“Se você trabalha no
que gosta, você nunca mais vai trabalhar”
Marcos Denis é passeador e adestrador de cães. Adora
sua profissão e sonha em ser famoso um dia, tão famoso talvez quanto Cesar
Millan - um mexicano adestrador canino que tem seu próprio programa de TV sobre
o mundo pet. O mais curioso quando Marcos conta os pormenores sobre de seu trabalho
é o fato de que só depois de muitos anos seguindo a rotina estressante de uma agência
bancária, ele resolveu que deveria transformar radicalmente a sua carreira.
Hoje, caminhando e ensinando os cães pelas ruas da Zona Norte de São Paulo, ele
tem mais disposição para trabalhar com o que gosta, além de melhores
rendimentos e qualidade de vida.
As funções de dogwalker já eram um trabalho complementar ao seu emprego no banco.
Há pouco mais de um ano, no entanto, optou exclusivamente por desempenhar essa
atividade. Para isso, mudou seus conceitos, fez cursos de capacitação em
adestramento e começou a conquistar a clientela. Há muitos passeadores que
caminham com vários cães amarrados à cintura. Para Marcos, essa técnica não é
boa, pois a chance de um cão fugir é bem maior e em um caso assim, a perda pode
ser irreparável aos donos do animal. Além disso, há pouca interação entre o
passeador e o cliente-cão, já que não é possível devotar muita atenção
individual quando há muitos animais para tomar conta. Por isso, oferece
acompanhamento “personalizado”, ao caminhar com um único cão de cada vez, preso
por uma coleira resistente que permite o controle integral sobre o animal.
Muitos dos seus clientes caninos moram nos
arredores de sua casa, o que facilita o trabalho do passeador. Por outro lado,
sua rotina não é fácil. Embora seja autônomo e tenha uma certa liberdade na
escolha dos seus horários, levanta de manhã cedo, toma café da manhã e inicia o
alongamento. Isso mesmo, é muito importante não esquecer a etapa da preparação
para mais um dia de trabalho pois o esforço exigido pela profissão pode causar
danos às articulações e aos músculos. Marcos utiliza-se do protetor solar e de
óculos de sol também, uma vez que a exposição solar é muito grande durante o
dia. Aliás, é impossível deixar de pensar como Marcos sobrevive ao calor emanado
do asfalto dentro de seu uniforme preto, que anuncia “Passeador de cães. 11 93247-8875. Denis”. Ainda usa boné,
relógio, mochila com um chaveiro amarelo em formato de osso, que contém
saquinhos para recolher os dejetos dos animais.
Depois desses preparativos, o empático Marcos
está pronto para encontrar o seu primeiro companheiro da manhã, normalmente por
volta das 8 horas. Em média, faz 6 passeios ao dia, cada um com duração aproximada
de 50 minutos. Durante esses passeios os cães aprendem a obedecer a comandos
(“sentado”, “dar a pata” entre outros) e o bom comportamento nos ambientes
externos. Correr, puxar a coleira, brigar com outros cães estão entre os maus
modos caninos devem ser vencidos pelos passeadores e adestradores dia a dia.
Por coincidência, a dificuldade em disciplinar
cães foi o motivo que envolveu Marcos na área. Ele e sua esposa têm há anos uma
cadela adotada chamada Lara, filhote do casal que optou não ter filhos. Há
quase 1 ano, ele decidiu deixar Lara com um adestrador, para passar a se
comportar melhor. Marcos descobriu que o adestrador estava machucando seu
animal. Levou-a a outro adestrador. Maltratada também. Depois desses episódios,
Marcos decidiu que iria ele mesmo adestrar Lara. Em geral, o cuidado com o
animal, não só as caminhadas, como a higiene são tarefas rotineiras do
ex-bancário. Inclusive, entre todos os afazeres domésticos, ele só não enfrenta
uma pia cheia de louça suja. De resto, divide tarefas com a esposa.
Voltando ao adestramento, Marcos fez o curso
para conseguir domar a pequena grande Lara. Ao contar sobre sua experiência,
menciona com tristeza a existência de maus profissionais que não se atualizaram
e fazem das lesões corporais, técnicas de adestramento. Ele ensina seus
clientes na base das brincadeiras e dos bifinhos (alimentos especiais para
cachorros). Vangloria-se também de sua rotina, pois acha que se fosse um
adestrador de animais violentos, tudo
seria bem mais complicado. Não tem capacitação para desempenhar essa
função, inclusive. Nenhum de seus clientes precisa andar de focinheira e isso
torna os passeios mais leves.
O cenário onde as lições acontecem é normalmente
o mesmo: calçadas irregulares e praças um tanto abandonadas. Os parques não são
abundantes nos arredores de Santana e os cachorros não têm onde matar a sede durante
os exercícios. Segundo Marcos, o mecanismo de respiração desses animais não
umidifica o ar como faz o humano. Por isso, no verão, as caminhadas são menores.
As ruas também se tornam as maiores adversárias
aos que desejam passear com seus animais. São delas que surgem, de todos os
sentidos, elementos que distraem a atenção dos cães ou instigam seus instintos.
Pássaros, gatos, outros cães, caminhões... São muitas as reclamações dos donos
de animais que não conseguem dominar seus cães em passeios pela cidade e acabam
por procurar ajuda profissional. Também existem os que não têm tempo para se
dedicar aos animais que abrigam e acabam por precisar de auxílio para cumprir a
rotina de exercícios diários que todo cão necessita.
De qualquer forma, Marcos entra em ação. Sempre gostou
de caminhar e antes era ciclista. Entretanto, quando o líder do grupo do qual
fazia parte faleceu em um acidente, muitos da equipe desanimaram no esporte,
inclusive ele. Inclusive, Marcos é um tanto melancólico em relação ao passado,
pois diz ter saudades dos velhos tempos. Por outro lado, admira nos cães a
vontade de viver cada momento, aproveitar o agora. Além de apreciar a
fidelidade desses animais, qualidade comum atribuída aos que pertencem ao mundo
canino e aos que fazem parte do círculo de amizade do passeador.
Muitas vezes parece que é através do contato com
esses animais que Marcos encontra o equilíbrio que procura para viver nesse
mundo tão instável. É claro que ele tem seu lado marcante, com suas tatuagens,
seu gosto por Ozzy Osbourne ou
Primal Fear. Mas nada o agrada mais do que um bom strogonoff acompanhado de um
vinho, em um final de semana qualquer, depois de horas jogando vídeo game.
Não deixa de aproveitar, por outro lado,
uma boa leitura, sobre cães, é claro. Ou um filme... Matrix! Também poderia ser
o novo documentário sobre comportamento canino... E por aí vai.
Sua casa é harmônica, sua família é perfeita.
Marcos não economiza nos bons adjetivos para descrever os ambientes a que
pertence. Ainda que não seja uma pessoa propriamente otimista, Marcos tem
esperanças de evoluir em sua profissão e colaborar com a felicidade dos que são
próximos a ele. Talvez essa revolução profissional tenha sido só mais um fruto
das típicas ações inovadoras de um sagitariano. No entanto, ao que parece, essa
foi a mudança que fez com que sua vida lhe fosse mais sua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário