Aventuras e perigos de uma mãe adolescente
“Vocês tinham muita pressa para nascer!” – foi como começou meu
primeiro encontro com a minha mãe. Ela dizia o tempo todo que era estranho me
contar uma história que eu já sabia. Eu argumentava que era preciso, porque eu
queria detalhes: “Eu quero estar lá, na
hora de contar para a vovó que você estava grávida de mim”. Minha mãe é,
provavelmente, a mais nova mãe dentre as dos meus amigos. Kelly era a
adolescente grávida com 14 anos na escola. Hoje, aos 35, com quatro filhos,
quatro casamentos – quatro festas e quatro vestidos brancos. Ela não montou uma
família comum, mas construiu uma vida baseada na felicidade, palavras dela.
Trabalho, família e religião dividem o tempo corrido da gentil moça de olhos
simpáticos e receptivos, mas havia uma aparência de cansaço no nosso primeiro
encontro. Fomos dar uma volta pela cidade em um horário de almoço do trabalho.
E a nossa história começa com o almoço.
“O Junior não
comeria esse prato de jeito nenhum (havíamos pedido uma bacalhoada em um
restaurante da pacata Cambuí, no sul de Minas) ele odeia peixe. Mas o Cristiano
adora. Então, no dia das mães eu fiz umas iscas fritas que olha... foi um
presente de Deus, né? (risos) Pena que você foi embora cedo, a conversa estava
tão boa. Sabe de uma coisa? Eu adoro quando a gente senta para jogar papo fora
e fica até às 4h da manhã no quarto, até eu dormir. É uma delícia. Faz tempo
que não fazemos isso. Esse trabalho me cansa e agora você sempre vem com o
João. A Ana Luiza vai se dar muito bem por ter um cunhado como ele, foi muito bom para ela ter com quem brincar e
tudo mais. Você sabe que ela tem ciúmes. Gostei do jeito com que ele tratou
todo mundo lá em casa. Ele é um amor.”
Todas as vezes que começamos a falar de algo que tratava
exclusivamente dela, da vida particular, algo levava às crianças (os quatro
filhos) e ao Junior (o atual marido). Então, comecei por mim, já que eu era o
primeiro. É claro que ser uma
adolescente grávida não é nada fácil, mas minha mãe teve que enfrentar algumas
barreiras para enfrentar a família que, mesmo depois da revolução sexual da
década de 1980, não olhava com bons olhos uma garota grávida e solteira. O Cláudio, o primeiro namorado e, logo depois
primeiro marido, se apresentou logo depois de receber a carta tratando da
novidade. Já contavam três meses de gravidez, mas ninguém sabia. Como foi
esconder por tanto tempo? “Não foi, eu não pensava muito nisso. Daí quando
contei para minha mãe que estava atrasada, ela disse para eu fazer o exame na
hora, mas meu corpo já estava mudando. Era certeza que você chegaria”. Então,
como meu pai chegou bem mais tarde, o casamento foi simples, sem muita
cerimônia. Uma jovem de 15 anos estava prestes a se casar. A burocracia para o
casamento ficou com os pais da noiva, quem assinou os papeis para a autorização
foi meu avô. Era um despeito ao orgulho da família, mas a separação dos pais já
havia causado muito escândalo. Então, ser uma adolescente revoltada não era um
problema.
Adolescência
“Eu fui uma
adolescente feliz. Nunca estive do lado de um grupo só. Meus amigos eram os
meninos que levavam droga para a boca de fumo e os irmãos Patrick, que
comandavam todas as baladas de Taubaté. Eu vivi a década de 1990 com muito medo
da Aids, mas tinha muito Rock bom para ouvir naquela época, muita MPB boa. Os
shows sempre foram uma delícia para mim. No começo – quando eu só tinha você – minha
mãe ficava numa boa. Você sempre foi o lindinho dela. Não podia ser diferente.
Então, seu pai adoeceu, nosso casamento foi anulado e algum tempo depois eu
casei com o Cristiano (pai do Cristiano Junior, segundo filho). Eu já tinha dezoito anos, meus amigos
adoravam sair e eu me afastei um pouco para poder cuidar da casa e de vocês. Eu
acho que foi aí que eu virei adulta. Não! Eu virei adulta aqui em Minas, depois
de bastante tempo. Quando eu me casei com o Cristiano foi uma coisa de momento.
Eu estava muito perdida com a doença do seu pai (que faleceu sete anos depois
do nosso casamento), completamente incomodada em ainda morar com a minha mãe. O
Cristiano foi uma fuga. E daí veio o meu indiozinho. Eu e o Cristiano Júnior
vivemos tanta coisa juntos. Penso, às vezes, que ele é a pessoa que melhor me
conhece em toda a vida.”
Por que não falar com o Cristiano depois dessa confissão? Bom, o filho
de dezessete viveu desde o nascimento com a mãe e já se mudou com ela tantas
vezes quanto foi preciso – 25, segundo ele, cinco delas foram de cidade. Eles
já moraram em muitos lugares diferentes “no meio de uma Cohab e num apartamento
no centro”, contou orgulhosa uma vez, quando terminava de fazer a faxina na
casa, junto com todo mundo da família. Ele defende que fez parte do
amadurecimento dela. “Nós precisávamos organizar nossa vida financeira.” Antes
de irem para Minas, por exemplo, o Cristiano ficava na escolinha o dia todo,
ela trabalhava 10 horas por dia para pagar o aluguel, as contas básicas e a
mensalidade do hotelzinho. Foi quando isso começou a cansá-la, decidiu ir morar
com o pai, que tinha uma nova vida numa pacata cidade mineira. O Vinicius ficou
morando com a avó e essa primeira barra foi complicada. Depois de sair da casa
do pai, houve uma briga judicial por causa da guarda oficial do filho mais
velho, que tinha perdido o pai há pouco tempo e estava com uma pensão gorda no banco. – Eu não gosto de lembrar essa fase, me sinto
culpado por muita coisa que minha mãe passou. Eu sei que não tenho muito a ver
com a briga de adultos entre mãe e filha, mas eu era o troféu delas. Essa
história foi assustadora de várias formas, mas não sou eu quem conta a pior
fase dela.
Depressão
“O pior do ser
humano é deixar a essência de criança para trás e viver as aflições do
adultismo. Sim, ser adulto é uma doença. Eu morei sozinha com o Cristiano (o
término com o Cristiano pai ficou no último parágrafo, escondido nas mudanças
de casa, estimado leitor, não confundas mais, que esse Cristiano é o Cristiano
Junior. Segundo filho da nossa personagem) e namorava o Wagner (terceiro futuro
ex-marido e pai da Ana Luiza) quando descobri que sua avó abriu o pedido de
guarda. Disputei a guarda do meu filho com a minha mãe. Soa tão hilário agora,
eu acho que não acreditaria se me contassem. Essa batalha durou mais uns quatro
anos e não foi justa nem saudável. Serviu para eu ter adultismo e depressão,
apenas isso. Nos momentos mais graves da minha depressão, eu tive alucinações.
Foi uma época difícil. Eu cobri a parede com fotos suas, você teve uma cama
junto do Cristiano no quarto, era tudo pronto e montado para você, porque, para
mim, você já morava com a gente. Para o Cristiano foi muito pior. Eu não quis
falar com ele, tudo foi você. E, mesmo assim, ele ainda te amou, ele te viu
como uma inspiração. Tudo, ou melhor, o pouco que eu fiz para ele, repercutiu
num pedido para eu fazer por você também. Ele foi – e é – o meu herói.”
Como terminar esse parágrafo de modo menos intenso e dramático? Nesse
momento, vários xingamentos se passavam pela minha cabeça de personagem
coadjuvante na história. Eu conheci a casa, o quarto, os portarretratos na
parede. Tudo era muito aconchegante, mas eu morava com a minha avó e assim se
seguiu até os 28 anos da minha mãe, quando o parágrafo anterior parecia só uma
lembrança ruim abandonada no pretérito perfeito. Toda a bagunça do processo já
havia acabado e, felizmente, a vida se construía novamente, como criança que
monta pacientemente blocos de encaixe só para ver como ele fica bonito pronto.
Um dos melhores amigos da minha mãe nessa época foram livros. Textos que nós,
acadêmicos, consideramos bobos. Autoajuda é uma companhia ótima para quem sofre
de adultismo, porque você se torna mais resistente aos tropeços que a doença
provoca. Depois de solucionada a questão judicial, estava na hora do terceiro
casamento. Era um momento simbólico, porque foi hora de reunir toda a família
para uma festa, celebrando, além da construção de uma nova família, a
reconciliação com os parentes distantes.
Família
Antes do
casamento, eu tinha discutido com o meu pai e nós não nos falávamos há meses.
Até que eu e o Wagner começamos a distribuir os convites e fui até a casa dele
convidá-lo e resolver como faríamos para receber primos e tios vindos do Rio de
Janeiro. Ele se mostrou muito solicito e me ajudou com a festa. A questão com a
minha mãe era mais delicada. Além de me reaproximar dela, eu tinha que te conquistar
novamente. Eu sabia que não era sua culpa, mas você me evitava. Foi mais
trabalhoso, viajamos à Taubaté para te visitar alguns finais de semana, depois
você veio passar uns dias aqui. Até que, no casamento, estavam todos reunidos,
como se fossem uma família só. É claro que o clima entre o Sr. Sigmar e a Dona
Ivone (os pais da noiva) foi pesado, mas isso é o mínimo esperado deles. Meu
casamento com o Wagner foi uma festa que, de fato, celebrava a aproximação das
nossas famílias.
E depois de alguns meses casada, eu finalmente cheguei ao pacato
estado de Minas para ficar. Foi um momento estratégico, pois dois meses depois,
chegou a Ana Luiza. Na verdade, minha mãe engravidou em fevereiro de 2006, eu
estava morando com eles desde novembro de 2005. Aconteceu o seguinte: durante
os nove meses de gestação, a Ana foi uma menina rebelde e precisou de muito
repouso para esperar o tempo certo de vir ao mundo. Enquanto isso, eu e o
Cristiano dávamos conta da casa, das contas e do psicológico da minha mãe, que
também ficou bem abalado. A pequena nasceu e eu fui o irmão mais velho mais
coruja e mais pegajoso já visto. A aproximação entre nós fez minha mãe voltar
ao trabalho quando a pequena tinha três meses. Depois de dois anos, com o
casamento em crise, a festa tão celebrada no parágrafo anterior findou em um
divórcio litigioso, no final das contas, os percalços foram resolvidos com
conversas e não muito escândalo.
Eu e o Wagner sempre
conversamos muito, mas ele estava com problemas e eu não poderia resolvê-los
mais. Tentamos por várias vezes, mas eu mais atrapalhava que ajudava. Preferi
me afastar e nos separamos. Não foi tão simples. Nós nos mudamos de cidade,
começamos tudo do zero e ainda demorei um tempo para esquecer todos os problemas
causados pela separação. Depois de algum tempo, ele voltou a visitar a Ana. Eu
nunca neguei isso a nenhum dos dois. Ela é menina e precisa muito da figura
paterna, eu sei o quanto o meu pai fez falta durante minha infância e
adolescência. Acabou que nos tornamos amigos. Depois de algum tempo, eu me
casei com o Júnior e ele começou a namorar a Michele, nós quatro aprendemos a
nos respeitar e vivemos em paz. Estava na hora de começar uma família com quem
, de fato, queria uma. O meu casamento com o Júnior deu trabalho. Corremos
atrás de tanta coisa, mas deu certo. O mais complicado foi convencer seu avô de
que ele não entraria comigo na Igreja, mas ele acabou se derretendo como
manteiga quando viu vocês três me acompanhando até o altar.
Era hora de começar algo novo, mas antes, havia um nenê esperando nove
meses para, mais uma vez, alterar toda a rotina da família. O Murilo, mais novo
da turma, chegou em setembro de 2011 e, segundo a nossa personagem promete,
encerra o elenco de filhotes. Apesar de não ter nenhum padrão, Kelly garante
ter uma família abençoada por Deus e unida. “Meus filhos nunca se trataram como
meio-irmãos. Muito pelo contrário, eles brigam muito menos que os filhos das
minhas amigas, por exemplo.” Construímos uma relação de respeito e amizade,
essa é a fórmula que o Júnior definiu como o segredo do sucesso desse clã maluco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário