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domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Dora Anderáos

Um futuro incerto

Ricardo Anderáos é jornalista do Grupo Abril, criador e mantenedor do viveiro de mudas da mata atlântica Viva Floresta e praticante da religião budista, além de pai, marido e filho dedicado. Divide-se entre suas duas casas - a primeira e favorita em Ilhabela, com a mulher e os dois filhos mais novos e a segunda em São Paulo, com sua filha mais velha.

Ricardo acorda todos os dias às 8 da manhã em ponto, levanta-se ainda de cueca e pega um iogurte de laranja com cenoura e mel na geladeira. Abre a porta da frente, pega a Folha de S.Paulo do dia e senta-se à mesa de sua casa para comer o iogurte lendo as notícias do dia.

Aos 51 anos, sendo 25 de jornalismo, Ricardo - ou Anderáos, como prefere no ambiente de trabalho - passa por uma fase difícil. O Grupo Abril, empresa na qual ele ocupa a vaga de Diretor de Mídias Digitais há pouco mais de um ano vem sofrendo financeiramente, passando por reajustes e os temidos cortes. Seu departamento iniciava um processo de unir todos os responsáveis por mídias digitais nos diversos veículos do grupo e instruí-los sobre estratégias e dicas para um melhor desempenho online. Com as dificuldades, o grupo decidiu extinguir o novo departamento. Anderáos agora busca encaixar seus funcionários em outros departamentos para minimizar as demissões, mas a realidade é que nem de seu próprio destino ele tem certeza. Entretanto, ele sustenta um bom relacionamento com o presidente da empresa e outros executivos de cargos superiores, o que o tranquiliza quanto à sua permanência na Abril.

Formado em História pela USP, é doutor em História da Arte, mas trabalha principalmente com jornalismo tecnológico. Sempre inteligente, Ricardo inicialmente cursou Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pois era a vontade de seu pai. Não se identificou, abandonando o curso depois de alguns meses. Dos tempos de FFLCH, relembra o ativismo nas causas políticas e algo curioso: participou por meses do grupo de ballet clássico no Estúdio de Ballet Cisne Negro, para juntar dinheiro. Comenta, rindo: “Nunca peguei tanta mulher na minha vida. Imagina você e mais um cara viajando com cinquenta mulheres”.

Sobre o início no jornalismo, Ricardo conta que não foi exatamente uma decisão, mas algo que acabou acontecendo em sua vida. “Eu estava começando a pós-graduação em História Social da Arte e elaborando um projeto para pedir uma bolsa de estudos e seguir carreira acadêmica e era desempregado na época. Aí eu vi um anúncio na Folha de S.Paulo do 1º Programa de Treinamento da Folha, era o primeiro curso de Jornalismo promovido por um jornal em 1988 e era voltado pra pessoas que tivessem faculdade de Ciências Humanas e não estivessem cursando jornalismo. O anúncio falava que os selecionados iriam fazer esse treinamento de 30 dias e os mais bem colocados seriam contratados pra trabalhar no jornal. Eu fiz a prova de seleção, fui aprovado, fiz o programa de 30 dias, fui um dos mais bem colocados e imediatamente fui contratado pra trabalhar como repórter na Folha Ilustrada. Então não foi exatamente uma decisão que eu tomei, mas uma coisa que acabou acontecendo na minha vida”.

Anderáos foi repórter e correspondente internacional da Folha de S.Paulo na Espanha, criou o primeiro CD-ROM brasileiro - que coincidentemente foi lançado no mesmo dia em que sua filha mais velha nasceu, em 19 de abril de 1994 - foi webmaster do UOL e gerente de Novas Mídias do Itaú Cultural. Escreveu a coluna de tecnologia da Carta Capital durante dez anos, criou e editou o Link, caderno de comportamento e tecnologia de O Estado de S. Paulo e manteve programa diário de tecnologia na rádio Eldorado. Implantou o jornal Metro no Brasil e foi o Diretor Editorial da versão paulistana. No Grupo Bandeirantes de Comunicação criou e implantou o portal eBand e o site de jornalismo colaborativo eBandRepórter.

Quando perguntado sobre o seu feito do qual mais se orgulha, Ricardo não tem dúvidas. “De ter criado numa empresa de fundo de quintal o primeiro CD-rom brasileiro. Era uma revista chamada Neo Interativa, que não apenas foi o primeiro produto de mídia digital brasileiro em português mas também foi o produto que inventou o mercado de mídia digital. Nessa revista, nós tivemos o primeiro anúncio comercializado em mídia digital, que por acaso foi comprado pela Microsoft, tivemos o primeiro acordo de distribuição em larga escala de um produto desse tipo (um bundle com computadores Itautec) e foi um grande laboratório também, a Neo Interativa atraímos muitos jornalistas do primeiro time da imprensa brasileira fazendo experiências em mídia digital pela primeira vez. Nomes como Paulo Lima, editor e fundador da Revista Trip, que fez uma materia falando de surf misturando vídeo e áudio, ou um especialista em gastronomia como Josimar Mello, ou um crítico musical como Carlos Calado... ou seja, nós conseguimos mesclar o melhor do jornalismo com uma plataforma completamente nova, um modelo novo, e tudo isso em 1994, quando não existiam iniciativas como essa. Isso me deixa muito orgulhoso até hoje. As revistas que você vê em iPad feitas dezoito anos depois da Neo Interativa ainda não saíram do mesmo modelo que nós utilizamos. Ou melhor, ainda não superaram. A tecnologia evoluiu mas do ponto de vista jornalístico, de conteúdo, já estava tudo ali”.

Na geladeira, bilhetes de seus filhos mostram o pai dedicado e amoroso que é. “Pai, te agradeço por me dar essa vida perfeita! Obrigada por morarmos na Ilha - paraíso, cercado de sorrisos... Quero que saiba que sempre ao voltar de viagem, após uma semana de trabalho, terei muito prazer em recebê-lo com um abraço. Assinado sua borboletinha. Te amo. 23/07/2011” diz o bilhete de sua filha Lorena, a do meio, hoje com catorze anos. A saudade de Ilhabela é uma constante em sua vida, como ele mesmo ressalta: “Não gosto de ficar em São Paulo. Cada minuto que eu estou aqui, estou descontente. Por isso, assim que me livro dos compromissos de trabalho por aqui já pego o carro ou a moto e escapo pra Ilha. Normalmente às quintas-feiras”.

Sobre o budismo, sobram-lhe palavras para contar como começou a sua experiência e o que mudou em sua vida ao se tornar adepto da religião. “Eu nunca me senti atraído por religiões, muito pelo contrário, isso sempre me pareceu coisa de mistificadores, exploração barata da ignorância alheia. Mas numa época em que eu atravessava uma grande crise pessoal, uma amiga que era Budista me levou ao centro que frequentava. As palavras da Lama Tsering me tocaram profundamente, e percebi que não precisava necessariamente acreditar em nada sobrenatural ou metafísico para tirar proveito daqueles ensinamentos. Há componentes filosóficos e psicológicos muito fortes no Budismo, tão importantes quanto os religiosos. Assim comecei a estudar e me envolver cada vez mais”.

Quando perguntado sobre as dificuldades que teve, seus olhos castanhos se arregalam e ele exclama: “Sem dúvida nenhuma! A princípio, o envolvimento com o Budismo complementou e aprofundou o que eu já desenvolvia nas sessões de psicanálise que frequentava há alguns anos. Com o tempo, transformações mais profundas começaram a acontecer. Senti-me muito mais perto das pessoas. Parei de negar e temer a morte. Passei a aceitar melhor a mim mesmo e aos fatos básicos da vida. Em uma palavra, amadureci. É claro que continuo tendo minhas limitações, e vez por outra "caio nos mesmos buracos", cometo os mesmos erros. Mas agora não preciso mais me defender deles, fingir que não existem. É como se eu tivesse me aberto para a vida, passado a me aceitar melhor, e por extensão a todas as outras pessoas.”

Quando trabalhava no jornal O Estado de S.Paulo, teve a oportunidade de fazer umas entrevista exclusiva com o Dalai Lama, líder atual da religião budista. Enquanto me dizia essas palavras, seus olhos brilhavam. Não me restaram dúvidas de que foi uma das experiências mais intensas de sua vida. “Foi duplamente interessante, porque fui fazer uma entrevista exclusiva com ele para o jornal O Estado de S. Paulo, então foi uma experiência como jornalista, mas também uma experiência como praticante do budismo. O mais impressionante foi a simplicidade, o calor humano e a doçura dele. Fica muito fácil entender o que é iluminação, o que é superação do ego, no contato direto com uma pessoa assim. Também tive oportunidade de privar com vários outros lamas e mestres budistas, e todos têm em maior ou menos grau, essas mesmas qualidades. Mas ele, sem dúvida, é o mais amoroso, o mais aberto, o mais simples de todos. E sendo também a personalidade mais famosa, o contraste fica ainda mais evidente”.

Sobre o viveiro de mudas da mata atlântica que tem no jardim de sua casa em Ilhabela, ele também se empolga ao falar. O viveiro Viva Floresta, projeto iniciado entre 2009 e 2010 por sua entidade não-governamental e que sustenta projetos sócio-ambientais Ilhabela.org, já conta com 24 mil mudas da mata atlântica prontas para o plantio, de 71 diferentes espécies. As mudas são vendidas para empresas ou doadas para projetos de reflorestamento. A preocupação com o meio-ambiente combinada com o budismo fez com que sua família tivesse uma conscientização um pouco diferente do que se está acostumado a ver. Se aparece um animal dentro da casa - o que ocorre frequentemente, já que a casa fica no topo de um morro, onde só se chega através de uma esburacada estrada de terra, as crianças não correm para matá-lo. Uma barata é capturada pela criança com uma rede e jogada fora de casa, para que possa continuar vivendo em outro ambiente. Já animais mais perigosos, como escorpiões e cobras, são tratados do mesmo modo, mas quem realiza a captura é Ricardo ou Gisela, sua mulher.

Perguntei-lhe então se mudaria algo em sua trajetória, se pudesse. “Eu acho que eu teria falado menos o que eu penso e ouvido mais os outros. Não apenas eu teria muito mais amigos hoje como eu teria tido muito mais sucesso profissional. Quando somos jovens achamos muito importante os outros saberem o que pensamos, e quando vamos ficando mais velho percebemos que é muito mais importante sabermos o que os outros sentem”.

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