Repórter
de campanha
O
lado mãe e o instinto profissional colocados à prova em uma guerra diária
“Eu já estava no lugar da
coletiva quando fui chamada por um telefone interno do presidente do Tribunal
de Justiça de São Paulo, e ele disse: ‘São 111, pode dar’. Eu confiei e, no
meio de toda a imprensa, com o Pedro (Secretário de Segurança Pública) entrando
no local, eu fui para o ar. ‘A Jovem Pan confirma: são 111 mortos na Casa de
Detenção. E o secretário abriu a coletiva com esse dado”. E assim Izilda Alves
conseguiu um furo de reportagem em um dos eventos mais marcantes da recente
história brasileira: o massacre do Carandiru, no dia 2 de outubro de 1992.
A repórter apenas começava a
sua carreira na Rádio Jovem Pan, na qual ainda era redatora antes do fatídico
dia. O privilégio, no entanto, não foi por acaso. Antes do telefonema confidencial,
Izilda Alves já havia conquistado uma gama de contatos importantes da área em
reportagens anteriores. Antes de chegar ao rádio, a jornalista já havia passado
pela Folha de S.Paulo, Estado e Isto É. Na revista, ela ficou encarregada de
matérias especiais que investigavam denúncias que chegavam à redação, o que foi
determinante para o sucesso posterior.
Em suas reportagens, Izilda
passou a ter contato com corregedores da Justiça e com outros homens influentes
nos presídios paulistanos. As entrevistas rotineiras acabaram por trilhar boa
parte de sua carreira. Além dos veículos já citados, a jornalista também tinha
sua própria revista, criada ao lado do marido, voltada para a área de Saúde. A
repórter vivia em uma situação instável, mas uma decisão em Brasília acabou causando
uma reviravolta. Fernando Collor de Mello, presidente eleito há pouco tempo,
havia bloqueado todas as contas bancárias. Sendo assim, os fundos do casal
foram perdidos. Era preciso buscar um novo meio de vida.
*****
As experiências nas redações também
trouxeram contatos com bons profissionais da área, como Maria Elisa Porchat,
que iria ajudá-la neste recomeço. A apresentadora da Rádio Jovem Pan precisava
de uma redatora para o seu programa, também relacionado às pautas sobre Saúde.
Izilda Alves foi a escolhida para o cargo e logo foi apresentada ao que
tornaria sua segunda casa: a redação da Rádio Jovem Pan, localizada no 24º
andar do edifício Winston Churchill, nº 807, da Avenida Paulista. Há mais de 20
anos, a jornalista começava sua caminhada na empresa de “Seu Tuta”. Os anos, no
entanto, não impedem Izilda de lembrar os seus primeiros passos.
A então redatora não tinha
muito tempo de casa, mas estava diante de um dos dias mais movimentados da
redação. Os repórteres inquietos mal sabiam o que realmente estava acontecendo,
mas o fato era que a imponente Casa de Detenção do Carandiru passava por uma
rebelião. “Eu estava na redação atrás de uma entrevista, vi a movimentação e
resolvi ajudar”. Uma das características marcantes de Izilda logo ficou
escancarada: a jornalista nunca deixou de ser prestativa. “Eu aprendi o
seguinte: se tinha uma rebelião dentro da cadeia, ligue para dentro da cadeia,
porque alguém vai atender e te contar o que está acontecendo”.
Izilda seguiu o manual de instrução
e ligou para o Carandiru, conseguiu falar com um corregedor de Justiça que
estava no local e logo ficou sabendo que a situação era dramática. Como boa
jornalista, foi checar com outra fonte, um representante do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, que também confirmou o drama. Em meio a informações
desencontradas, algo era certo: o sistema carcerário da Casa de Detenção havia
perdido o controle e a rebelião tinha ganhado proporções jamais vistas. Era
difícil saber se aquilo teria um final.
“Era cinco para às sete (19h),
a Voz do Brasil iria entrar no ar, o governador (Luiz Antônio Fleury Filho) foi
na televisão e disse que já tinha acabado. Eu fui falar com o Zé Pereira
(vice-presidente da Jovem Pan), pois sabia que não tinha. Ele falou para eu entrar
no ar e dar a notícia”. Izilda não era a responsável pelo caso, por isso foi
embora para a casa e deixou a cobertura para os repórteres envolvidos. “Passei
isso para frente e fui para minha casa, porque não era repórter. Eles já tinham
uma equipe. Mas o Zé Pereira me ligou, dizendo que já se falava em 50 mortos e
eu ia continuar cobrindo”.
Era final de dia, a luz foi
cortada, mal se enxergava alguma coisa dentro do Carandiru, mas a Tropa de
Choque entrou. “Passei a madrugada inteira chegando e eu entrei no ar, logo de
manhã, dizendo que eram 50 mortos, enquanto os dados oficiais davam três ou
cinco”. Os presos saíram das celas e se perderam pelos estreitos corredores do
presídio, os policiais entraram e atiraram no que viam pela frente. A repórter,
que entrou na Casa de Detenção no dia seguinte, não teve dúvidas sobre o
episódio: “Houve uma guerra lá dentro. Imagina você indo para uma guerra, em um
lugar escuro, sem saber o que vai acontecer, e seu inimigo conhecendo todo o
local”.
Izilda acabou se tornando
repórter da Jovem Pan e passou a cobrir todas as rebeliões que aconteciam em
presídios. Depois de conhecer os homens mais influentes da Justiça de São
Paulo, chegava ao local e dificilmente recebia um ‘não’. “Eu descia antes,
chegava a pé e citava os nomes de quem estava lá dentro. Dizia que era
‘secretária de fulano’ e eles não me barravam. Certa vez, eu entrei no presídio
e o juiz quase me prendeu quando ficou sabendo que eu usei o nome dele, o
diretor queria me expulsar, mas eu disse que seria pior. Eles acataram a ideia
e eu cobri com exclusividade”.
“A detenção toda tomada, os
líderes da rebelião reivindicando, pedindo imprensa e eu estava lá dentro. O
juiz falou que estava com imprensa, os bandidos não acreditaram e perguntaram:
‘cadê a máquina?’. Eu pedi a palavra e disse que tinha a oportunidade de
colocar o líder, ao vivo, para todo o Estado de São Paulo. O juiz começou a
tremer, o diretor também, mas eu liguei para a redação e consegui colocar o
líder da rebelião, amenizando a situação”.
Neste mesmo dia, Izilda viveu algo
peculiar. Com a situação mais tranquila, toda a imprensa entrou, mas a repórter
da Jovem Pan voltou a ser chamada individualmente. “Depois do que aconteceu,
uma pessoa que trabalhava no local me chamou e disse que um grupo queria falar
comigo no canto. Eu vi que todo mundo estava lá, pensei bem e fui falar com os
presos. No máximo, eles poderiam me fazer de refém, mas, com a imprensa e os
policiais no local, eu achei que isso não ia acontecer. Cheguei para falar com
eles e um cara me disse: Ô Dona, é o seguinte, a gente queria ficar com seu
telefone, porque, na próxima, a gente liga direto para a senhora”.
*****
Determinada e, principalmente,
prestativa, Izilda não demorou a ganhar espaço na reportagem da Jovem Pan. Durante
uma conversa descontraída em uma cafeteria da Avenida Paulista, na qual a
jornalista contou os principais acontecimentos de sua carreira, a repórter
deixou evidente sua preocupação em ajudar os outros. Em duas horas, o celular
da repórter não parou de tocar, mas não era em relação a seu trabalho. Seu
condomínio passava por problemas de falta de gás e coube à Izilda a tarefa de
resolver a situação. Desta forma, entre telefones de morador, síndico e
assessoria da Comgás, ela ainda relembrava os momentos marcantes pelos quais
passou.
Na redação também nunca foi
diferente. A repórter deixa o ambiente agitado, pois sempre está ligada no que
de mais importante acontece em São Paulo. O reconhecimento de seus colegas é
inevitável. Todos na Jovem Pan sabem que Izilda é uma pessoa determinada e
gosta de fazer o bom jornalismo, aquele que pensa no bem comum, o mais humano
possível. Desta forma, a repórter também virou chefe de reportagem e, até os
dias atuais, entoa o seu tradicional “ô belo” para distribuir as tarefas para
seus companheiros. Em 2002, recebeu um desafio que mudaria a sua vida: a
Campanha Jovem Pan pela vida contra as drogas. Um projeto que passou a levar
profissionais de saúde e ex-dependentes químicos para palestrar em escolas do
estado de São Paulo.
A ideia partiu de Antônio
Augusto Amaral de Carvalho, o ‘Seu Tuta’, presidente da Rádio Jovem Pan,
impressionado com o crescimento do uso de drogas no estado de São Paulo. Para
conseguir dar o pontapé inicial, Izilda contou com a ajuda do psiquiatra Pablo
Roig, especialista no tratamento de dependentes. Responsável por cuidar de
personalidades de destaque, o médico disponibilizou sua equipe para acompanhar
a jornalista em todas as escolas. Se o intuito era fazer palestras semanais, a
demanda fez com que a jornalista passasse a atender professores e alunos duas
vezes ao dia. Em novembro de 2002, a campanha já tinha agenda cheia para 2003.
“Quando nós divulgamos na
rádio, a redação parou. Todos estavam ligando para saber o que tinha que ser
feito para participar da campanha”. O sucesso repentino perdura até os dias
atuais. A agenda de Izilda Alves continua cheia e os telefonemas também não
pararam. Basta um dia na redação Jovem Pan para reconhecer como a repórter é
solicitada em seu cotidiano. Entre uma edição, um texto ou uma rápida conversa
com seus colegas, Izilda também atende médicos, professores, diretores das
escolas e mães de dependentes. O assunto nem precisa ser citado, mas a
jornalista trata cada telefonema como único.
A atenção de Izilda do outro
lado da linha chega a ser invejável. Com profissionalismo, a jornalista encaixa
algumas escolas em suas agendas, fazendo o possível para atender as
solicitações. Em um telefonema de uma mãe desesperada por causa da dependência
de seu filho, a prestação de serviço da repórter dá lugar ao semblante de uma
mãe que parece estar compartilhando do sofrimento alheio. O reconhecimento é e
a preocupação é rotineira. A campanha já recebeu 20 prêmios e também foi
homenageada no Congresso Nacional.
O agitado dia a dia
profissional, no entanto, não impede que Izilda também dê atenção ao lado
pessoal. Das várias ligações que faz ou recebe, algumas merecem mais atenção. A
repórter não deixa de falar com sua família, procurando saber se está tudo em
ordem. Durante a conversa na cafeteria, por exemplo, a jornalista ligou para o
filho apenas para tomar conhecimento sobre a sua rotina. Cada momento com seus
familiares é valorizado, já que a vida de um jornalista é atribulada - em 2012,
a repórter passou o Dia das Mães na redação da Jovem Pan, já que era seu
plantão como chefe de reportagem.
*****
O contato com mais de 450 mil
estudantes, ao longo das 47 cidades que visitou, fez com que Izilda formasse
uma opinião clara em relação a um dos assuntos mais debatidos na atual
sociedade. Questionada sobre a legalização da maconha, a repórter, com tom de
seriedade, respondeu que é contra, já que o Brasil não teria estrutura para
arcar com as sequências. A vivência neste meio fez a jornalista presenciar
casos em que, mesmo com a presença das autoridades de mais alto patente do
Estado de São Paulo, a internação em clínicas especializadas havia se tornado
uma verdadeira missão impossível. Ao relatar os episódios, Izilda deixa claro
que algo a sufoca por dentro, talvez a dificuldade em ajudar os outros ou a
cruel realidade que enfrenta no dia-a-dia.
Sem medo de explanar seu
pensamento, a jornalista acredita que a solução para o problema aparentemente
crônico em nosso cotidiano é simples: “Falta vontade política”. Izilda acredita
que o problema brasileiro é estrutural e o pontapé inicial é a educação, já que
as escolas do país são tratadas como “depósitos”. Ao expor suas opiniões, a
repórter mostra um tom de voz incisivo, passando total credibilidade de uma
mulher que passou os últimos dez anos de sua vida dedicada em ajudar ao
próximo. A dupla função de seguir com a campanha e chefiar a redação fez Izilda
unir suas funções na síntese do jornalismo: servir.
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