar todas as obras. E tudo foi
conquistado com muito trabalho e dedicação. Não só eu, mas todos os alunos do
Vanderlei sempre viram o esforço feito para conseguir materiais e construir
toda a estrutura para as apresentações.
Vanderlei também fundou seu próprio
Centro Cultural em Jundiaí, batizado de Shakti, em 1995. Um local bem simples e
improvisado, mas que era palco para ensaios e apresentações de grandes peças do
diretor. Durante um bom tempo, o centro, que também abrigava a Shakti
Produções, foi bem famoso na cidade. O grupo de teatro alcançou sucesso. Hoje,
o centro está fechado por determinação da prefeitura, que justificou o
fechamento por problemas estruturais. Vanderlei aponta outra causa: “a Shakti
se tornou tão poderosa que desbancou todos os outros grupos. Aí a prefeitura
percebeu que a gente tinha mais poder que o grupinho deles e começou a querer
desbancar a gente de qualquer forma”. As dificuldades financeiras aumentaram e
o centro acabou fechando as portas temporariamente desde 2011. Mas ele pretende
reabrir o centro, o quanto antes.
A amizade com “o mendigo”, cujo nome
Vanderlei revelou depois – Damaro –permaneceu por 32 anos. Depois o homem foi
embora, seguindo seu próprio caminho. Neste misto de aventuras, Vanderlei não
se arrepende de nada. De nenhum amor ou do que largou em busca de novos rumos.
Já viveu de tudo. Pertenceu ao partido político PC do B em 1975, foi perseguido
pela polícia, preso durante dois dias e escapou da tortura por pouco. Ele até
faz graça: “não sei por que estou vivo até hoje. Deve ter algum motivo muito
grande”. Digamos que a fé de Vanderlei na vida não é fraca. Ele frisa bem as
palavras quando diz “não quero morrer. Não acredito na morte”.
Considerado ateu, Vanderlei diz com
convicção: “eu acredito no homem. No poder do homem. Se Deus quiser falar
comigo, eu estou aqui. Ele que me ache”. Um episódio que ele sempre contava nas aulas e
que eu pedi para ele relembrar na entrevista foi quando uma perua passou em
cima de seu joelho, aos 36 anos de idade, em um acidente. O médico foi
convicto: “você nunca mais irá andar normalmente”. Mas Vanderlei retrucou:
“Não, o joelho é meu. Essa é sua opinião”. Insistindo em sua recuperação, ele
usou tudo o que sabia, inclusive “coisas bem contundentes”, como ele mesmo
disse, e aos poucos, com ajuda de muletas e bengalas, ele estava caminhando,
agachando e fazendo movimentos de kung fu. Sem sequelas.
Vanderlei é enérgico. Passa noites sem
dormir costurando figurinos, estudando e elaborando peças. Orgulhoso da sua
capacidade de trabalhar, ele diz: “Eu lanço o desafio. Quero ver o diretor que
monte oito peças ao mesmo tempo”. Com certeza, ele se doa 100% ao teatro. Não é
apenas profissão. É a sua vida.
Também não acredita em destino. Para ele,
destino é definir um caminho e quando você define um caminho, “você deixou de
partilhar outros caminhos”. Ele acredita seriamente em seu trabalho como
artista e também não esconde a sua aversão pelos Estados Unidos da América.
Sim, esta cultura norte-americana já foi tema de vários debates em sala de
aula. Vanderlei não vacila ao expor sua
opinião sobre o país gringo. Para ele, a cultura estadunidense produz uma onda
de devastação desde quando a população se instalou no país e dizimou os índios
que lá viviam. Esse assunto, inclusive, é tema central de uma de suas peças, chamada
“Mãe Terra”.
Aproveitei para questioná-lo sobre seus três
principais desejos. Entusiasmado com o assunto anterior sobre os EUA, ele
contou que o primeiro seria que a pessoas parassem de falar inglês. “Inglês é
uma língua burra. Seria um grande avanço para a cultura mundial se parassem de
falar esse idioma”. Depois disse que gostaria muito que as mulheres
descobrissem sua essência e acreditassem mais nelas mesmas; “elas deveriam
tomar conta do mundo. O mundo deveria ser matriarcal”. E por último, Vanderlei
queria muito que o homem aprendesse a respeitar a natureza. Com certeza não são
sonhos simples, mas desistir deles pode ser um desperdício.
O diretor já abandonou muita coisa em sua
vida. No total, foram três vezes em que ele deixou todos os bens materiais para
trás para seguir um novo rumo, apoiado somente em sua sabedoria e sua
humildade. Muitas pessoas passaram por sua vida, mas ele acredita que, quem
realmente é especial, sempre volta. Foi
neste tom de conversa que a entrevista chegou ao fim. Quando desliguei o
gravador, olhei em volta e vi vários rostos observando a conversa. Eram os
alunos da próxima aula. Crianças, jovens e adultos, que deixaram suas camas no
sábado de manhã para aprenderam mais sobre a arte e a vida em uma aula de
teatro.
Fui embora relembrando das aulas em que
participava. Do carinho que o Vanderlei proporcionava em todos os exercícios.
Afinal, o que ele ensina todo dia é amar e respeitar. Lembrei-me do cheiro das
cortinas velhas do auditório, do barulho no camarim, da ansiedade antes de
apresentar e da felicidade inexplicável de ver mais de 400 pessoas em pé te
aplaudindo. No próximo sábado terá apresentação e dessa vez eu estarei na
plateia assistindo. Olharei para o fundo do teatro e lá estará o Vanderlei, de
carne e osso, fazendo tudo e algo a mais para a peça ser impecável.
Olha..quem o viu em alguns momentos,nota traços psicopaticos ou esquizofrenicos com essas histórias contadas,que não se pode comprovar...servem para criar uma aura em torno dele...para mim é um cara que foge do real e daí se encontrou com o teatro e com o misticismo ( prática xamanismo, usa ayusca, é a favor do amor livre, prega o tantrismo e tem um centro cultural que comanda em Jundiaí, atualmente,com o nome de Muladhara,que é o nome do chakra
ResponderExcluirraiz,o qual trabalha o sexo !! Parece ser um cara muito preocupado com o sexo ! Não tem livros publicados e nem se acha peças teatrais suas, premiadas....