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domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Vinicius Pessoa


Aventuras e perigos de uma mãe adolescente


Vocês tinham muita pressa para nascer!” – foi como começou meu primeiro encontro com a minha mãe. Ela dizia o tempo todo que era estranho me contar uma história que eu já sabia. Eu argumentava que era preciso, porque eu queria detalhes:  “Eu quero estar lá, na hora de contar para a vovó que você estava grávida de mim”. Minha mãe é, provavelmente, a mais nova mãe dentre as dos meus amigos. Kelly era a adolescente grávida com 14 anos na escola. Hoje, aos 35, com quatro filhos, quatro casamentos – quatro festas e quatro vestidos brancos. Ela não montou uma família comum, mas construiu uma vida baseada na felicidade, palavras dela. Trabalho, família e religião dividem o tempo corrido da gentil moça de olhos simpáticos e receptivos, mas havia uma aparência de cansaço no nosso primeiro encontro. Fomos dar uma volta pela cidade em um horário de almoço do trabalho. E a nossa história começa com o almoço.


“O Junior não comeria esse prato de jeito nenhum (havíamos pedido uma bacalhoada em um restaurante da pacata Cambuí, no sul de Minas) ele odeia peixe. Mas o Cristiano adora. Então, no dia das mães eu fiz umas iscas fritas que olha... foi um presente de Deus, né? (risos) Pena que você foi embora cedo, a conversa estava tão boa. Sabe de uma coisa? Eu adoro quando a gente senta para jogar papo fora e fica até às 4h da manhã no quarto, até eu dormir. É uma delícia. Faz tempo que não fazemos isso. Esse trabalho me cansa e agora você sempre vem com o João. A Ana Luiza vai se dar muito bem por ter um cunhado como ele,  foi muito bom para ela ter com quem brincar e tudo mais. Você sabe que ela tem ciúmes. Gostei do jeito com que ele tratou todo mundo lá em casa. Ele é um amor.”

Todas as vezes que começamos a falar de algo que tratava exclusivamente dela, da vida particular, algo levava às crianças (os quatro filhos) e ao Junior (o atual marido). Então, comecei por mim, já que eu era o primeiro.  É claro que ser uma adolescente grávida não é nada fácil, mas minha mãe teve que enfrentar algumas barreiras para enfrentar a família que, mesmo depois da revolução sexual da década de 1980, não olhava com bons olhos uma garota grávida e solteira.  O Cláudio, o primeiro namorado e, logo depois primeiro marido, se apresentou logo depois de receber a carta tratando da novidade. Já contavam três meses de gravidez, mas ninguém sabia. Como foi esconder por tanto tempo? “Não foi, eu não pensava muito nisso. Daí quando contei para minha mãe que estava atrasada, ela disse para eu fazer o exame na hora, mas meu corpo já estava mudando. Era certeza que você chegaria”. Então, como meu pai chegou bem mais tarde, o casamento foi simples, sem muita cerimônia. Uma jovem de 15 anos estava prestes a se casar. A burocracia para o casamento ficou com os pais da noiva, quem assinou os papeis para a autorização foi meu avô. Era um despeito ao orgulho da família, mas a separação dos pais já havia causado muito escândalo. Então, ser uma adolescente revoltada não era um problema.

Adolescência

“Eu fui uma adolescente feliz. Nunca estive do lado de um grupo só. Meus amigos eram os meninos que levavam droga para a boca de fumo e os irmãos Patrick, que comandavam todas as baladas de Taubaté. Eu vivi a década de 1990 com muito medo da Aids, mas tinha muito Rock bom para ouvir naquela época, muita MPB boa. Os shows sempre foram uma delícia para mim. No começo – quando eu só tinha você – minha mãe ficava numa boa. Você sempre foi o lindinho dela. Não podia ser diferente. Então, seu pai adoeceu, nosso casamento foi anulado e algum tempo depois eu casei com o Cristiano (pai do Cristiano Junior, segundo filho).  Eu já tinha dezoito anos, meus amigos adoravam sair e eu me afastei um pouco para poder cuidar da casa e de vocês. Eu acho que foi aí que eu virei adulta. Não! Eu virei adulta aqui em Minas, depois de bastante tempo. Quando eu me casei com o Cristiano foi uma coisa de momento. Eu estava muito perdida com a doença do seu pai (que faleceu sete anos depois do nosso casamento), completamente incomodada em ainda morar com a minha mãe. O Cristiano foi uma fuga. E daí veio o meu indiozinho. Eu e o Cristiano Júnior vivemos tanta coisa juntos. Penso, às vezes, que ele é a pessoa que melhor me conhece em toda a vida.”

Por que não falar com o Cristiano depois dessa confissão? Bom, o filho de dezessete viveu desde o nascimento com a mãe e já se mudou com ela tantas vezes quanto foi preciso – 25, segundo ele, cinco delas foram de cidade. Eles já moraram em muitos lugares diferentes “no meio de uma Cohab e num apartamento no centro”, contou orgulhosa uma vez, quando terminava de fazer a faxina na casa, junto com todo mundo da família. Ele defende que fez parte do amadurecimento dela. “Nós precisávamos organizar nossa vida financeira.” Antes de irem para Minas, por exemplo, o Cristiano ficava na escolinha o dia todo, ela trabalhava 10 horas por dia para pagar o aluguel, as contas básicas e a mensalidade do hotelzinho. Foi quando isso começou a cansá-la, decidiu ir morar com o pai, que tinha uma nova vida numa pacata cidade mineira. O Vinicius ficou morando com a avó e essa primeira barra foi complicada. Depois de sair da casa do pai, houve uma briga judicial por causa da guarda oficial do filho mais velho, que tinha perdido o pai há pouco tempo e estava com uma pensão gorda no banco.  – Eu não gosto de lembrar essa fase, me sinto culpado por muita coisa que minha mãe passou. Eu sei que não tenho muito a ver com a briga de adultos entre mãe e filha, mas eu era o troféu delas. Essa história foi assustadora de várias formas, mas não sou eu quem conta a pior fase dela.

Depressão

“O pior do ser humano é deixar a essência de criança para trás e viver as aflições do adultismo. Sim, ser adulto é uma doença. Eu morei sozinha com o Cristiano (o término com o Cristiano pai ficou no último parágrafo, escondido nas mudanças de casa, estimado leitor, não confundas mais, que esse Cristiano é o Cristiano Junior. Segundo filho da nossa personagem) e namorava o Wagner (terceiro futuro ex-marido e pai da Ana Luiza) quando descobri que sua avó abriu o pedido de guarda. Disputei a guarda do meu filho com a minha mãe. Soa tão hilário agora, eu acho que não acreditaria se me contassem. Essa batalha durou mais uns quatro anos e não foi justa nem saudável. Serviu para eu ter adultismo e depressão, apenas isso. Nos momentos mais graves da minha depressão, eu tive alucinações. Foi uma época difícil. Eu cobri a parede com fotos suas, você teve uma cama junto do Cristiano no quarto, era tudo pronto e montado para você, porque, para mim, você já morava com a gente. Para o Cristiano foi muito pior. Eu não quis falar com ele, tudo foi você. E, mesmo assim, ele ainda te amou, ele te viu como uma inspiração. Tudo, ou melhor, o pouco que eu fiz para ele, repercutiu num pedido para eu fazer por você também. Ele foi – e é – o meu herói.”

Como terminar esse parágrafo de modo menos intenso e dramático? Nesse momento, vários xingamentos se passavam pela minha cabeça de personagem coadjuvante na história. Eu conheci a casa, o quarto, os portarretratos na parede. Tudo era muito aconchegante, mas eu morava com a minha avó e assim se seguiu até os 28 anos da minha mãe, quando o parágrafo anterior parecia só uma lembrança ruim abandonada no pretérito perfeito. Toda a bagunça do processo já havia acabado e, felizmente, a vida se construía novamente, como criança que monta pacientemente blocos de encaixe só para ver como ele fica bonito pronto. Um dos melhores amigos da minha mãe nessa época foram livros. Textos que nós, acadêmicos, consideramos bobos. Autoajuda é uma companhia ótima para quem sofre de adultismo, porque você se torna mais resistente aos tropeços que a doença provoca. Depois de solucionada a questão judicial, estava na hora do terceiro casamento. Era um momento simbólico, porque foi hora de reunir toda a família para uma festa, celebrando, além da construção de uma nova família, a reconciliação com os parentes distantes.

Família

Antes do casamento, eu tinha discutido com o meu pai e nós não nos falávamos há meses. Até que eu e o Wagner começamos a distribuir os convites e fui até a casa dele convidá-lo e resolver como faríamos para receber primos e tios vindos do Rio de Janeiro. Ele se mostrou muito solicito e me ajudou com a festa. A questão com a minha mãe era mais delicada. Além de me reaproximar dela, eu tinha que te conquistar novamente. Eu sabia que não era sua culpa, mas você me evitava. Foi mais trabalhoso, viajamos à Taubaté para te visitar alguns finais de semana, depois você veio passar uns dias aqui. Até que, no casamento, estavam todos reunidos, como se fossem uma família só. É claro que o clima entre o Sr. Sigmar e a Dona Ivone (os pais da noiva) foi pesado, mas isso é o mínimo esperado deles. Meu casamento com o Wagner foi uma festa que, de fato, celebrava a aproximação das nossas famílias.

E depois de alguns meses casada, eu finalmente cheguei ao pacato estado de Minas para ficar. Foi um momento estratégico, pois dois meses depois, chegou a Ana Luiza. Na verdade, minha mãe engravidou em fevereiro de 2006, eu estava morando com eles desde novembro de 2005. Aconteceu o seguinte: durante os nove meses de gestação, a Ana foi uma menina rebelde e precisou de muito repouso para esperar o tempo certo de vir ao mundo. Enquanto isso, eu e o Cristiano dávamos conta da casa, das contas e do psicológico da minha mãe, que também ficou bem abalado. A pequena nasceu e eu fui o irmão mais velho mais coruja e mais pegajoso já visto. A aproximação entre nós fez minha mãe voltar ao trabalho quando a pequena tinha três meses. Depois de dois anos, com o casamento em crise, a festa tão celebrada no parágrafo anterior findou em um divórcio litigioso, no final das contas, os percalços foram resolvidos com conversas e não muito escândalo.

Eu e o Wagner sempre conversamos muito, mas ele estava com problemas e eu não poderia resolvê-los mais. Tentamos por várias vezes, mas eu mais atrapalhava que ajudava. Preferi me afastar e nos separamos. Não foi tão simples. Nós nos mudamos de cidade, começamos tudo do zero e ainda demorei um tempo para esquecer todos os problemas causados pela separação. Depois de algum tempo, ele voltou a visitar a Ana. Eu nunca neguei isso a nenhum dos dois. Ela é menina e precisa muito da figura paterna, eu sei o quanto o meu pai fez falta durante minha infância e adolescência. Acabou que nos tornamos amigos. Depois de algum tempo, eu me casei com o Júnior e ele começou a namorar a Michele, nós quatro aprendemos a nos respeitar e vivemos em paz. Estava na hora de começar uma família com quem , de fato, queria uma. O meu casamento com o Júnior deu trabalho. Corremos atrás de tanta coisa, mas deu certo. O mais complicado foi convencer seu avô de que ele não entraria comigo na Igreja, mas ele acabou se derretendo como manteiga quando viu vocês três me acompanhando até o altar.

Era hora de começar algo novo, mas antes, havia um nenê esperando nove meses para, mais uma vez, alterar toda a rotina da família. O Murilo, mais novo da turma, chegou em setembro de 2011 e, segundo a nossa personagem promete, encerra o elenco de filhotes. Apesar de não ter nenhum padrão, Kelly garante ter uma família abençoada por Deus e unida. “Meus filhos nunca se trataram como meio-irmãos. Muito pelo contrário, eles brigam muito menos que os filhos das minhas amigas, por exemplo.” Construímos uma relação de respeito e amizade, essa é a fórmula que o Júnior definiu como o segredo do sucesso desse clã maluco.   

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