Do
Pink ao Punk
Metamorfose é
uma boa palavra para descrever o que Carolina Faria passou nos últimos dois
anos. Não, Carol nunca virou barata, mas sua história é digna de um livro de
Kafka. Aos 11 anos, Carol difere da maioria das garotas de sua idade e acabou
influenciando seu grupo de amigas, que mudaram com ela. Para conhecer melhor
essa paulista de corpo e alma, é preciso retroceder até seu nascimento.
Ana Lúcia, mãe de Carolina, é portadora de uma
doença crônica – retrocolite ulcerativa- e tomava medicamentos teratogênicos (que
podem causar danos ao feto). Ana ficou grávida, mas só descobriu aos dois meses
de gestação e durante esse tempo, não interrompeu o uso do medicamento. A
princípio, a notícia de sua chegada foi muito comemorada por sua família,
principalmente por sua irmã, que sendo filha única por oito anos, estava
ansiosa por companhia. Toda a alegria e euforia sofreram um baque, logo no primeiro
ultrassom: uma mancha na- quase imperceptível- cabeça da Carol. Os próximos
meses de gestação foram um misto de preocupação e incerteza, a cada consulta, o
quadro mudava: primeiro, havia a possibilidade de aborto, depois a
possibilidade de que os membros não se desenvolvessem, ou que não fossem
funcionais e assim por diante. Ana Lúcia, muito devota de São Judas Tadeu, fez
uma promessa ao Santo: se o bebê nascesse saudável, seria batizado na Igreja de
São Judas, no Jabaquara.
A preocupação de
Ana e de toda a família só acabou ao ouvir o primeiro choro e ter certeza de
que aquele bebê (“lindo!”) estava totalmente saudável. Um verdadeiro milagre, que desafiou todas as
expectativas médicas. Alguns meses
depois, Carolina foi batizada na Igreja de São Judas, conforme prometido.
Ela só ficou
sabendo de sua aventura pela vida recentemente, e se diz traumatizada: “Se não
fosse um milagre, eu poderia não estar aqui hoje. É meio aterrorizante pensar
que você quase não nasceu”.
O começo de sua
história era só uma prévia do que viria pela frente, Carol foi um bebê muito
agitado. Ana conta que em seu aniversário de 10 meses, se jogou do cadeirão do
restaurante e luxou o dedão: “Tiramos uma foto dela com o dedinho enfaixado
fazendo sinal de joia. Achamos melhor registrar o momento, porque a gente sabia
que o gesso não ia durar muito”, Dito e feito, 5 minutos depois a mão já estava
livre. Carol diz que, desde pequena, gosta da sensação de perigo de
experimentar a adrenalina.
Quando criança,
Carolina era “elétrica”- como se autodefine. Conta que em seu quarto tinha uma
rede de balanço, na qual gostava de se pendurar para subir na parede. Quando sua
mãe a pegou pendurada na parede, decidiu colocá-la nas aulas de ginástica
olímpica “para ver se ela gastava sua energia em atividades controladas”. Carol
adorou a possiblidade de fazer ginástica olímpica e depois passou a fazer dança
criativa também. Conta que as aulas também eram frequentadas por suas amigas e
a professora era ótima. Era um dos poucos momentos em que podia se exercitar,
soltar toda a energia que acumulava durante o dia e se expressar através do
corpo. Confessa que tem andado “meio parada” devido à sua rotina escolar –
afinal, o sexto ano não é (só) brincadeira.
Andando com ela
na rua, os olhares se voltam para ela. Não é comum ver meninas da sua idade com
suas roupas. Bota preta com tachas, meia 7/8, saia de Poá, camiseta manchada,
cinto de tachas, casaco preto de renda, colar de tampinhas de garrafas – que
ela mesma fez, com sua própria pistola de cola quente. Para escolher essa roupa, Carol levou em
consideração como estava se sentindo no dia, a temperatura e a claridade, tudo
isso, é claro, tem que combinar com seu estilo “alternativo e rock”. Ela
considera muito importante a imagem que a roupa passa para as pessoas, segundo
ela, pretende passar uma imagem de “liberdade, diferença e rock”.
Toda essa
rebeldia se destaca ainda mais em contraste com seu rosto delicado. Suas
bochechas rosadas lembram a de um bebê (embora ela deteste esse tipo de
comparação) e seus olhos azuis são doces e incrivelmente cativantes - traços
típicos de quem passa por essa fase de transição, a famigerada pré-adolescência.
O rock’n roll dentro dela se comprime em um metro e meio – pouca altura para
tanta maturidade.
Passou a se vestir
assim mais ou menos na metade do ano passado. Define que passou por várias
fases de estilo. “Quando era menor” adorava rosa, gostava de se enfeitar
bastante, tinha um estilo misto entre patricinha e perua. Até metade do ano passado, se define como
desleixada, afirma que não cuidava muito de sua aparência e não se preocupava
muito com suas roupas. Recentemente, percebeu que precisava cuidar dela e de
sua aparência, hoje escolhe a roupa com um dia de antecedência e gosta de se
arrumar.
Afirma que não
se inspirou em ninguém em especial para mudar seu estilo, e quando essa mudança
ocorreu suas amigas ainda se vestiam como as “meninas normais de 11 anos se
vestem”. Admite que influenciou as amigas, não só em questão de roupa, mas em
outros gostos também.
Ela acredita que
apesar de suas amigas terem seguido seu estilo, elas mantiveram um pouco de si
próprias. Considera isso um ponto positivo e não se incomoda com a ‘cópia das
amigas’. Acha que cada um deve ser expressar a sua maneira, seja por meio de
livros, roupas, músicas ou gostos em geral. “Rosa não me representa, mas se representar outra pessoa e ela se
sentir bem, ótimo!”, Carol afirma que cor não determina estilo.
Gosta de rock
nacional e internacional. Cazuza, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial,
Beatles, Queen, Rolling Stones estão em sua playlist. Apesar de esses músicos
não serem de sua época, Carolina os conheceu através de sua mãe e sua irmã, que
sempre escutaram essas bandas.
Gosta de ler
clássicos como Alice no País das Maravilhas, O Conde de Monte Cristo, Hamlet,
Shakespeare em geral. Em sua estante pude encontrar livros de história, de
moda, de bibliografias de artistas, poetas e poesias.
História é sua
matéria preferida na escola, não só por causa da matéria em si, mas também
devido ao professor. Gosta de Português e apesar de ter um pouco de
dificuldade, adora escrever. Além disso, é boa em contas e adora fazer
experiências nas aulas de ciências.
Um de seus
hobbies é escrever contos, tanto histórias que poderiam acontecer, quanto
surreais. Gosta de criar nas redações e ter liberdade para escrever o que quiser.
“A escrita é uma forma de sair da rotina, uma fuga da realidade, uma forma de
se expressar por meio de um texto”.
Também escreve músicas, a maioria delas é sobre sua vida e seus
sentimentos. Segundo ela, algumas ficam bobas, mas outras falam por si só. Declara
que não pretende seguir uma carreira de cantora, mas cantar “por aí”, já é
outra história.
Estávamos
tomando café da manhã em uma casa de chás, perto do apartamento de Carolina.
Nossa conversa foi interrompida pela chegada do nosso pedido: chá inglês, suco
de laranja, pães de queijo e waflles acompanhado de frutas e mel. “Tem coisa
melhor do que waflles? Acho que não!”.
Além de waflles,
Carolina adora comida ‘trash’ como hambúrgueres e tortas, e confessa que é fanática
por bacon. Também encara comidas saudáveis, tipo saladas, mas a única coisa que
não come de jeito nenhum é cebola “é tipo venenoso, repugnante, simplesmente
não consigo”. Além de comer, Carol também gostar de cozinhar, principalmente
para sua família. Seu único protesto é que a mãe não a deixa ficar sozinha na
cozinha. Adora fazer sobremesas, principalmente brigadeiro. Carol tem
curiosidade de saber como seria curso de gastronomia, principalmente para
aprender a fazer mais pratos salgados. Seus temperos preferidos são os fortes e
picantes da culinária indiana.
Quer ser
jornalista, não só por influencia da irmã, mas também por adorar escrever,
pensa que é um jeito de trabalhar com algo que gosta. Como ela havia dito que a
escrita era uma fuga da rotina, a questionei sobre o fato de profissão ser
rotina, se ela se tornasse jornalista, escrever seria a rotina dela. Ela
respondeu: “Tudo bem, seria uma rotina mais interessante”. Já havia pensado em seguir os passos da mãe,
queria ser professora de farmacologia, mas agora, já não pensa mais.
Carol é usuária
assídua de internet e tem perfis no Facebook, Twitter e Tumblr. Acha que as
pessoas exageram nas mídias sociais ao tentar agradar a todos e passar uma
determinada imagem e acabam deixando de ser elas mesmas- faz uma pausa para
acrescentar mel em sua xícara de chá- essa preocupação acaba se tornando um
ciclo, cada vez as pessoas querem chamar mais atenção umas das outras. Ela
afirma que mesmo nas redes sociais, mantém seu estilo e diz que nunca iria
mudar seu jeito de ser para agradar alguém. Nas suas redes, compartilha frases
de poetas e escritores e faz posts engraçados “Porque como diz Charles Chaplin:
Um dia sem rir é um dia desperdiçado”, completa citando um de seus ídolos.
Como fica
bastante tempo sozinha em casa (pois sua mãe e sua irmã trabalham), gosta de
ouvir música, ler, dançar e assistir TV, de preferência The Big Bang Theory, Friends, Two Brooked
Girls, programas do Canal Disney, programas culinários, principalmente sobre
bolos, doces e cupcakes.
Já teve dois
peixes beta, Drake e Sharpay que faleceram em pouco tempo. Ela cuidava deles
dando ração e limpando o aquário. Os nomes dos peixes são inspirados em personagens
de filmes que ela adorava. Pensa em que bichinhos escolheria para ter hoje e
decide que gostaria de ter coelhos, pois seriam “muito fofinhos”, se não
“fizessem suas necessidades pela casa”, um porquinho da índia serviria também.
Como qualquer pessoa
normal, Carol adora os finais de semana. Seus programas favoritos são: ficar
com o priminho de 2 anos, Arthur, aos sábados e aos domingos fazer o que ela chama de “o programa das
garotas” que é passear na Paulista e Augusta com sua mãe e irmã. Ela preza muito
esse raro momento em que ficam juntas, chama de “reconexão”.
Ela realmente
ama o priminho Arthur e sabe que ele é apaixonado por ela. Foi o primeiro bebê
com o qual ela teve um contato mais próximo. Apesar de adorar crianças, não
quer ser casada nem ter filhos. “Eu nunca me imaginei casada e com filhos, nunca,
nunca!”. Apesar disso, gostaria de fazer um trabalho com crianças, um projeto
social, para ajudar crianças de regiões de guerra, lugares mais isolados e
necessitados, a superarem o trauma psicológico da guerra. Explica que além das questões
econômicas e materiais, é preciso se preocupar também com as questões
psicológicas dessas crianças, muitas perderam pessoas queridas, sofreram
violência e não vivem em condições humanas.
Compra roupas tanto
em lojas convencionais como Marisa e Renner quanto nas lojas colaborativas da
Augusta. Adora ir à feira do shopping Center 3, tanto pelos produtos, quanto
pela conversa com as pessoas, que são alternativas –como ela- e já a conhecem.
Quando perguntada
sobre como se imagina daqui a seis anos, respondeu: “Maior, claro! E com
espinhas!”. Especula que estará muito mais preparada e madura para enfrentar a
vida, por que ela sabe que há muito mais pela frente e deve estar “pronta para o que vier”.
“Maluca, meio desequilibrada, mas também muito
amorosa.”, nenhum escritor acharia melhores
palavras para descrevê-la como ela fez. “Eu sou pré-adolescente, mas minha mãe
acha que eu sou criança, até mesmo bebê” protesta.
Em sua casa, Carol começa a me falar sobre as mudanças que passaram recentemente.
Ano passado, os pais se divorciaram e segundo ela, não foi uma separação fácil,
muito menos amistosa. Seis meses depois, seu avô faleceu. Eles tinham uma
relação muito próxima, ele era como um segundo pai, “quando meu pai saiu de
casa, ele se tornou o único”. Carolina não
fala do avô com tristeza, só saudades e muita alegria. Suas lembranças
são muito boas, comenta como ele gostava de ensiná-la, tocava fitas
gravadas por ele mesmo e como fazia de tudo para deixa-la feliz. Após um ano do ocorrido, afirma: “A vida continua, e a gente já está se
recuperando”.
De acordo com Carol, ela, sua mãe e sua irmã decidiram que
precisavam mudar de vida e o jeito que encontraram foi reformando a casa. Agora,
elas têm uma parede lilás, “violeta misteriosa” completa Carolina. A
feminilidade reina na casa, com móveis novos, roxo e branco para tudo quanto é
lado. Carol vê a mudança como uma coisa boa, não traumática: “Nossos móveis
velhos representavam as antigas nós, e como nós mudamos, o móveis novos
representam a mudança também”.
Essas mudanças a fizeram amadurecer muito rápido, para ajudar a mãe
e a avó. Além disso, influenciou em seu estilo. “Eu pensei: eu estou mudando de vida, estou recomeçando, preciso
renovar meu estilo”.
Enquanto conversamos, segura um de seus objetos preferidos: uma
caneca com a bandeira da Inglaterra. Essa caneca é tão querida que Carol não a
usa, ela tem medo que seus dentes estraguem a estampa da bandeira. O único uso
da caneca é acolher seus colares, bijuterias e maquiagens. Na mesma estante, se
encontrava uma família de patinhos de borracha, uma mãe e três filhotinhos.
Eles são parceiros de banho de Carol, que confessa: “Nisso eu sou muito
criança, eu ADORO esses patinhos”.
Aproveitou o gancho e começou a falar de seus objetos preferidos,
apontou uma mini máquina de chiclete que imita as originais dos anos 50, conta
que comprou na R. 25 de março. O próximo item de sua lista é um boneco do Mickey,
com pouco menos de um palmo, fantasiado de Estátua da Liberdade. Sua tia
Fernanda o trouxe de Nova Iorque, pois sabe que ela adora o Mickey e
principalmente Nova York que é seu destino dos sonhos: “Eu ainda vou para lá!”.
Na escola, começou a usar fichário, uma grande mudança para a vida
escolar. Seu fichário (como quase todos seus pertences) tem uma história engraçada
por trás: Carol o encontrou largado em uma prateleira na papelaria. É um
fichário simples, transparente com a borda preta, mas Carol o incrementou com
adesivos do Space Invaders e um adesivo minimalista da capa do Abbey Road. Sua mochila
também foi customizada, preta e lisa, antes, agora está cheia de tachas, botões
costurados por ela mesma e chaveiros. Na mochila, além do material escolar,
carrega consigo um caderninho, “para caso surja uma ideia para uma letra de
música, ou eu presencie algum acontecimento que eu ache interessante e queira
refletir sobre ele depois”. Ela sempre quer dar seu toque nas coisas que
compra, não gosta de ter nada igual aos outros. Para fazer suas customizações,
tem sua própria pistola de cola quente e adora usá-la pela praticidade e
facilidade de encontrar os bastões de cola, também usa agulha e linha, apesar
da proibição da mãe.
Recentemente, comprou um chapéu estilo anos 20. Ele é totalmente
preto, mas ela pretende customiza-lo com uma pena preta e quem sabe uma joia.
Na escola, o chapéu faz muito sucesso, alguns param para perguntar onde ela
comprou e outros dizem que vão comer cereal no chapéu devido a seu formato de
tigela.
Perguntei para ela, como se sentia ao estar sendo perfilada. Ela
retratou a mesma experiência maravilhosa que eu tive ao fazer o perfil. Carol é
minha irmã e apesar de conviver com ela todos os dias, poder parar para ouvi-la
e conhece-la mais afundo foi uma experiência indescritível. O desafio do perfil
é começá-lo achando que sabemos tudo e no fim descobrir que não é bem assim.
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