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domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Victor Cianci


Professora, Doutora, Mãe e Amiga - Das Fábricas de Papel à Procuradoria
Procure em qualquer seção de direito nas livrarias Saraiva e é impossível não dar de cara com o nome de Mirna Cianci. Se for interessado na área, vai encontrar o nome de Mirna ligado a processos contra nomes conhecidos: Suzanne von Richtofen, por exemplo, tentou certa vez reclamar que estava sendo maltratada na cadeia. Um advogado havia sido subornado por ela. Mas não Mirna, que venceu a causa e deixou a jovem donzela bem presa na sua torre.
Pode-se perceber que Mirna não é qualquer advogada. A procuradora do Estado já tem um enorme valor atribuído a seu nome e ela é conhecidíssima na profissão, atuando ou como procuradora ou como escritora. Mestra e formada em Direito pela PUC-SP, professora na mesma PUC, e com um curso de Letras nas costas, não é de se espantar que Mirna seja uma pessoa tão gabaritada (e ocupada).
Mas não foi da noite para o dia que a jovem mãe de dois filhos se tornou uma das estrelas no céu dos advogados paulistanos. A entrevista que ela concedeu a mim sobre a sua vida antes e depois da faculdade revela o caminho não tão fácil que ela teve que percorrer para chegar lá.
Felizmente, a entrevista não teve nenhum grande problema, afinal tenho "acesso VIP" nesta área: como o mais velho dos dois filhos orgulhosos da mãe que têm. Sentamos na cama do seu quarto, como sempre fazemos quando vamos conversar, e começamos uma entrevista muito prazerosa e descontraída, só eu e ela, sem perguntar pra mais ninguém.
O que Mirna começou contando é algo que ela já fez questão de repetir inúmeras vezes quando me dava broncas: ela não teve infância fácil. Como a filha mais nova de sete que Dona Rosa teve, Mirna teve que começar  a trabalhar cedo. Todas as filhas - e o filho - tinham que sustentar a casa, porque a mãe não conseguia capital suficiente como tintureira e o pai, pseudo-jornalista e alcóolatra, dificilmente contribuía para a causa. Os Ciancis não eram pobres, longe disso. Mas quando se tem sete filhos, há de se cobrir os gastos. Naquela época, anos 60, 70, era muito comum que as famílias tivessem vários filhos, e também muito comum que a necessidade por dinheiro para sustento próprio fosse grande.
(Nota: ao ver este parágrafo, Mirna ficou muito brava por eu ter escrito "anos 60, 70". Ela é dessas que considera falta de educação perguntar ou divulgar a idade de uma mulher, e, aos risos, me pediu para escrever "anos 80". Desculpe mãe, jornalismo é compromisso com a verdade!)
Desde os 14 anos, Mirna e três das suas irmãs - Rebeca, Alessandra e Regina -começaram a "atuar" em uma fábrica de papel, cortando as mãos todo dia para ganhar uma "merreca" - 30 reais pra cada 3 horas, segundo ela. A jornada era acordar cedo, às seis horas da manhã, ir para a escola, almoçar e ficar até a noite trabalhando. Durante esse tempo, as quatro irmãs ficaram bem próximas, e Mirna foi aprendendo com as irmãs a gostar de ler e escrever, paixão que leva até hoje. E foi essa paixão que levou ela a, aos 17 anos, com ensino médio completo mas em uma escola de qualidades duvidosas de ensino, prestar o vestibular.
Passou em Letras na PUC-SP, e lá ficou até os 19 anos, quando decidiu que precisaria de mais. Tentou entrar em Direito na USP, mas não conseguiu, então pediu transferência interna pela própria PUC.
Mirna sempre me contou que nos primeiros dois anos, não suportava o curso. A cada aula nova, cada matéria nova, sentia mais e mais vontade de "voltar pras letras", como ela diz. Mas, determinada e batalhadora que é, não desistiu e seguiu em frente, pensando no futuro. Ao meio do terceiro ano, conheceu José do Carmo Mendes Júnior - ou o popular "meu pai" - e começou a namorar com dois amores dela: o "Juninho" e o Direito. Um deles se separou em 1999, e o Direito, que é o principal candidato ao divórcio, ficou.
O Júnior, aliás, mesmo com tudo que aconteceu, não poupa palavras para falar bem de Mirna. "Sua mãe é uma pessoa muito especial. Conheci poucas como ela. Pode ter certeza que ter continuado como amigo dela foi a melhor decisão que tomei", ele me disse há alguns anos.
Ainda no quarto ano de faculdade, Mirna já estagiava em lugares respeitáveis e possuía ambições grandes como família, sucesso e livros, muitos livros. Sempre teve como sonho a escrita. "Ainda bem que você puxou isso da sua mãe", ela ri, olhando para mim. Apesar de ser muito focada, séria e centrada, Mirna é também, como podemos ver, uma ótima mãe.
A vida ainda não era fácil para ela aos 20 anos: tinha que estagiar para pagar a própria faculdade, e muitas vezes o dinheiro passava raspando. Mas, segundo ela, "eu tinha amigos e me sentia bem lá". Mirna nunca deixou de acreditar que iria chegar longe com muita luta.
E assim foi. Ela tirou o diploma e começou a trabalhar na Procuradoria junto com seu então marido. Teve uma ascensão meteórica, de secretária a procuradora em apenas 5 anos.
Nesse meio-tempo, Mirna assumiu seu outro trabalho: o trabalho de mãe. Em 1992, nasceu este que vos escreve, e em 1994, nasceu o mais novo, Felippe, que carrega a ambição de seguir a carreira dos pais. "É difícil, vocês só me dão trabalho, mas sou muito orgulhosa de ter dois filhos lindos (...)" disse ela, sorrindo. Tive que cortar a fala pela metade. Não quero me vangloriar muito. "Mãe é suspeita pra falar", diz ela.
Apesar de ter tido propostas para outros cargos dentro da área jurídica, Mirna prefere continuar como procuradora. Certa vez, ela me disse: "Muita gente diz que é impossível ser feliz fazendo o que gosta. Bom, eu sou feliz e amo meu trabalho". Ao terminar a fala, apontou para sua pilha de processos e livros escritos, como quem evidencia o fato.
Seus livros, aliás, são para ela o que bichinhos de pelúcia são para pequenas meninas. O primeiro deles, "Coleção Direito e Processo - O Acesso à Justiça e as Reformas do CPC", lançado em 2004, foi escrito em colaboração com a amiga e colega de trabalho Rita Quartieri e o professor Donaldo Armelim, eterno ídolo dela. A partir daí, chamou a atenção da Editora Saraiva pela sua escrita simples e carregada de conhecimento (adquirida, segundo ela, no seu pouco tempo em Letras). Sempre que fala de seus livros, Mirna fala com muito orgulho.
O único orgulho maior que os livros é o nome que conseguiu como advogada. O prestígio e o reconhecimento, segundo ela, fazem ela ter certeza de que está fazendo um bom trabalho.
Tenho certeza que muitos lembram do "Caso Rafinha Bastos", no qual o comediante foi processado pela cantora Wanessa Camargo por uma piada feita sobre ela no ar. A advogada de Rafinha, Thaís Colli, perdeu a primeira ação na justiça. Antes de tentar pedir recurso, Thaís procurou ajuda profissional... Exatamente. Mirna e ela foram tomar um café e conversar sobre o caso, aconselhando a jovem advogada, já que ambas tinham em mente a mesma premissa: a de que o comediante polêmico era inocente no caso. Thaís viria a ganhar a segunda ação e reduzir a pena, e ligou para Mirna no dia seguinte, agradecendo-a. "Fiquei muito feliz, adoro ajudar as pessoas, ainda mais no meu meio", diz Mirna.
Como é a Mirna enquanto advogada? Bom, mais uma vez, posso falar disto pela posição privilegiada que tenho com ela. Fui estagiário dela por 3 meses, quando ainda pensava em seguir a carreira dela. Os olhos dela brilham quando explica o Direito para alguém. Ela é muito atenciosa e não se cansa de explicar a mesma coisa quantas vezes forem necessárias. Lembro-me que todas as ex-estagiárias dela que passavam pela mesa e me viam lá, faziam questão de falar "olha, aproveita, trabalhar com a Mirna é muito bom". Além de tudo, ela é uma "mãezona" no escritório também.
E não são apenas as ex-estagiárias. Mirna me conta que muitos alunos dela ficam até depois da aula conversando com ela. "Já me chamaram pra tomar cerveja depois da aula também, queria ter tempo", ri. Chegada num "barzinho", Mirna sai toda quinta, sexta e alguns sábados com as amigas e amigos dos tempos de faculdade. Nas reuniões de família, é presença garantida, e é o momento em que ela deixa de ser a respeitável advogada e mestra; eu e meu tio Paulo (casado com a Rebeca) inventamos o termo "Mirnice", referindo aos constantes desaires que mamãe comete durante o dia, e a pobre coitada passa a ser o comic relief dos Ciancis.
A história das "Mirnices" começou em Miami, 2012. Estávamos no hotel ela, eu, Paulo, Rebeca e Felippe, no quarto da Rebeca. Paulo havia comprado uma câmera nova e estava animado, "brincando" com as funções dela ("(ele estava) uma mala, não parava quieto, quase tirei aquela m... da mão dele", completa Mirna) enquanto as madames faziam hot dogs para o jantar. Sem perceber que estava sendo filmada, Mirna deixou uma das salsichas cair no ralo da pia da cozinha. Indignada, suplicou para que Paulo não divulgasse o vídeo, mas eu já estava passando o arquivo em vídeo para meu celular e colocando no Facebook. A "obra" foi intitulada "The Mirnice Collection Deluxe" e infelizmente foi deletada das redes por requerimento da própria Mirna. Também, quem vai querer se meter com uma advogada dessas, não?
Mirna gosta bastante de viajar. Antes de mim, já havia ido para Viena, Madrid, Barcelona, Roma e Paris; depois, fomos juntos para a Disney (esta viagem, ela lembra, aconteceu em Setembro de 2001, e pisamos em solo brasileiro bem no dia 11), para Miami e para Portugal. Mas apesar disso, ela gosta muito mais é de ir para a praia e para a casa de campo em Vargem Grande Paulista (que ela insiste em chamar de "Cotia" por conveniência), que comprou meses antes do meu nascimento e que é a sede da grande maioria dos churrascos de família. "Eu tenho medo de avião", diz, "Gosto mesmo é de pegar o carro e ir pra Maresias, pra Riviera, pra "Cotia", relaxar e tomar um sol..."
Tomar sol, aliás, é quase um esporte para a Mirna. Quem vê a pele morenaça, cheia de melanina dela e vê os dois filhos branquinhos do seu lado, pensa que ela está adotando crianças albinas. "Eu não tomo tanto sol assim", diz ela sempre, mas as amigas fazem questão de contrariá-la antes de mim. "Eu cuido da aparência", justifica. E cuida mesmo. Além de tomar sol, ela acorda mais cedo todo dia para frequentar a academia antes de trabalhar. Ou pelo menos acordava, "até seu irmão me inventar de querer fazer cursinho no Anglo e eu ter que levar ele".
Hoje, Mirna está gerenciando bem sua carreira tripla. Está trabalhando, junto com outros advogados, em um livro sobre a famosa res juridica, mas não quer divulgar o conteúdo ainda. Mal pode esperar a chegada das férias. Afinal, se tem alguém que merece descanso, é uma guerreira como essa - posso dizer que ser mãe solteira já não é fácil, ainda mais de dois filhos como os que ela tem. "É o que eu sempre tento passar; temos que correr atrás do que gostamos. Eu nunca tive vida fácil, mas não desisti e hoje sou feliz".
Planos para o futuro? "Continuar escrevendo livros e trabalhando até me aposentar, o que não deve demorar muito. Depois, viver a vida, viajar bastante e aproveitar os meus filhinhos", diz, me abraçando e rindo de mim por pedir profissionalismo na entrevista. É mole?

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