C’est la vie (de Louise)
O Paîn de France, pâtisserie (ou, em português, doceria) da Aliança
Francesa do Trianon, nos Jardins, está menos rebuliçosa que o normal, apesar de
ter algumas mesas ocupadas. É quinta-feira à noite, afinal de contas. Entre
croissants, croques, quiches, bombas de chocolate, cappuccinos e espressos, eis
que surge uma morena de grandes olhos de um azul misto, não tão escuro que não
seja azulado muito menos claro como reflexo de piscina em dia de verão. O
sorriso, gentil como sempre, vem estampado no rosto enquanto carrega seu
material para aula que dará daqui a 40 minutos.
Vestindo um jeans confortável,
tênis, suéter azul e o cabelo ligeiramente preso em um coque, Louise Ferré,
professora de francês (obviamente), definitivamente não parece ter a idade que
tem, apesar de 27 anos ser considerado juventude. Ela pergunta onde seria
melhor para conversarmos. E é numa dentre tantas salas de aula da escola que
descubro um pouco mais dessa parisiense que, desde o início do ano, torna os
sábados de manhã de seus alunos mais produtivos com músicas, vídeos e
comerciais da França mesclados aos conteúdos previstos a serem lecionados. A
entrevista foi feita em um português que, em dados momentos, denunciava seu
acento estrangeiro, mas em nada prejudicava a compreensão do que ela falava. Nada
mau para quem mora há apenas dois anos no Brasil, mas, descubro mais tarde, sua
relação com o português vem de muito antes do país verde-amarelo surgir na sua
vida.
Quebrando o primeiro clichê
que veio a minha mente quando supunha seu passado, Louise não morou em Paris
mais do que 6 meses. “Meus pais se mudaram para Nantes, uma cidade na costa
atlântica da França quando era ainda bebê”, explica sorrindo ao ver minha
aparente surpresa. “Por isso a maior parte das minhas lembranças de quando era
criança são de lá”. A infância, ao lado do irmão – hoje, com 24 anos e morando há
um 1 e meio em Valença, na Espanha – foi tranquila. “Quando cheguei à idade de poder voltar sozinha a
pé da escola, com uns 12 anos, eu convidava vários amigos para lanchar em casa.
Não tinha os meus pais (em casa) então a gente se sentia livre de brincar e
falar besteira era um tempo muito bom, a gente se divertia tanto”.
Já na adolescência, aos 20
anos, enquanto cursava o terceiro ano da faculdade do que, no Brasil, seria
algo como “Línguas Estrangeiras Aplicadas ao Comércio Internacional”, despertou
a vontade de aprender mais português, uma língua considerada exótica por ela.
“Eu tinha três escolhas, porque estudava três línguas – inglês, espanhol e
português. Não queria um país “inglôfobo” (e aí percebo seu primeiro improviso
para falar), então fiz dois pedidos para Espanha e Portugal. O país lusitano
terminou como escolha final e para lá partiu, vivendo dois anos de estudos e
trabalhos como assistente de uma professora de francês, em Lisboa, até que
conheceu e se apaixonou por um brasileiro amigo de um amigo dela na faculdade
em Lisboa.
AMOR DE PONTE AÉREA
Desde que a conheci, em
fevereiro, falar de Ricardo, seu companheiro até hoje, deixa-a ligeiramente
constrangida. Naquela quinta não foi diferente: as bochechas ficaram rosadas e
um sorriso bobo estampou seu rosto enquanto rememorava todas as etapas do
relacionamento até chegarem ao Brasil em setembro de 2011. A cronologia é digna
de enredo hollywoodiano, pois foram, ao todo, 5 anos em 4 lugares diferentes! É
ou não é algo curioso? Transpondo a barreira aluno-professor, pedi que me
contasse mais a respeito da história deles e, gentilmente, ela aceitou.
Tudo começou em Portugal, em
seu primeiro ano lá, quando se conheceram. Quando ela estava iniciando seu
segundo ano, Ricardo decidiu estudar na Itália, país de cuja nacionalidade é o
seu passaporte. “Isso (do passaporte) facilitou muito nosso relacionamento”,
brinca Louise enquanto prossegue: “a gente se via, assim, de vez em quando, e
quando o negócio ficou mais sério, a gente decidiu morar perto, mas os dois “continua”
(no caso, continuaram) com a carreira: eu tava estudando e ele tinha um projeto
de estudar na Itália. Daí em fiquei em Grenoble (cidade universitária localizada no sudoeste da França e conhecida como
um dos melhores centros de ensino da língua francesa) e ele ficou em Milão,
que são mais ou menos 5h de trem, 500 km mais ou menos”.
Namoro vai, namoro vem e uma
proposta de estágio na Suíça fez, mais uma vez, o casal planejar suas vidas.
“propuseram um trabalho na Suiça e, para acompanhá-lo, eu estudei – como aqui
eu acho que também tem a possibilidade –à distância; recebia as matérias pela
internet e eu só precisei voltar para um exame final. Voltar para onde? Para
Granada, na Espanha. Sim, no período de dois anos em que moraram na Suíça, 6
meses foram dedicados a um estágio/trabalho na Aliança Francesa espanhola. Isso
porque Louise, depois de 3 anos de licenciatura – 1 na França e 2 em Portugal
-, fez 2 anos de mestrado em ensino de línguas, no caso, francês para
estrangeiros. Desses 2 anos, o último foi feito à distância, na Suíça, e os
semestre derradeiro foi concluído concomitante ao estágio feito na Espanha.
O BRASIL ENTRA EM CENA
Depois de nos despedirmos
naquele dia, pois a conversa nos tomou todo o tempo disponível dela e já dera o
horário de sua aula, marcamos de nos encontrar novamente em sua casa, pois
faltava chegar ao “clímax” da questão: como surgira o Brasil na sua história?
Assim,
no domingo daquela mesma semana de maio, único dia da semana em que Louise e
Ricardo não trabalham, fui conhecer o lar deles. Localizado no sexto andar, a sala tem a vista para
o pico do Jaraguá, em Sumarézinho. O bairro é só de casas, bastante
residencial. Quando se entra no apartamento, tem uma cozinha pequena
na esquerda com uma despesa no fundo que serve de lavanderia e quarto
do cachorrinho Whisky, um poodle vira-lata. Virando a direita tem logo em
frente um escritório onde Louise dá aulas particulares de francês. Os
banheiros e o quarto do casal também são pequenos, mas, como os demais cômodos,
são bastante aconchegantes.
Sentados no sofá da pequena
sala e eu, numa poltrona de frente para eles, mais parecíamos numa consulta de
casal com o analista. Mas, diferente das discussões conflituosas dessas
sessões, passamos a tarde recordando os primeiros momentos de Louise no Brasil,
começando pela proposta de Ricardo em voltar após o período na Suíça. “Eu
também tinha vontade de conhecer o Brasil porque, normalmente, quando você tá
com uma pessoa, você quer entender a cultura dela”, explica. Próximo destino
escolhido, era hora de preparar a papelada para estabilizá-la em terras
verde-amarela. Para isso, por pura questão administrativa – nas palavras de
Louise -, eles oficializaram uma união estável, esta válida tanto para França
quanto para o Brasil.
Mesmo já tendo conhecido o
país em outra ocasião, quando, no início do relacionamento, ela veio para o
casamento do cunhado em São Paulo, onde passou duas semanas, num primeiro
momento teve um choque natural de estranhamento. “O fato que me ajudou é que eu
já conhecia São Paulo, então não me chocou tanto assim, mas eu tava com um
pouco de receio de morar aqui. Até falei pra ele (fala e aponta pro Ricardo):
olha, São Paulo é só para o início, mas depois vamos embora porque essa cidade
me dá medo”.Passada a apreensão, vieram os lados positivos. “Vi que era uma
cidade que tinha cultura; tem tudo, tem trabalho para todo mundo”, mas,
ressalta ela, “não é uma cidade fácil de se morar”.
Cidades que já visitou:
Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Sorocaba, Ilhabela e São Roque. Tem
vontade de conhecer Ilha Grande e o Nordeste também. Brinco então com ela sobre
isso, porque ela ainda não conhece Recife, minha cidade natal, o que a faz rir.
FRANÇA X BRASIL
Quando pergunto sobre aspectos
das duas culturas – brasileira e francesa – que divergem e chamaram sua
atenção, Louise nem titubeia: “o que me choca ainda é esse apego do brasileiro
com o carro, que na França é bem diferente porque a gente (franceses), mesmo
sem trânsito, gosta de andar a pé, de fazer as coisas a pé. Então não temos
essa relação com o carro, que aqui eles são mais bem cuidados, bem bonitos; na
França o rico pode nem ter carro, e, se bater, não conserta”, conclui rindo.
Nem precisa ir muito longe para se entender o porquê disso, afinal, enquanto
Paris possui 300 estações de metrô distribuídas em 14 linhas, além de 7
estações ferroviárias, extensa linha de ônibus e o “batobus” (barcos-ônibus que
percorre o Sena parando em vários pontos turísticos), São Paulo conta com 5
linhas de metrô, 6 linhas de trem e cerca de 10 mil ônibus circulando.
Ricardo então lembra o
episódio do churrasco, fazendo Louise rir. Percebendo meu desentendimento da
graça, ela explica da vez que foi convidada ao churrasco de um amigo. Ao
contrário dos franceses, que costumam se atrasar, no máximo, 15 minutos, os
brasileiros chegam bem tarde nesses tipos de festa. “Lembro que via as pessoas
chegando 2 ou 3 horas depois do combinado e eu só pensava: mas como assim?
Estava marcado para tal horário!”, comenta enquanto ri da sua ingenuidade na
época.
Outro episódio de desentendimento
veio de uma prática bem comum entre nós, brasileiros: o de falar que vai ligar,
mas não liga. “Uma amiga disse que iria me ligar durante a semana, mas não o
fez. Até pensei que era algo comigo, mas o Ricardo me explicou que aqui era
assim mesmo: você fala que vai entrar em contato, mas não o faz”. Ricardo ainda
complementa: “ela (Louise) ficou realmente preocupada. Foi engraçado, para mim,
mas imagino o quão confuso deve ter sido. Na França, quando você fala que vai
ligar, você realmente liga”.
Pergunto
sobre mais choques, Louise responde que já passou dessa fase e até brinca
“preciso consultar o blog do Olivier para lembrar, apesar de achar que algumas
coisas que ele diz são clichê”. A referência em questão se trata de uma lista
de 65 itens curiosos da cultura brasileira na visão do francês Olivier Taboul,
29 anos, residente em Belo Horizonte há 1 ano e meio por causa do seu trabalho
na Google (para saber do blog que
“contra-ataca” Olivier, leia o box).
E, de repente, quando penso
que já me disse tudo das diferenças, ela me surpreende: “tem mais uma coisa que
lembrei agora!”. Então a encorajo a falar. “O brasileiro não se queixa. Têm
coisas ruins acontecendo, ele vai criticar, mas não vai fazer nada, não vai à
rua para lutar e os que lutam, mas é uma minoria (que, na voz dela, soa “menoria”).
Ele vai deixar passar e isso é diferente do francês, que qualquer coisa vai pra
rua”, conclui Louise às risadas, mas logo emenda desabafando um incômodo: “vejo
pessoas sofrendo pelo transporte (público) e eu penso: meu deus, temos de pedir
pelo transporte agora”. Até parece que
Louise estava adivinhando, não?
Despedindo-nos no final daquela
tarde, quase todos os pontos da sua vida estavam, teoricamente, definidos para
se escrever sobre ela. Entretanto, se depender de Louise, muitos ainda virão.
“Quero viajar tanto ainda, conhecer tanta coisa!”. E que venham os outros
capítulos deste livro francobrasileiro.
BOX:
REBATENDO
OLIVIER
O engenheiro em informática Antonio Souza Neto, em seu blog A riqueza de viajar, listou 56 itens
sobre os hábitos franceses, que conheceu depois de morar 3 anos no país.
Abaixo, 10 coisas interessantes (outras nem tanto) de se saber:
1. Os franceses não
utilizam desodorantes e também não se importam com o cheiro
de sovaco dos outros. Eles também não escovam os dentes depois das
refeições e fumam muito.
2. Se um homem sai com
uma mulher 2 vezes, automaticamente já está namorando, sem precisar de nenhum
acordo prévio.
3. Casais franceses
não costumam se tocar na rua, nem mesmo dar as mãos, nem dar demonstrações de
afeto em público.
4. Na França, um garçom sempre estará te dando a
maravilhosa oportunidade de pagar para comer no restaurante dele. Assim você
sempre tem que implorar para ser bem atendido. O garçom sempre tem razão.
5. A alimentação na França é muito saudável.
Todos comem bastante salada e há poucos obesos. A carne de boi, no entanto, é
horrível.
6. Franceses não sabem
paquerar, muitas vezes é a mulher que toma a atitude.
7. As pessoas se
vestem bem na França, mas vestem a mesma roupa mais de 10 vezes sem lavar.
Muitas vezes só usam uma roupa todos os dias da semana.
8. É lenda que os
franceses não respondem se você pedir informação em inglês. Pelo menos os
jovens de grandes cidades se esforçam para te dar informações em inglês e até
mesmo em espanhol.
9. Os franceses
costumam ser muito fechados e é muito difícil entrar em um grupo de amigos já
fechado. A única exceção é quando bebem. Um francês bêbado que você acabou de
conhecer vai dizer que você é o melhor amigo dele, mas no outro dia nem vai
lembrar quem você é.
10. Na França não há
muita violência por assalto, mas há muita violência gratuita e brigas de bar.
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