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terça-feira, 18 de junho de 2013

Perfil - Camila Prado


Um Estranho no Ninho

Hesitei horas
antes de matar o bicho.
Afinal,
era um bicho como eu,
com direitos,
com deveres.
E, sobretudo,
incapaz de matar um bicho,
como eu.
[Paulo Leminski – 1976]




São 5h40 da manhã. Ele se levanta, veste uma bota de plástico, um casaco e um gorro. A cachorra que estava dormindo no sofá da sala, o recebe com um alegre bom dia. Não lava os olhos, muito menos escova os dentes. Ao abrir a porta de sua casa se depara com outros 4 “bom-dias”  espontâneos e felizes, com muitas lambidas e patadas. Pega sua lanterna e caminham uns 200 metros da sua casa, com os seus fiéis amigos. Olha o sol nascendo entre as montanhas e pensa: “Nada como uma boa noite de sono”.
ORIGENS
As origens de Lincoln Bolivar Sander revela antepassados dispostos a enfrentar desafios de seu tempo.  Seu pai, Gilberto Bolivar Sander nasceu em Teófilo Otoni, uma cidade pacata em Minas Gerais que hoje possui aproximadamente 135.000 habitantes. Filho de Idácio Sander, um descendente de alemães e que trabalhava com café. Gilberto nasceu em 1930 e foi fruto da crise de 29. Lincoln revela que brincava com seu pai: "Poxa pai, você pegou bem a fase pobre". Pode ter herdado a fase pobre, porém a cultura e o hábito da leitura sempre acompanharam a família Sander. Com o objetivo de novas oportunidades, Gilberto mudou com a sua irmã, Clarice Sander, para Curitiba em 1953, para trabalhar no banco. O elegante Beto (assim como era chamado por parentes e amigos próximos) mal sabia que Curitiba mudaria os rumos de sua vida. Sempre boêmio, ele frequentava os bailes que a faculdade Engenharia da Universidade Federal do Paraná organizava. Eram matinês e em uma dessas festas ele conheceu Ruth Sczepanski, uma jovem que vivia em São José dos Pinhais. Ruth conta que foi atração logo no primeiro olhar. Ruth Maria era uma menina de 18 anos que acabara de entrar na faculdade de farmácia da UFPR. O seu objetivo era continuar a farmácia de seu pai José Sczepanski, que não tinha formação, mas a vida inteira havia trabalhado com os remédios. Os jovens começaram a namorar e então noivaram. Ambos desejavam casar apenas quando Ruth terminasse seus estudos. E assim a vida prosseguiu.
A dona Ruth é conhecida pelo seu temperamento forte e ações que mostram uma mulher à frente de seu tempo. Logo que se casou com Beto, ela não quis engravidar para poder começar sua vida. E então Lincoln veio três anos mais tarde daquele dia de 1955 na Igreja Matriz no centro de São José dos Pinhais. Ruth e Gilberto construíram uma casa, também no centro de São José, e abriram duas farmácias.


Um sonho de Infância
As reminiscências de Lincoln revelam uma infância feliz e ativa. Como um filme na década de 1970. Ele andava as ruas sem asfalto de São José com sua bicicleta e na companhia de seu cachorro Billy, um boxe que foi seu fiel companheiro até seus 16 anos. Aos 14 anos ganhou sua primeira moto de seu pai, porém tinha que compensar o presente trabalhando horas na farmácia dos pais. Paralelo a isso, Gilberto e Ruth abriram uma filial da farmácia Sander em Guaratuba, litoral do Paraná. Ele achava muito chato ficar horas atrás do balcão vendo muitos machucados e doentes, porém revela que foi determinante para a formação da sua visão de mundo e personalidade. “Na época eu achava muito chato e não entendia porque meus pais me obrigavam a ficar ali, porém hoje eu agradeço”.
JUVENTUDE 70
A adolescência estava chegando e se sentia diferente naquela escola de padres, a escola Medianeira. Sua irmã Meriane já era nascida. Os anos iam passando e as cobranças também, a idade do vestibular chegou! Seus pais, que se preocupavam com uma futura estabilidade financeira, o incentivavam a prestar Medicina. E então ele ficou durante três anos no cursinho com esse objetivo. No entanto, percebeu que aquilo não era o caminha para a sua felicidade e então mudou o foco. Nessa constante, e intensa, busca por autoconhecimento o direito, a administração de empresas, a geologia e até engenharia mecânica “preencheram” aquele vazio por um ou dois anos, mas Lincoln não se identificou. Seus pais brigavam, mas apoiavam as suas escolhas. Clarice Sander e seu marido Abílio (militar) eram seus tios queridos. A essa altura moravam no Rio de Janeiro e sempre recebiam o sobrinho predileto para passar as férias.

FORA DE CASA
Na constante busca por uma carreira, Lincoln migrou-se para o Rio Grande do Sul para cursar geologia na Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS). Ao meio de cálculos e rochas conheceu Ninon Gindri, uma jovem estudante de nutrição. Foi quando conheceu o amor em sua maior expressão. Apaixonou-se profundamente, como nunca havia antes. Amava intensamente aquela pequena grande mulher. E aos 23 anos decidiu se casar. Mais uma vez seus pais se assustaram com as propostas daquela cabeça sonhadora, semelhante à um quadro/filme surrealista e novamente Gilberto e Ruth apoiaram sua decisão e fizeram uma festa agradável.  A vida cobrava mais responsabilidades, não dava mais para começar cursos universitários e não continuar. Então veio uma ideia/conselho do tio Abílio. A Polícia Federal ia abrir vagas de agentes e para isso era necessário prestar o concurso nacional. Lincoln se inscreveu. O constante incentivo à leitura por parte de seus pais, sempre alimentou a curiosidade no jovem. Os longos anos de cursinho pré-vestibular aliado às faculdades iniciadas garantiram-lhe grandes conhecimentos sobre diversos assuntos.
Sua vaga foi conquistada, ele foi aceito para passar seis meses em Brasília para formação para Agente Federal. Enquanto isso, sua esposa tinha conseguido transferência da UNISINOS para a Universidade Federal do Paraná e esperaria os seis meses morando com Gilberto e Ruth. Lincoln conta que foram duros meses de “perrengue” que teve que aguentar. Ele já tinha 26 anos e ganhava um pequeno salário. Ia pouco até São José dos Pinhas e sentia muita falta do seu grande amor. Mas o “senhor da razão” passou e os duros dias em Brasília haviam terminado. O próximo passo era escolher a delegacia que iria trabalhar. Com muitas opções, a menos distante de seus pais era a delegacia de Santos. E lá foram eles, iriam morar em um pequeno kitnet próximo ao bairro do Gonzaga na carismática cidade praiana.
O encanto foi imediato. E Lincoln, que sempre reclamou sobre a falta de comunicação, devido ao comportamento introspectivo dos curitibanos, se deslumbrou ao estilo de vida dos santistas. O esporte também sempre foi uma paixão intensa, ia de bicicleta na companhia de sua mulher até a praia de Pernambuco no Guarujá. Passavam tardes de sábados e domingos jogando muito frescobol, comendo cachorro quente e tomando banho de mar. Coisas que os vinte e seis anos não podem deixar passar. Porém, as brigas foram surgindo, os desentendimentos também. O casal entrou em uma fase ruim e os instáveis corações juvenis decidiram se separar. Ninon voltou para o Rio Grande do Sul, mais precisamente a Porto Alegre, onde morava sua família. E Lincoln permaneceu em Santos, na companhia de sua vira-lata resgatada na praia do Héden (Guarujá-SP) e muitas paixões efêmeras, que duravam no máximo dois meses.
 Em uma de suas constantes saídas noturnas conheceu a estudante de pedagogia Cristina. Ela, 11 anos mais jovens, se encantou pelos olhos azuis e físico esportivo. Os dois começaram um romance e desse rápido amor nasceu Camila. Ele tinha 35 e ela 24. O amor não foi os de filmes românticos, mas os dois alegam que a paixão trouxe grandes transformações na vida de ambos, um filho. Tudo mudou. Todas as ideias e preocupações. Agora tudo girava em torno de Camila e por isso decidiram se afastar. As desavenças não podiam prejudicar a pequena, e então, quando ela tinha três anos, escolheram o afastamento. Os dois se respeitam e tem uma ótima relação, mas não foi um amor paralisador.
A filha ia crescendo, e Lincoln sempre foi apaixonada pela sua menina. Quando era pequena, levava a “TCHUCA” (apelido carinhoso que deu à menina) para assistir filmes e nunca cansou de dar livros. Era um mimo de todos os lados, a única filha recebia a proteção e preocupação dos avôs, da tia e de todos em volta.
Surgiu um novo desafio, na verdade ele sempre esteve presente na vida de Lincoln como policial. Apesar de amar seu trabalho, sentia muitas decepções na instituição brasileira. Já estava esgotado e ansiava a sua aposentadoria. “O direito está estragando o mundo, ganhei muitos desaforos nos 33 anos de polícia”. Lincoln conta que a gota d’água foi ao prender um argentino que estava passando notas falsas no bairro do Embaré em Santos. O agente realizou todo o processo, preparou o inquérito, deu o flagrante e conseguiu prender o estrangeiro. Dois dias após a apreensão, o argentino foi até a porta da Polícia Federal, no centro de Santos, e disse alguns desaforos querendo mostrar que já estava solto. Sander (como era chamado por seus colegas policiais) se sentiu humilhado e diz que foi o ponto máximo. Dali pra frente contava os dias de sua aposentadoria. Decidiu então retornar ao sul do Brasil. Pediu transferência para Joinville em Santa Catarina, uma cidade tranquila e a 60 quilômetros da querida Guaratuba, aquela da infância. Morou um ano em Joinville e depois se mudou pra Guaratuba. Tinha plantões onde trabalhava 24 horas e folgava 72 horas. Nesse tempo livre sua grande preocupação era andar de bicicleta, correr na praia e ler livros. A aposentadoria chegou. Morou em Guaratuba sete anos, mas seu sonho sempre foi se mudar para um sítio e ficar em contato com a natureza. E então Lincoln comprou uma propriedade em Tijucas do Sul. Com todas essas mudanças, Lincoln reencontrou sua esposa Ninon e os dois voltaram a ficar juntos. Sua filha Camila já tinha sete anos.

A vida campesina
Como Machado de Assis rompeu todos os determinismos de sua vida, Lincoln também foi além. Machado era mulato, epilético, pobre e sem muitas oportunidades se tornou um dos maiores escritores da literatura brasileira. Lincoln teve acesso à cultura, mas se fosse seguir o seu determinismo, talvez hoje fosse médico, advogado ou um riquíssimo engenheiro, no entanto sua alma sempre foi ativa, comunicativa, aberta e aventureira. Desde a sua infância a natureza o fascinava e o chamava, fazendo ficar horas pedalando entre árvores e animais silvestres que ainda existiam na pequena São José dos Pinhais.
“A felicidade pra mim não é ter uma conta um bilhão de reais, eu sou um simples funcionário público, não ganho mal, mas também não sou rico. Uma noite clara, fria e cheia de estrelas vale muito mais que grandes quantias”.
Apaixonado por música. Entre seus ídolos estão Tim Maia, Cazuza, Rolling Stones, Reginaldo Rossi e Arrigo Barnabé. São incontáveis os músicos a quem admira. Passa horas apreciando os mesmos discos que ecoam melodias sintonizadas com seus sentimentos. Isso traz emoções muito fortes para o policial aposentado. Talvez uma vida inteira é lembrada, talvez seja uma aguçada percepção musical. Porém Lincoln se mostra uma pessoa sensitiva, intensa e com algumas dificuldades em aceitar a ignorância, o que lhe provoca alguns transtornos nas pequenas cidades. Exemplo disso é o incomodo que caçadores têm proporcionado na vida de Lincoln. “Isso realmente me faz mal. Estou em grande contato com os veados, macacos e outras espécies silvestres, quando eles [os caçadores] vêm próximo da minha casa para matar essas espécies, eu fico realmente mal. Meu coração dói e conviver com isso todos os domingos não está me fazendo bem. Sinto que é hora de eu procurar outro lugar para morar”. Sem internet, redes sociais e outras tecnologias, Lincoln só procura seu bem-estar interior. “Só quero paz de espírito. Isso que me faz feliz, agora”, ele ressalta. Muitos criticam e julgam seu modo de vida, no entanto, ao conversar olhando naqueles fundos olhos verdes encontram uma pessoa sensitiva, receptiva e intensa, que palavras expressas em uma folha não ousam explicar.










Um comentário:

  1. Bom dia, sou AMIGO de infância do LINCOLN (moto anos 60) de São José dos Pinhais PR, o encontrei há uns anos no centro de São José, ele me disse que se aposentou e mora em uma chamará em TIJICAS DO SUL-PR. Vizinho de São José dos Pinhais preciso contato (41)999864752 👍

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