A etimologia de Alessandra
“Alessandra Freitas”
entoa o professor. Com uma voz aguda a aluna em questão responde “eu”. Para a
surpresa do professor, outros alunos respondem com vários “eu”, “eu”, “eu”,
imitando o som da voz da menina. E é assim que toda terça-feira de manhã, o
professor Luís Mauro mexe a cabeça de um lado para o outro falando “eu nunca
vou entender isso”.
Quem convive com
Alessandra entende perfeitamente o porquê essa imitação já virou hábito entre
seus colegas de sala. Todos já foram previamente acusados de um dia fazer a
jovem desenvolver fonofobia. Sua vivencia em São Paulo já apagou um pouco de
seu sotaque mineiro e lhe rendeu um novo apelido, o de “Alesma”.
Juntando as palavras
Alessandra e Lesma, seus amigos conseguiram capturar em um único apelido parte
da essência da garota. A palavra foi transformada no verbo alesmar, no país Alesmanha
e no substantivo alesmação. Esses
vocábulos já fazem parte do repertório dos alunos do 2JOA, da Faculdade Cásper
Líbero, onde Alessandra cursa Jornalismo.
O apelido começou como
uma brincadeira por sempre ser a última a chegar nos lugares, sempre perder as
coisas nos lugares mais inusitados e por ser um pouco desligada do que acontece
mundo afora. Muitas vezes Alessandra considera seu apelido injusto “gente, eu
não sou assim”. Mas alguém sempre está por perto para apontar sua última alesmação.
Quem ouve a voz de
Alessandra nunca diria que um dia ela chegou a puxar os “s” quando morava no
Rio de Janeiro aos 6 anos. A prova física
disso se encontra nos seus dois RGs. No de 2002 exibia um bronzeado próximo do
dourado, uma postura relaxada e uma franja curta. A identidade feita no ano
passado mostra uma pessoa completamente diferente, pele alva, um rosto que
beira o inexpressivo, passando pelo tédio e os cabelos longos que parecem não
ter fim na foto 3x4.
Nascida em Belo
Horizonte, sua família se mudou diversas vezes. Aos 3 anos foi pra São Paulo,
depois residiu no Rio de Janeiro dos 6 aos 9 anos, para depois se firmar
novamente em Belo Horizonte por mais oito anos.
*
Seu celular vibra
constantemente, ele foi o jeito que ela encontrou de encurtar a distância entre
BH e São Paulo. No começo de 2012, a jovem, junto com sua família, se mudou
para a capital paulista para fazer faculdade. Através das inúmeras mensagens
trocadas diariamente com suas amigas, Alessandra consegue suprir o fato de não
estar mais por perto delas.
Belo Horizonte é uma
“pequena cidade grande” e ela sabia que não seria lá que conseguiria alcançar
seu sonho de ser correspondente internacional. Sua ambição passava dos limites
da capital mineira. “São Paulo me deu a oportunidade de ser quem eu sou”. Se
não fosse pelas mudanças quando criança teria ficado assustada, mas hoje em dia
São Paulo combina com Alessandra.
Atrasos são pontuais para
ela. Quando tem que sair debaixo das cobertas às 5h40 da manhã, Alphaville 11
parece estar à léguas da Avenida Paulista. “Não vejo a hora de me mudar pra São
Paulo, não consigo mais levantar”. O cansaço é decorrente do horário em que
adormece. Às 22 horas é quando a energia e concentração para fazer trabalhos
atingem seu auge.
“Gosto de sentir que meu
dia foi produtivo” é um de seus lemas, um dia perdido, sem ter feito nada representa
um vazio do qual ela não se orgulha. Durante sua estadia em Nova York fazendo
um curso de jornalismo na New York Film Academy, todos os dias foram
produtivos. A Big Apple conseguiu
suprir essa necessidade de ser proativa.
E se Alessandra é vítima
de um dos sete pecados capitais, seria o da preguiça. Como boa aspirante a
jornalista, ela funciona na base do deadline.
A demora para começar a fazer trabalhos resulta em uma pressão para conseguir
entregá-los pontualmente. Por isso trabalhar na televisão combinaria com ela.
“É dinâmico, tem que fazer tudo correndo, procurar pauta todos os dias”.
*
Em uma casa simples de
Alphaville 11 reside a família Freitas. Nos dois andares do lar inteiramente
decorado pela mãe de Alessandra, Luciane, há sempre uma calmaria e organização.
Seria impossível olhar para as quatro pessoas que habitam a casa e não dizer
que são parentes. Há uma divisão em duplas: Alessandra e Luciane são
fisicamente idênticas, assim como Letícia e Edson.
Seu pai sonhava em ser
músico. Você pode ouvi-lo dedilhando o violão com maestria sempre com grandes
clássicos na ponta da palheta. Segundo ele, seu nome foi imortalizado em Hey
Jude “Pode ouvir, ele fala “take an Edson and make it better””.
Letícia nasceu quando
Alessandra tinha apenas 3 anos. O que começou com uma relação ciumenta é hoje
uma grande amizade. Letícia é uma das poucas pessoas com que Alessandra
consegue se abrir. Luciane recorda rindo que chegou a bater na sua irmã
recém-nascida com um pente.
Entre outras lembranças,
Luciane se lembra do quão agitada era a filha mais velha. Com uma voz doce e o
forte sotaque mineiro, é ela que instaura a calma na casa. Seu jeito carinhoso
apazigua e traz serenidade para quem está perto.
Nikki é o pequeno
yorkshire da família que anda pela casa como se fosse um príncipe. Ele somente
perde esse jeito quando chega a hora do banho e foge de todos e todas que chegam com sua
toalha. Ele é o centro de todos os carinhos da casa, principalmente os de Alessandra.
Caio, seu namorado, não considera que segurar o cãozinho pelas patas dianteiras
e chacoalhá-lo seja uma grande demonstração de afeto. Porém, sua dona está
convencida de que ele adora quando faz isso.
*
Enquanto falava
Alessandra picotava o guardanapo ainda gorduroso do salgado que acabara de
comer. “Meu pai odeia quando eu faço isso, ele fica irritado”. Quando deixava
isso de lado, mexia em suas unhas pintadas de azul metálico. Qualquer
observador meticuloso consegue notar sua dispersão, o olhar sempre parece
procurar algo que não está nos olhos do interlocutor, as mãos tocam
incessantemente os longos cabelos morenos e a mesa treme levemente com o
balanço de sua perna. E no meio desse turbilhão de gestos, o seu pensamento
permanece claro, ainda que pontuado por muitos “tipos”.
Sua voz fina ecoava nas
paredes do terceiro andar do prédio da Gazeta. Sentada na mesa ainda cheia de
farelo, ela confessava “sempre espero o melhor das pessoas, isso faz com que eu
me decepcione”. A intensidade com que gosta de viver faz com que ela se entregue
muito e faça tudo com a alma. Alessandra não tem medo de amar, nem de ser
amada. Tudo para ela tem que almejar o melhor.
O sofrimento faz parte dessa
filosofia de vida e ela aprendeu a lidar com ele. As mudanças de cidade na sua
infância não a deixavam se apegar demais às pessoas. Quando já estava
acostumada com uma determinada cultura ou ambiente, tinha que rapidamente ser
capaz de conhecer um novo mundo e passar novamente por um processo de
readaptação.
Por ser um ano adiantada,
seu amadurecimento foi precoce. Mesmo não querendo teve que crescer mais
rápido. Quando as outras meninas enterravam suas bonecas em baús, Alessandra
ainda as conservava por perto. Quando as outras meninas começavam a criar
corpo, Alessandra sofria por ser excessivamente magra.
Seu começo em Belo
Horizonte não foi fácil. Quando estudava no Marista foi vítima de bullying por
não ter determinadas coisas e por ser extremamente inocente. “Um dia colocaram
corretivo debaixo da minha carteira. Falaram pro professor que tinha sido eu.
Tentei arrancar tudo com as unhas. Entrou farpa em toda minha mão” conta
Alessandra aflita, reproduzindo os gestos daquela ocasião.
Se Alessandra nasceu como
um grande bloco de mármore, a vida foi lhe dando o acabamento que se pode ver
hoje. O nascimento de sua irmã, Letícia, hoje com 15 anos, marcou sua infância.
O ciúmes fez com que ela se tornasse mais independente e aprendesse a lidar
sozinha em determinadas situações. A impulsividade deu lugar a uma vontade de
não deixar nada pendente e de não guardar nenhum rancor.
Tubidi e Tabadá foram os
grandes companheiros da sua infância. Eles existiam apenas dentro de sua cabeça
e a acompanhavam onde quer que fosse. Sem entender o motivo, muitas vezes os
pais de Alessandra tinham que tirar algo dela quando começava a gritar para sua
dupla de amigos “tira isso de mim, tira”. No dia seguinte acordava sem voz e
ainda na companhia do duo. Os amigos imaginários foram aos poucos se apagando
de sua mente até desaparecerem completamente quando tinha 3 anos.
No período de sua
adolescência, cantores da Disney e Crepúsculo eram febre entre jovens meninas.
Alessandra não escapou dessa fase de filas gigantescas para prestigiar filmes
da saga de vampiros e do choro incessante no último High School Musical. Foi no
meio desse fanatismo pela Disney que ela conheceu Luíza Fernandes, mais
conhecida como Luli. Aos 12 anos, ambas compartilhavam as mesmas paixões que as
unem até hoje. Júlia Gabrich também fazia parte desse círculo de amizade.
Quando se reúnem é possível ouvi-las cantando de cor as letras das músicas de
Miley Cirus.
*
“Faço jornalismo por que
não me imagino fazendo outra coisa”. Muitas vezes a vocação fala mais alto,
Alessandra chegou a prestar relações internacionais mas não conseguiu se
desvincular do imã do jornalismo. A paixão por escrever sempre esteve presente
na sua vida. Foram cadernos e mais cadernos recheados de poemas, fanfics de
Crepúsculo e pequenos romances. Foram também inúmeras peças de teatro que
apresentou para seus pais. Tudo era escrito a mão, digitar no computador é hoje
em dia uma necessidade, mas se pudesse escolher, ela continuaria exercendo sua
caligrafia.
Em sua estadia em Nova
York, Alessandra teve a oportunidade de entrevistar sua maior inspiração: o
jornalista Gay Talese. A brincadeira com uma de suas amigas dizendo “Você vai
pra Nova York, aproveita e entrevista o Gay Talese”, se concretizou em apenas alguns
telefonemas. “Foi tudo tão rápido e tão fácil”.
Para Alessandra, Talese
trabalha o jornalismo da maneira mais bruta. Sujando os sapatos, ele escreveu
um dos livros mais inspiradores para qualquer aspirante a jornalista: Fama e Anonimato. A experiência foi
extremamente marcante para ela. A constante tentativa para fazer sempre o
melhor a frustra um pouco, “poderia ter feito outras perguntas pra ele”.
Alessandra não quer
ganhar dinheiro com sua profissão, apenas credibilidade e aquela sensação de
que tudo que fez foi produtivo.
*
No meio daquelas
confissões, Alessandra disse “Eu tenho orgulho da pessoa que me tornei”. O
grande bloco de mármore foi ano após ano entalhado até se transformar naquela
garota alta, que chora de raiva por causa de Marco Feliciano, que não muda seu
corte de cabelo há quase 10 anos e que ama tudo que seja azul.
*
Lesmas são animais
gosmentos e lentos que deixam rastros por onde passam. Para o bem de todos, a
pele de Alessandra não é gelatinosa, mas ela também deixa rastros por onde
passa. Seja fazendo as pessoas ao seu redor terem um ataque de riso ao
perguntar se “o sashimi de salmão é de salmão”, ou simplesmente fazendo seu
máximo para ser a melhor com todos.
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