Pages

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Amanda Grecco



São Paulo ainda pulsa

Será que a metrópole paulistana, a cidade que nunca dorme, realmente virou um mar de concreto? Ou é você que não consegue ver mais além?




As chuvas de verão viraram pesadelo para o morador de São Paulo, isso porque a cidade não foi estruturada para suportá-las. Os rios estão poluídos e têm um mau cheiro tão forte que chega a ser tóxico para quem inala. Os moradores não aguentam mais os famosos problemas da cidade grande, levando uma vida estressante e sem qualidade.
Você sabia que existem mais de 300 rios embaixo do cimento pavimentado que percorremos todos os dias para ir e voltar do trabalho? Pois é, os rios não se restringem a apenas aqueles trechos sujos que ficam expostos nas marginais. A água que brota na calçada em frente à sua casa; que molha a rua sem que haja chuva ou que corre pelas canaletas, pode ser de um rio.         
Gente que faz acontecer
Será que realmente não existe um lugar perto de você que possibilite o contato com a natureza, dando aquela sensação que te desliga da rotina alucinante? A maioria dos paulistanos não sabe, mas São Paulo esconde um verdadeiro universo aquático por baixo de suas avenidas sem fim. Quem conta um pouco mais sobre esta história é José Bueno e Luís Campos Jr, fundadores do projeto Rios e Ruas. “Isso aqui não se trata de urbanismo ou arquitetura, e sim de pessoas”. Preocupados com a qualidade de vida do cidadão, os urbanistas se propuseram a dedicar parte de seu tempo para conscientizar o paulistano.
Realizando encontros esporádicos, José e Luís formam grupos para conhecer os rios da cidade. “Aqui, embaixo da ponte do Sumaré, correm dois rios: córrego da água preta e córrego da água branca. Tá vendo aquela água ali na calçada? – apontando para o local – aquela água é rio”, diz Luís, em expedição realizada para conhecer alguns trechos do córrego da água preta.
Além de identificar pedacinhos dos rios e proporcionar este contato inusitado entre a água e o paulistano, José e Luís falam sobre o uso do espaço público. “Nós somos a coisa estranha nessa paisagem”, diz Bueno, ao perceber o incomodo dos motoristas com os pedestres. Os homens da natureza apresentam um novo viés da cidade para quem os acompanha nas caminhadas. Através de variação climática e exuberância de algumas plantas e árvores, aprende-se a identificar a presença de nascentes dos rios sob o asfalto. Eles estão sim aprisionados, mas deixam marcas indeléveis de sua presença.
Para conseguir identificar a nascente torna-se necessário atiçar outros órgãos do sentido: ouvir o rio sob as galerias, perceber a variação climática do local através da sensação tátil e olfativa, praticar um olhar diferente para perceber as árvores que nunca são percebidas. “Na expedição, fiz o esforço de resgatar os recursos humanos que estavam adormecidos em mim. Foi como um despertar de minha natureza que, na verdade, está sempre presente apesar dos esforços externos em destruí-lo para privilegiar as ruas e prédios”, diz Elaine L. Machado, que participou de uma das expedições propostas pelo Rios e Ruas
O projeto conta com parcerias de algumas outras iniciativas, também privadas, para proporcionar a reeducação do paulistano. Pedal Verde e o movimento da Horta da Pompéia também são iniciativas que têm a preocupação do engajamento socioambiental.
Os ciclistas do Pedal Verde se encontram todo último sábado do mês, às 14 horas, para pedalar e cuidar do local onde vive. Eles se juntam na Avenida Paulista, na praça do ciclista, e traçam um roteiro de lugares que visitarão para plantar árvores. No site do projeto estão registrados alguns dos lugares que já foram presenteados com uma árvore pelos ciclistas do bem. Quem quiser participar, é só ficar de olho nas redes sociais e site; as expedições são abertas e os novos integrantes são sempre bem-vindos.
Quem não poderia deixar de ser lembrado, é o movimento da Horta da Pompéia. Um dos idealizadores, Paulo Fonseca, já cultivava algumas hortas dentro de sua casa com a ajuda de alguns amigos que gostavam da atividade. Com a iniciativa da ONG Cidade Democrática, que tinha como objetivo colaborar com a melhora do bairro da Pompéia, o pessoal que participava da manutenção das hortas na casa de Paulo deu a ideia de levar o movimento para um espaço vazio do bairro, surgindo assim a Horta da Pompéia.
Cerca de 50 moradores da região se engajaram na causa e o espaço se revitalizou rapidamente. Hoje, os vizinhos mantém o compromisso de cuidar da horta, que cresce mais a cada dia, contando com a ajuda de visitantes que passam por lá para colaborar. O espaço serve também para atividades lúdicas junto a crianças, e algumas oficinas que ensinam os visitantes a cuidar de plantações.
Todos esses projetos promovem a retomada da relação do homem com o meio em que vive. Mas, qual será o momento em que perdemos este contato? Quando deixamos que nosso espaço fosse pintado de cinza e nossos rios sucateados e escondidos pelo concreto?
Para baixo do tapete
O início da sedentarização só foi possível a partir do momento em que o homem fixou-se em um local com fácil acesso à água potável e terras férteis. A partir daí, desenvolveu-se a prática da agricultura e as proximidades dos rios foram ocupadas gerando a consequente permanência de grupos que antes eram nômades. A população começou a aumentar, pois havia alimentos e recursos disponíveis para todos, culminando na origem dos primeiros povoados que formariam as cidades.
A questão é que essa formação se deu de forma completamente desordenada. Hoje, com a água encanada, os rios passaram de solução a empecilho do crescimento urbano e foram escondidos por baixo das megalópoles que se formaram.
O rio é formado por dois leitos: o maior e o menor, sendo um dentro do outro. O rio fica completamente encaixado no menor em períodos de estiagem (de março a outubro). Mas, nas épocas de chuva (outubro a março), as águas tomam todo o espaço. O rio Tietê, por exemplo, tem a variação de 600 para 1000 metros nesses períodos, sendo que a Vila Maria baixa está localizada em cima no leito maior, tomando o espaço que antes era das águas.
Falando de São Paulo, foi aproximadamente na década de 30 que os rios passaram a ser jogados para baixo das rodovias. Atualmente, apenas 10% das águas estão a céu aberto. O problema fica explicitado quando há uma densidade de pessoas no mesmo lugar de maneira desorganizada. O que vemos, na verdade, é uma retificação do leito menor; os canais são construídos com a largura aproximadamente equivalente ao leito menor, e o leito maior foi totalmente ocupado, pavimentado, loteado e vendido.
Alexandre Delijaicov explica
A partir do momento em que os leitos maiores dos rios passaram a ser alvo de especulação imobiliária, o rio foi exprimido em um pequeno espaço, insuficiente nos períodos de cheia. Na verdade, o funcionamento dos rios é semelhando ao dos mamíferos; nosso coração pulsa, aumentando e diminuindo de tamanho. Os rios fazem o mesmo movimento, mas em ritmo diferente.
Imagine se nosso coração fosse amarrado com um material muito resistente e não pudesse continuar com o funcionamento natural de aumentar e diminuir? Foi exatamente isso que fizemos com os rios quando tiramos a possibilidade deles aumentarem naturalmente seus tamanhos, ocupando o leito maior nas épocas de cheia. Essa é a explicação de Alexandre Delijaicov sobre motivo de termos enchentes.
Arquiteto, urbanista e professor da FAU USP, formado pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo com mestrado e doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Alexandre fala com indignação sobre o fato de termos tomado o espaço dos rios “Se a cidade está ocupando parte do rio, o problema não é dele, é nosso. A gente sempre acha que o inferno são os outros, mas o inferno somos nós. Nós que inventamos isso”.
O arquiteto diz que a cidade de São Paulo deveria ter sido desenhada a partir das águas, como Amsterdã, por exemplo, com canais, muita água e arvores. A presença destes elementos tem o poder de garantir o microclima e gerar um estado psicológico saudável. O paulistano transformou o meio urbano em um lugar de desencontro. A cidade não foi projetada para estar/ficar, e sim para quem está apenas de passagem pelos espaços públicos. Seria importante que tivéssemos a oportunidade de sentir as possibilidades que o lugar tem a nos oferecer.
Toda essa problemática que envolve, desde as questões estruturais públicas às psíquicas individuas, causam consequências graves nas relações humanas, que se tornam desgastadas em meio à condição em que o homem vive. “As relações humanas estão desgastadas; nos tratamos como descartáveis. É tão interno que a gente não percebe o destrato com o outro, do mesmo modo que não percebemos o coração bater. O grau de insatisfação do individuo é de mal estar completo. Enquanto não sublimarmos esta condição que é de desgraça, desespero e solidão, mas uma finitude da própria existência, de uma construção coletiva de como podemos poluir juntos, a situação não será revertida”
Alexandre completa dizendo que são estes problemas que leva um jovem, frente a todas as chamadas de dimensão pública, a pegar um carro e ter a coragem de achar que com ele não vai acontecer nada (referindo-se ao caso do atropelamento causado por Alex Siwek). “Ele é um psicopata latente, mas isso não é excepcional. Em todos nós existe a possibilidade de cometer essas atrocidades. Até onde vai a liberdade do outro? E o que os rios têm a ver com isso? Tudo! É um instantâneo da condição humana; ele pega o braço que decepou e joga no rio, porque o rio é a vala de esgoto, a foça social. Se nós somos água, os rios somos nós. Então, não adianta tomar banho e passar perfume, porque nós somos aquilo”.
Filtrando ideias
Cansado de viver na cidade do caos, Alexandre sonha e projeta, há mais de dez anos, um mundo que chega a parecer mágico: um projeto que foi planejado no final do século 19, mas nunca foi posto em prática. Tendo funcionamento semelhante a Veneza e Sena, nós passaríamos a utilizar as águas como meio de transporte, tornando São Paulo um lugar mais sustentável.
A ideia baseia-se em um anel hidroviário de 600 km de extensão, que interliga os rios Tamanduateí, Tietê, Pinheiros, as represas Billings, Taiaçupeba e Guarapiranga. O canal hidroviário serviria como uma saída do transporte rodoviário, que tomou quase todo espaço, viabilizando através dos rios a locomoção urbana e de transporte cargas. O projeto também prevê alguns portos que seriam construídos em pontos estratégicos da cidade, a conservação de espaços nas margens que se transformariam em praças e um espaço reservado nas águas para a prática de esportes.
Alexandre diz que nossas ações são o caminho para alcançarmos uma realidade destas. “Esse tipo de transformação deve ser sistêmica”. Segundo ele, seu projeto não é utópico, orçado em aproximadamente R$ 1 bilhão com duração de 20 anos. A boa notícia é que a ideia já está sendo estudada pelo Departamento Hidroviário da Secretaria Estadual de Transporte.
O problema é que além dos modelos das cidades que nós criamos não funcionarem pela questão estrutural, há também o problema da filosofia do paulistano, que é a de abuso com o espaço social. Por exemplo, é natural que o fumante jogue sua bituca no chão.
Quando questionado sobre a questão da educação do homem após a execução do anel hidroviário, Alexandre lamentou “Nós temos que acreditar na educação, no sentido amplo da sociedade e da cidade educadora. Além disso, não podemos menosprezar a educação formal: uma política pública que tenha objetivos claros da formação do cidadão. Que dê essa visão de se colocar na posição dos outros. Essa bituca de cigarro, ou o motorista que não enxerga o pedestre, são sinais de desconsideração, descaso e falta de lucidez. Só a partir da educação o projeto será viável.”
Veja abaixo algumas projeções de como seria a cidade se o sonho de Alexandre fosse também o nosso (FOTOS)

A sabedoria acompanha os rios”, provérbio japonês.

Nenhum comentário:

Postar um comentário