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domingo, 16 de junho de 2013

Perfil - Gabriela Boccaccio


A etimologia de Alessandra


“Alessandra Freitas” entoa o professor. Com uma voz aguda a aluna em questão responde “eu”. Para a surpresa do professor, outros alunos respondem com vários “eu”, “eu”, “eu”, imitando o som da voz da menina. E é assim que toda terça-feira de manhã, o professor Luís Mauro mexe a cabeça de um lado para o outro falando “eu nunca vou entender isso”.
Quem convive com Alessandra entende perfeitamente o porquê essa imitação já virou hábito entre seus colegas de sala. Todos já foram previamente acusados de um dia fazer a jovem desenvolver fonofobia. Sua vivencia em São Paulo já apagou um pouco de seu sotaque mineiro e lhe rendeu um novo apelido, o de “Alesma”.
Juntando as palavras Alessandra e Lesma, seus amigos conseguiram capturar em um único apelido parte da essência da garota. A palavra foi transformada no verbo alesmar, no país Alesmanha e no substantivo alesmação. Esses vocábulos já fazem parte do repertório dos alunos do 2JOA, da Faculdade Cásper Líbero, onde Alessandra cursa Jornalismo.
O apelido começou como uma brincadeira por sempre ser a última a chegar nos lugares, sempre perder as coisas nos lugares mais inusitados e por ser um pouco desligada do que acontece mundo afora. Muitas vezes Alessandra considera seu apelido injusto “gente, eu não sou assim”. Mas alguém sempre está por perto para apontar sua última alesmação.
Quem ouve a voz de Alessandra nunca diria que um dia ela chegou a puxar os “s” quando morava no Rio de Janeiro aos 6 anos.  A prova física disso se encontra nos seus dois RGs. No de 2002 exibia um bronzeado próximo do dourado, uma postura relaxada e uma franja curta. A identidade feita no ano passado mostra uma pessoa completamente diferente, pele alva, um rosto que beira o inexpressivo, passando pelo tédio e os cabelos longos que parecem não ter fim na foto 3x4.
Nascida em Belo Horizonte, sua família se mudou diversas vezes. Aos 3 anos foi pra São Paulo, depois residiu no Rio de Janeiro dos 6 aos 9 anos, para depois se firmar novamente em Belo Horizonte por mais oito anos.

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Seu celular vibra constantemente, ele foi o jeito que ela encontrou de encurtar a distância entre BH e São Paulo. No começo de 2012, a jovem, junto com sua família, se mudou para a capital paulista para fazer faculdade. Através das inúmeras mensagens trocadas diariamente com suas amigas, Alessandra consegue suprir o fato de não estar mais por perto delas.
Belo Horizonte é uma “pequena cidade grande” e ela sabia que não seria lá que conseguiria alcançar seu sonho de ser correspondente internacional. Sua ambição passava dos limites da capital mineira. “São Paulo me deu a oportunidade de ser quem eu sou”. Se não fosse pelas mudanças quando criança teria ficado assustada, mas hoje em dia São Paulo combina com Alessandra.
Atrasos são pontuais para ela. Quando tem que sair debaixo das cobertas às 5h40 da manhã, Alphaville 11 parece estar à léguas da Avenida Paulista. “Não vejo a hora de me mudar pra São Paulo, não consigo mais levantar”. O cansaço é decorrente do horário em que adormece. Às 22 horas é quando a energia e concentração para fazer trabalhos atingem seu auge.
“Gosto de sentir que meu dia foi produtivo” é um de seus lemas, um dia perdido, sem ter feito nada representa um vazio do qual ela não se orgulha. Durante sua estadia em Nova York fazendo um curso de jornalismo na New York Film Academy, todos os dias foram produtivos. A Big Apple conseguiu suprir essa necessidade de ser proativa.
E se Alessandra é vítima de um dos sete pecados capitais, seria o da preguiça. Como boa aspirante a jornalista, ela funciona na base do deadline. A demora para começar a fazer trabalhos resulta em uma pressão para conseguir entregá-los pontualmente. Por isso trabalhar na televisão combinaria com ela. “É dinâmico, tem que fazer tudo correndo, procurar pauta todos os dias”.

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Em uma casa simples de Alphaville 11 reside a família Freitas. Nos dois andares do lar inteiramente decorado pela mãe de Alessandra, Luciane, há sempre uma calmaria e organização. Seria impossível olhar para as quatro pessoas que habitam a casa e não dizer que são parentes. Há uma divisão em duplas: Alessandra e Luciane são fisicamente idênticas, assim como Letícia e Edson.
Seu pai sonhava em ser músico. Você pode ouvi-lo dedilhando o violão com maestria sempre com grandes clássicos na ponta da palheta. Segundo ele, seu nome foi imortalizado em Hey Jude “Pode ouvir, ele fala “take an Edson and make it better””.
Letícia nasceu quando Alessandra tinha apenas 3 anos. O que começou com uma relação ciumenta é hoje uma grande amizade. Letícia é uma das poucas pessoas com que Alessandra consegue se abrir. Luciane recorda rindo que chegou a bater na sua irmã recém-nascida com um pente.
Entre outras lembranças, Luciane se lembra do quão agitada era a filha mais velha. Com uma voz doce e o forte sotaque mineiro, é ela que instaura a calma na casa. Seu jeito carinhoso apazigua e traz serenidade para quem está perto.
Nikki é o pequeno yorkshire da família que anda pela casa como se fosse um príncipe. Ele somente perde esse jeito quando chega a hora do banho e  foge de todos e todas que chegam com sua toalha. Ele é o centro de todos os carinhos da casa, principalmente os de Alessandra. Caio, seu namorado, não considera que segurar o cãozinho pelas patas dianteiras e chacoalhá-lo seja uma grande demonstração de afeto. Porém, sua dona está convencida de que ele adora quando faz isso.

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Enquanto falava Alessandra picotava o guardanapo ainda gorduroso do salgado que acabara de comer. “Meu pai odeia quando eu faço isso, ele fica irritado”. Quando deixava isso de lado, mexia em suas unhas pintadas de azul metálico. Qualquer observador meticuloso consegue notar sua dispersão, o olhar sempre parece procurar algo que não está nos olhos do interlocutor, as mãos tocam incessantemente os longos cabelos morenos e a mesa treme levemente com o balanço de sua perna. E no meio desse turbilhão de gestos, o seu pensamento permanece claro, ainda que pontuado por muitos “tipos”.
Sua voz fina ecoava nas paredes do terceiro andar do prédio da Gazeta. Sentada na mesa ainda cheia de farelo, ela confessava “sempre espero o melhor das pessoas, isso faz com que eu me decepcione”. A intensidade com que gosta de viver faz com que ela se entregue muito e faça tudo com a alma. Alessandra não tem medo de amar, nem de ser amada. Tudo para ela tem que almejar o melhor.
O sofrimento faz parte dessa filosofia de vida e ela aprendeu a lidar com ele. As mudanças de cidade na sua infância não a deixavam se apegar demais às pessoas. Quando já estava acostumada com uma determinada cultura ou ambiente, tinha que rapidamente ser capaz de conhecer um novo mundo e passar novamente por um processo de readaptação.
Por ser um ano adiantada, seu amadurecimento foi precoce. Mesmo não querendo teve que crescer mais rápido. Quando as outras meninas enterravam suas bonecas em baús, Alessandra ainda as conservava por perto. Quando as outras meninas começavam a criar corpo, Alessandra sofria por ser excessivamente magra.
Seu começo em Belo Horizonte não foi fácil. Quando estudava no Marista foi vítima de bullying por não ter determinadas coisas e por ser extremamente inocente. “Um dia colocaram corretivo debaixo da minha carteira. Falaram pro professor que tinha sido eu. Tentei arrancar tudo com as unhas. Entrou farpa em toda minha mão” conta Alessandra aflita, reproduzindo os gestos daquela ocasião.
Se Alessandra nasceu como um grande bloco de mármore, a vida foi lhe dando o acabamento que se pode ver hoje. O nascimento de sua irmã, Letícia, hoje com 15 anos, marcou sua infância. O ciúmes fez com que ela se tornasse mais independente e aprendesse a lidar sozinha em determinadas situações. A impulsividade deu lugar a uma vontade de não deixar nada pendente e de não guardar nenhum rancor.
Tubidi e Tabadá foram os grandes companheiros da sua infância. Eles existiam apenas dentro de sua cabeça e a acompanhavam onde quer que fosse. Sem entender o motivo, muitas vezes os pais de Alessandra tinham que tirar algo dela quando começava a gritar para sua dupla de amigos “tira isso de mim, tira”. No dia seguinte acordava sem voz e ainda na companhia do duo. Os amigos imaginários foram aos poucos se apagando de sua mente até desaparecerem completamente quando tinha 3 anos.
No período de sua adolescência, cantores da Disney e Crepúsculo eram febre entre jovens meninas. Alessandra não escapou dessa fase de filas gigantescas para prestigiar filmes da saga de vampiros e do choro incessante no último High School Musical. Foi no meio desse fanatismo pela Disney que ela conheceu Luíza Fernandes, mais conhecida como Luli. Aos 12 anos, ambas compartilhavam as mesmas paixões que as unem até hoje. Júlia Gabrich também fazia parte desse círculo de amizade. Quando se reúnem é possível ouvi-las cantando de cor as letras das músicas de Miley Cirus.

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“Faço jornalismo por que não me imagino fazendo outra coisa”. Muitas vezes a vocação fala mais alto, Alessandra chegou a prestar relações internacionais mas não conseguiu se desvincular do imã do jornalismo. A paixão por escrever sempre esteve presente na sua vida. Foram cadernos e mais cadernos recheados de poemas, fanfics de Crepúsculo e pequenos romances. Foram também inúmeras peças de teatro que apresentou para seus pais. Tudo era escrito a mão, digitar no computador é hoje em dia uma necessidade, mas se pudesse escolher, ela continuaria exercendo sua caligrafia.
Em sua estadia em Nova York, Alessandra teve a oportunidade de entrevistar sua maior inspiração: o jornalista Gay Talese. A brincadeira com uma de suas amigas dizendo “Você vai pra Nova York, aproveita e entrevista o Gay Talese”, se concretizou em apenas alguns telefonemas. “Foi tudo tão rápido e tão fácil”.
Para Alessandra, Talese trabalha o jornalismo da maneira mais bruta. Sujando os sapatos, ele escreveu um dos livros mais inspiradores para qualquer aspirante a jornalista: Fama e Anonimato. A experiência foi extremamente marcante para ela. A constante tentativa para fazer sempre o melhor a frustra um pouco, “poderia ter feito outras perguntas pra ele”.
Alessandra não quer ganhar dinheiro com sua profissão, apenas credibilidade e aquela sensação de que tudo que fez foi produtivo.

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No meio daquelas confissões, Alessandra disse “Eu tenho orgulho da pessoa que me tornei”. O grande bloco de mármore foi ano após ano entalhado até se transformar naquela garota alta, que chora de raiva por causa de Marco Feliciano, que não muda seu corte de cabelo há quase 10 anos e que ama tudo que seja azul.

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Lesmas são animais gosmentos e lentos que deixam rastros por onde passam. Para o bem de todos, a pele de Alessandra não é gelatinosa, mas ela também deixa rastros por onde passa. Seja fazendo as pessoas ao seu redor terem um ataque de riso ao perguntar se “o sashimi de salmão é de salmão”, ou simplesmente fazendo seu máximo para ser a melhor com todos.



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