Pages

domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Sophia Winkel



“Se você trabalha no que gosta, você nunca mais vai trabalhar”



Marcos Denis é passeador e adestrador de cães. Adora sua profissão e sonha em ser famoso um dia, tão famoso talvez quanto Cesar Millan - um mexicano adestrador canino que tem seu próprio programa de TV sobre o mundo pet. O mais curioso quando Marcos conta os pormenores sobre de seu trabalho é o fato de que só depois de muitos anos seguindo a rotina estressante de uma agência bancária, ele resolveu que deveria transformar radicalmente a sua carreira. Hoje, caminhando e ensinando os cães pelas ruas da Zona Norte de São Paulo, ele tem mais disposição para trabalhar com o que gosta, além de melhores rendimentos e qualidade de vida.

As funções de dogwalker já eram um trabalho complementar ao seu emprego no banco. Há pouco mais de um ano, no entanto, optou exclusivamente por desempenhar essa atividade. Para isso, mudou seus conceitos, fez cursos de capacitação em adestramento e começou a conquistar a clientela. Há muitos passeadores que caminham com vários cães amarrados à cintura. Para Marcos, essa técnica não é boa, pois a chance de um cão fugir é bem maior e em um caso assim, a perda pode ser irreparável aos donos do animal. Além disso, há pouca interação entre o passeador e o cliente-cão, já que não é possível devotar muita atenção individual quando há muitos animais para tomar conta. Por isso, oferece acompanhamento “personalizado”, ao caminhar com um único cão de cada vez, preso por uma coleira resistente que permite o controle integral sobre o animal.

Muitos dos seus clientes caninos moram nos arredores de sua casa, o que facilita o trabalho do passeador. Por outro lado, sua rotina não é fácil. Embora seja autônomo e tenha uma certa liberdade na escolha dos seus horários, levanta de manhã cedo, toma café da manhã e inicia o alongamento. Isso mesmo, é muito importante não esquecer a etapa da preparação para mais um dia de trabalho pois o esforço exigido pela profissão pode causar danos às articulações e aos músculos. Marcos utiliza-se do protetor solar e de óculos de sol também, uma vez que a exposição solar é muito grande durante o dia. Aliás, é impossível deixar de pensar como Marcos sobrevive ao calor emanado do asfalto dentro de seu uniforme preto, que anuncia “Passeador de cães. 11 93247-8875. Denis”. Ainda usa boné, relógio, mochila com um chaveiro amarelo em formato de osso, que contém saquinhos para recolher os dejetos dos animais.

Depois desses preparativos, o empático Marcos está pronto para encontrar o seu primeiro companheiro da manhã, normalmente por volta das 8 horas. Em média, faz 6 passeios ao dia, cada um com duração aproximada de 50 minutos. Durante esses passeios os cães aprendem a obedecer a comandos (“sentado”, “dar a pata” entre outros) e o bom comportamento nos ambientes externos. Correr, puxar a coleira, brigar com outros cães estão entre os maus modos caninos devem ser vencidos pelos passeadores e adestradores dia a dia.

Por coincidência, a dificuldade em disciplinar cães foi o motivo que envolveu Marcos na área. Ele e sua esposa têm há anos uma cadela adotada chamada Lara, filhote do casal que optou não ter filhos. Há quase 1 ano, ele decidiu deixar Lara com um adestrador, para passar a se comportar melhor. Marcos descobriu que o adestrador estava machucando seu animal. Levou-a a outro adestrador. Maltratada também. Depois desses episódios, Marcos decidiu que iria ele mesmo adestrar Lara. Em geral, o cuidado com o animal, não só as caminhadas, como a higiene são tarefas rotineiras do ex-bancário. Inclusive, entre todos os afazeres domésticos, ele só não enfrenta uma pia cheia de louça suja. De resto, divide tarefas com a esposa.

Voltando ao adestramento, Marcos fez o curso para conseguir domar a pequena grande Lara. Ao contar sobre sua experiência, menciona com tristeza a existência de maus profissionais que não se atualizaram e fazem das lesões corporais, técnicas de adestramento. Ele ensina seus clientes na base das brincadeiras e dos bifinhos (alimentos especiais para cachorros). Vangloria-se também de sua rotina, pois acha que se fosse um adestrador de animais violentos, tudo  seria bem mais complicado. Não tem capacitação para desempenhar essa função, inclusive. Nenhum de seus clientes precisa andar de focinheira e isso torna os passeios mais leves.

O cenário onde as lições acontecem é normalmente o mesmo: calçadas irregulares e praças um tanto abandonadas. Os parques não são abundantes nos arredores de Santana e os cachorros não têm onde matar a sede durante os exercícios. Segundo Marcos, o mecanismo de respiração desses animais não umidifica o ar como faz o humano. Por isso, no verão, as caminhadas são menores.

As ruas também se tornam as maiores adversárias aos que desejam passear com seus animais. São delas que surgem, de todos os sentidos, elementos que distraem a atenção dos cães ou instigam seus instintos. Pássaros, gatos, outros cães, caminhões... São muitas as reclamações dos donos de animais que não conseguem dominar seus cães em passeios pela cidade e acabam por procurar ajuda profissional. Também existem os que não têm tempo para se dedicar aos animais que abrigam e acabam por precisar de auxílio para cumprir a rotina de exercícios diários que todo cão necessita.

De qualquer forma, Marcos entra em ação. Sempre gostou de caminhar e antes era ciclista. Entretanto, quando o líder do grupo do qual fazia parte faleceu em um acidente, muitos da equipe desanimaram no esporte, inclusive ele. Inclusive, Marcos é um tanto melancólico em relação ao passado, pois diz ter saudades dos velhos tempos. Por outro lado, admira nos cães a vontade de viver cada momento, aproveitar o agora. Além de apreciar a fidelidade desses animais, qualidade comum atribuída aos que pertencem ao mundo canino e aos que fazem parte do círculo de amizade do passeador.

Muitas vezes parece que é através do contato com esses animais que Marcos encontra o equilíbrio que procura para viver nesse mundo tão instável. É claro que ele tem seu lado marcante, com suas tatuagens, seu gosto por Ozzy Osbourne ou Primal Fear. Mas nada o agrada mais do que um bom strogonoff acompanhado de um vinho, em um final de semana qualquer, depois de horas jogando vídeo game. Não  deixa de aproveitar, por outro lado, uma boa leitura, sobre cães, é claro. Ou um filme... Matrix! Também poderia ser o novo documentário sobre comportamento canino... E por aí vai.

Sua casa é harmônica, sua família é perfeita. Marcos não economiza nos bons adjetivos para descrever os ambientes a que pertence. Ainda que não seja uma pessoa propriamente otimista, Marcos tem esperanças de evoluir em sua profissão e colaborar com a felicidade dos que são próximos a ele. Talvez essa revolução profissional tenha sido só mais um fruto das típicas ações inovadoras de um sagitariano. No entanto, ao que parece, essa foi a mudança que fez com que sua vida lhe fosse mais sua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário