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domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Yan Resende

Repórter de campanha

O lado mãe e o instinto profissional colocados à prova em uma guerra diária

“Eu já estava no lugar da coletiva quando fui chamada por um telefone interno do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, e ele disse: ‘São 111, pode dar’. Eu confiei e, no meio de toda a imprensa, com o Pedro (Secretário de Segurança Pública) entrando no local, eu fui para o ar. ‘A Jovem Pan confirma: são 111 mortos na Casa de Detenção. E o secretário abriu a coletiva com esse dado”. E assim Izilda Alves conseguiu um furo de reportagem em um dos eventos mais marcantes da recente história brasileira: o massacre do Carandiru, no dia 2 de outubro de 1992.
A repórter apenas começava a sua carreira na Rádio Jovem Pan, na qual ainda era redatora antes do fatídico dia. O privilégio, no entanto, não foi por acaso. Antes do telefonema confidencial, Izilda Alves já havia conquistado uma gama de contatos importantes da área em reportagens anteriores. Antes de chegar ao rádio, a jornalista já havia passado pela Folha de S.Paulo, Estado e Isto É. Na revista, ela ficou encarregada de matérias especiais que investigavam denúncias que chegavam à redação, o que foi determinante para o sucesso posterior.
Em suas reportagens, Izilda passou a ter contato com corregedores da Justiça e com outros homens influentes nos presídios paulistanos. As entrevistas rotineiras acabaram por trilhar boa parte de sua carreira. Além dos veículos já citados, a jornalista também tinha sua própria revista, criada ao lado do marido, voltada para a área de Saúde. A repórter vivia em uma situação instável, mas uma decisão em Brasília acabou causando uma reviravolta. Fernando Collor de Mello, presidente eleito há pouco tempo, havia bloqueado todas as contas bancárias. Sendo assim, os fundos do casal foram perdidos. Era preciso buscar um novo meio de vida.

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As experiências nas redações também trouxeram contatos com bons profissionais da área, como Maria Elisa Porchat, que iria ajudá-la neste recomeço. A apresentadora da Rádio Jovem Pan precisava de uma redatora para o seu programa, também relacionado às pautas sobre Saúde. Izilda Alves foi a escolhida para o cargo e logo foi apresentada ao que tornaria sua segunda casa: a redação da Rádio Jovem Pan, localizada no 24º andar do edifício Winston Churchill, nº 807, da Avenida Paulista. Há mais de 20 anos, a jornalista começava sua caminhada na empresa de “Seu Tuta”. Os anos, no entanto, não impedem Izilda de lembrar os seus primeiros passos.
A então redatora não tinha muito tempo de casa, mas estava diante de um dos dias mais movimentados da redação. Os repórteres inquietos mal sabiam o que realmente estava acontecendo, mas o fato era que a imponente Casa de Detenção do Carandiru passava por uma rebelião. “Eu estava na redação atrás de uma entrevista, vi a movimentação e resolvi ajudar”. Uma das características marcantes de Izilda logo ficou escancarada: a jornalista nunca deixou de ser prestativa. “Eu aprendi o seguinte: se tinha uma rebelião dentro da cadeia, ligue para dentro da cadeia, porque alguém vai atender e te contar o que está acontecendo”.
Izilda seguiu o manual de instrução e ligou para o Carandiru, conseguiu falar com um corregedor de Justiça que estava no local e logo ficou sabendo que a situação era dramática. Como boa jornalista, foi checar com outra fonte, um representante do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que também confirmou o drama. Em meio a informações desencontradas, algo era certo: o sistema carcerário da Casa de Detenção havia perdido o controle e a rebelião tinha ganhado proporções jamais vistas. Era difícil saber se aquilo teria um final.
“Era cinco para às sete (19h), a Voz do Brasil iria entrar no ar, o governador (Luiz Antônio Fleury Filho) foi na televisão e disse que já tinha acabado. Eu fui falar com o Zé Pereira (vice-presidente da Jovem Pan), pois sabia que não tinha. Ele falou para eu entrar no ar e dar a notícia”. Izilda não era a responsável pelo caso, por isso foi embora para a casa e deixou a cobertura para os repórteres envolvidos. “Passei isso para frente e fui para minha casa, porque não era repórter. Eles já tinham uma equipe. Mas o Zé Pereira me ligou, dizendo que já se falava em 50 mortos e eu ia continuar cobrindo”.
Era final de dia, a luz foi cortada, mal se enxergava alguma coisa dentro do Carandiru, mas a Tropa de Choque entrou. “Passei a madrugada inteira chegando e eu entrei no ar, logo de manhã, dizendo que eram 50 mortos, enquanto os dados oficiais davam três ou cinco”. Os presos saíram das celas e se perderam pelos estreitos corredores do presídio, os policiais entraram e atiraram no que viam pela frente. A repórter, que entrou na Casa de Detenção no dia seguinte, não teve dúvidas sobre o episódio: “Houve uma guerra lá dentro. Imagina você indo para uma guerra, em um lugar escuro, sem saber o que vai acontecer, e seu inimigo conhecendo todo o local”.
Izilda acabou se tornando repórter da Jovem Pan e passou a cobrir todas as rebeliões que aconteciam em presídios. Depois de conhecer os homens mais influentes da Justiça de São Paulo, chegava ao local e dificilmente recebia um ‘não’. “Eu descia antes, chegava a pé e citava os nomes de quem estava lá dentro. Dizia que era ‘secretária de fulano’ e eles não me barravam. Certa vez, eu entrei no presídio e o juiz quase me prendeu quando ficou sabendo que eu usei o nome dele, o diretor queria me expulsar, mas eu disse que seria pior. Eles acataram a ideia e eu cobri com exclusividade”.
“A detenção toda tomada, os líderes da rebelião reivindicando, pedindo imprensa e eu estava lá dentro. O juiz falou que estava com imprensa, os bandidos não acreditaram e perguntaram: ‘cadê a máquina?’. Eu pedi a palavra e disse que tinha a oportunidade de colocar o líder, ao vivo, para todo o Estado de São Paulo. O juiz começou a tremer, o diretor também, mas eu liguei para a redação e consegui colocar o líder da rebelião, amenizando a situação”.
Neste mesmo dia, Izilda viveu algo peculiar. Com a situação mais tranquila, toda a imprensa entrou, mas a repórter da Jovem Pan voltou a ser chamada individualmente. “Depois do que aconteceu, uma pessoa que trabalhava no local me chamou e disse que um grupo queria falar comigo no canto. Eu vi que todo mundo estava lá, pensei bem e fui falar com os presos. No máximo, eles poderiam me fazer de refém, mas, com a imprensa e os policiais no local, eu achei que isso não ia acontecer. Cheguei para falar com eles e um cara me disse: Ô Dona, é o seguinte, a gente queria ficar com seu telefone, porque, na próxima, a gente liga direto para a senhora”.
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Determinada e, principalmente, prestativa, Izilda não demorou a ganhar espaço na reportagem da Jovem Pan. Durante uma conversa descontraída em uma cafeteria da Avenida Paulista, na qual a jornalista contou os principais acontecimentos de sua carreira, a repórter deixou evidente sua preocupação em ajudar os outros. Em duas horas, o celular da repórter não parou de tocar, mas não era em relação a seu trabalho. Seu condomínio passava por problemas de falta de gás e coube à Izilda a tarefa de resolver a situação. Desta forma, entre telefones de morador, síndico e assessoria da Comgás, ela ainda relembrava os momentos marcantes pelos quais passou.
Na redação também nunca foi diferente. A repórter deixa o ambiente agitado, pois sempre está ligada no que de mais importante acontece em São Paulo. O reconhecimento de seus colegas é inevitável. Todos na Jovem Pan sabem que Izilda é uma pessoa determinada e gosta de fazer o bom jornalismo, aquele que pensa no bem comum, o mais humano possível. Desta forma, a repórter também virou chefe de reportagem e, até os dias atuais, entoa o seu tradicional “ô belo” para distribuir as tarefas para seus companheiros. Em 2002, recebeu um desafio que mudaria a sua vida: a Campanha Jovem Pan pela vida contra as drogas. Um projeto que passou a levar profissionais de saúde e ex-dependentes químicos para palestrar em escolas do estado de São Paulo.
A ideia partiu de Antônio Augusto Amaral de Carvalho, o ‘Seu Tuta’, presidente da Rádio Jovem Pan, impressionado com o crescimento do uso de drogas no estado de São Paulo. Para conseguir dar o pontapé inicial, Izilda contou com a ajuda do psiquiatra Pablo Roig, especialista no tratamento de dependentes. Responsável por cuidar de personalidades de destaque, o médico disponibilizou sua equipe para acompanhar a jornalista em todas as escolas. Se o intuito era fazer palestras semanais, a demanda fez com que a jornalista passasse a atender professores e alunos duas vezes ao dia. Em novembro de 2002, a campanha já tinha agenda cheia para 2003.
“Quando nós divulgamos na rádio, a redação parou. Todos estavam ligando para saber o que tinha que ser feito para participar da campanha”. O sucesso repentino perdura até os dias atuais. A agenda de Izilda Alves continua cheia e os telefonemas também não pararam. Basta um dia na redação Jovem Pan para reconhecer como a repórter é solicitada em seu cotidiano. Entre uma edição, um texto ou uma rápida conversa com seus colegas, Izilda também atende médicos, professores, diretores das escolas e mães de dependentes. O assunto nem precisa ser citado, mas a jornalista trata cada telefonema como único.
A atenção de Izilda do outro lado da linha chega a ser invejável. Com profissionalismo, a jornalista encaixa algumas escolas em suas agendas, fazendo o possível para atender as solicitações. Em um telefonema de uma mãe desesperada por causa da dependência de seu filho, a prestação de serviço da repórter dá lugar ao semblante de uma mãe que parece estar compartilhando do sofrimento alheio. O reconhecimento é e a preocupação é rotineira. A campanha já recebeu 20 prêmios e também foi homenageada no Congresso Nacional.
O agitado dia a dia profissional, no entanto, não impede que Izilda também dê atenção ao lado pessoal. Das várias ligações que faz ou recebe, algumas merecem mais atenção. A repórter não deixa de falar com sua família, procurando saber se está tudo em ordem. Durante a conversa na cafeteria, por exemplo, a jornalista ligou para o filho apenas para tomar conhecimento sobre a sua rotina. Cada momento com seus familiares é valorizado, já que a vida de um jornalista é atribulada - em 2012, a repórter passou o Dia das Mães na redação da Jovem Pan, já que era seu plantão como chefe de reportagem.
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O contato com mais de 450 mil estudantes, ao longo das 47 cidades que visitou, fez com que Izilda formasse uma opinião clara em relação a um dos assuntos mais debatidos na atual sociedade. Questionada sobre a legalização da maconha, a repórter, com tom de seriedade, respondeu que é contra, já que o Brasil não teria estrutura para arcar com as sequências. A vivência neste meio fez a jornalista presenciar casos em que, mesmo com a presença das autoridades de mais alto patente do Estado de São Paulo, a internação em clínicas especializadas havia se tornado uma verdadeira missão impossível. Ao relatar os episódios, Izilda deixa claro que algo a sufoca por dentro, talvez a dificuldade em ajudar os outros ou a cruel realidade que enfrenta no dia-a-dia.
Sem medo de explanar seu pensamento, a jornalista acredita que a solução para o problema aparentemente crônico em nosso cotidiano é simples: “Falta vontade política”. Izilda acredita que o problema brasileiro é estrutural e o pontapé inicial é a educação, já que as escolas do país são tratadas como “depósitos”. Ao expor suas opiniões, a repórter mostra um tom de voz incisivo, passando total credibilidade de uma mulher que passou os últimos dez anos de sua vida dedicada em ajudar ao próximo. A dupla função de seguir com a campanha e chefiar a redação fez Izilda unir suas funções na síntese do jornalismo: servir. 

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