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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Isabella Santoro



A tatuagem e as mulheres: discutindo a relação
Uma pequena viagem pelo mundo das mulheres tatuadas


Não existe uma data ou local exato para o surgimento das tatuagens. As marcas na pele já foram encontradas em pessoas que viveram há mais de 5000 anos, também como egípcios e tribos sul-americanas. A origem mais aceita da palavra tatuagem vem de “tatau”, o som produzido pelos instrumentos utilizados na confecção da arte. Em quase todos esses casos, a tatuagem era uma forma de marcar símbolos religiosos, rituais de passagem ou reverenciar a natureza. Durante muitos séculos, foi considerada um adorno bárbaro, somente vista em “humanos selvagens” ou aberrações de circo. Foi no final do século XIX que os desenhos na pele também começaram a aparecer no mundo ocidental, principalmente em marinheiros e prostitutas. Os marinheiros, por viajarem e conhecerem locais distantes, acabaram aderindo esse tipo de arte para seu cotidiano.
A princípio, tatuagem era quase um carimbo de estereótipo: ela comprovava a “vida boêmia”, afinal, os maiores adeptos estavam na margem da sociedade. Essa característica foi tão aceita que em 1879 o governo da Inglaterra adotou a tatuagem como forma de identificação de possíveis criminosos. Além do mais, o processo de tatuar ainda era muito rudimentar: as máquinas motorizadas eram precárias, não havia muita preocupação com a higiene e a tinta não era específica para esses fins. Essa precariedade, querendo ou não, afastava muitas pessoas que poderiam ter interesse em adquirir um desenho no corpo.  No meio do século XX, roqueiros e rebeldes no geral também começaram a pintar a pele, aumentando mais o público tatuado. Mas foi depois de 1970 que realmente aumentou o volume de pessoas, com os hippies, o classic rock e música psicodélica. Mesmo com a popularização e melhoria das técnicas, a tattoo só começou a perder seu estigma negativo a partir da década de 90, com o aumento dos estúdios de tatuagem.
Nas terras tupiniquins
No Brasil, a cronologia foi parecida, só que um pouco mais atrasada: os estúdios pioneiros só sugiram a partir dos anos 2000, pois antes não havia público interessado e nenhum tipo de regulamentação para esses estabelecimentos. Portanto, só no século XIX a tatuagem começou a se tornar trivial para os brasileiros. Beto, 41 anos, abriu seu estúdio Tattoo to the Bone em 2002, em Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo: “As primeiras tatuagens que eu fiz eram só tribais. Eu perguntava para meus clientes como eles tinham se interessado por aquilo, e eles me falavam que tinham visto em filmes e achado tudo muito legal.” Ele ainda me conta que o público predominante eram os homens, as mulheres só entravam no local para acompanhar namorados ou amigos. “Teve uma moça que veio acompanhar o namorado, que ia fazer um tigre na perna. Ela ficou olhando os desenhos que eu fazia no caderno, falou que achava todos lindos, mas nunca faria. Duas semanas depois ela voltou, decidida a tatuar uma estrela”.
Desde a introdução das tatuagens no mundo ocidental, o público menos esperado para esse tipo de arte eram as mulheres. Nas tribos, as tatuagens eram feitas em todos os integrantes, independente da idade ou sexo. No Egito Antigo, as mulheres se tatuavam para aumentar a fertilidade, e, na Índia, uma tradição secular é desenhar no rosto das mulheres para aumentar a beleza e paz de espírito. Mas, na Europa do século XIX e XX, mulheres tatuadas eram um dos maiores tabus sociais. Há registros de moças com o corpo inteiramente cobertos de imagens desde 1890, porém grande parte delas era exposta como atrações circenses.
Betty Broadbent, nascida em 1909, foi a primeira mulher a se tornar tatuadora. Enquanto trabalhava como enfermeira, conheceu Jack Redcloud, um rapaz repleto de tatuagens, e se encantou. Após fazer vários desenhos em seu corpo, perdeu o emprego e sua única alternativa foi trabalhar em circos. Em 1957, decidiu que havia nascido para propagar a arte no corpo em outras pessoas, comprou uma máquina e passou a trabalhar em um estúdio de Nova York. Sua iniciativa e coragem fez com que se tornasse a primeira pessoa a entrar no Tattoo Hall of Fame, o “Oscar” das tatuagens. No Brasil, a pioneira foi Hosani Finotelli, mais conhecida como Medusa, que nos anos 70 abriu seu próprio estúdio. “Já que não tem uma mulher tatuadora neste país, eu vou ser a primeira. Agora será um desafio”. Até o final da década de 90, o estúdio era basicamente frequentado por homens. Como já dito anteriormente, só no século XX as mulheres começaram a se interessar pela arte na pele.
Décadas depois...
Hoje em dia, é muito fácil ver moças tatuadas. É só andar por São Paulo em um dia de sol, e vemos fadas, estrelas, frases e animais estampados nas peles femininas. Algumas são bem discretas, atrás da orelha, no pé ou no pulso. Mas também vemos tatuagens grandes nas costas, ombros e canelas. Mariana, 20 anos, me conta que a caveira enorme que ela tem desenhado no braço é de uma banda chamada Megadeth: “Sempre gostei de Megadeth, cresci ouvindo, meu pai é o maior fã do mundo. Quando fiz 18, decidi homenagear eu e ele fazendo a caveira que está na capa de um dos álbuns”. Já Rafaela, 19, diz que o símbolo celta que tem no ombro representa o equilíbrio entre corpo, mente e espírito. Ambas as tatuagens são grandes, em locais visíveis, e possuem significados fortes.
Jhonatas, tatuador do estúdio Tattoo to the Bone, conta que quase todas as mulheres que já tatuou acabaram marcando algo que tivesse um grande significado para elas. “Homens muitas vezes fazem tribais, animais, desenhos voltados só para a estética. Mas também já tatuei moças que queriam fazer só uma estrela no pulso, por exemplo. Uma estrela não tem significado algum”. Enquanto isso, Raphael, dono do Conviction Tattoo, acha que o motivo para fazer uma tatuagem é muito pessoal e não pode ser medido pelo sexo: “Tatuei marmanjo de 50 anos com uma frase para a esposa ou a filha, como também tatuei desenhos ditos masculinos em meninas de 18 anos. Antigamente, essa diferença até poderia existir, mas hoje não mais”.
A arte na pele se popularizou tanto que os parâmetros de “desenho para mulher e para homem” não existe mais. Bruna, de 25 anos, tem mais de dez imagens no seu corpo, e todos eles com temas e significados variados. “O tigre que tenho na minha perna estava no caderno de desenho para homens, quando decidi fazer, até o tatuador perguntou se eu tinha certeza”. Já a frase escrita em sua coxa ‘With no sense or reason’, vem da lenda do Cavaleiro sem Cabeça, e explica o seu modo de agir. “Muitas vezes eu só ajo, não penso e nem pondero. Quase sempre dá certo (risos).” Até mesmo ela, que ousou ao tatuar um desenho tipicamente masculino, também gravou em seu corpo algo com significado.
Confiança
Significados, tamanhos, desenhos... todos esses aspectos são variáveis e muito pessoais. Mas uma coisa é certa: todas as moças entrevistadas estavam muito confiantes em relação às suas tatuagens. “Não é que eu me sinto mais bonita, mas eu me sinto mais confiante e muitos veem isso de forma atraente”, confidencia Rafaela. Em todos os casos, as imagens foram muito bem selecionadas, após meses ou até mesmo anos de ponderação: afinal, tatuagem é para a vida toda. Beatriz Tabosa, 22 anos, tem três desenhos nos braços e diz que se sente melhor com o seu corpo por conta disso: “Sempre quis fazer, ficava imaginando como meu corpo ficaria todo colorido, contando uma história. Me senti completamente realizada quando terminei minha primeira tatuagem, comecei a me sentir bem comigo mesma.” Os homens também gostam de mulheres tatuadas. José Monaco, namorado de Beatriz, completa: “Eu sempre achei lindo mulher tatuada, para mim é a maior prova de que elas são determinadas e confiantes consigo mesmas.”
O outro lado
O preconceito ainda existe, mesmo menos presente no cotidiano. Algumas empresas ainda não admitem funcionários com tatuagens grandes ou muito visíveis, e grupos conservadores abominam a ideia de “vandalizar” o corpo humano. Mas as mulheres ainda são o maior alvo de críticas. “Já ouvi muito homem falando que eu era muito delicada para ter uma tatuagem, ainda mais uma caveira” conta Mariana. “A grande maioria das artes que vemos nas mulheres são pequenas, femininas, as que decidem fazer maior sofrem muito preconceito e é vítima de olhares reprovando.” Beto fala que, uma vez, uma moça entrou em seu estúdio e viu os quadros que ele tem pendurado nas paredes, com fotos de mulheres tatuadas. Horrorizada, ela disse que mulher tinha que se dar o respeito, e não sair por aí fazendo tatuagem, como as prostitutas. Muitas vezes, o preconceito está dentro delas mesmas.
                Por mais disseminada que a tatuagem esteja, muitos ainda não aceitam ou não tem vontade de fazer. Mariana Soares, 26 anos, diz que já pensou várias vezes na possibilidade, até chegou a juntar o dinheiro necessário, mas desistiu. “Eu acredito que nada nessa vida é pra sempre. Hoje, estou em um emprego que libera tatuagem sem problema. Mas, e amanhã? Tirando que enjoo fácil, é capaz de eu tatuar alguma coisa e dois meses depois já estar desesperada para tirar. Eu fico cansada até de cor de cabelo!”. Pessoas mais velhas também tem dificuldade em engolir a arte na pele, principalmente em mulheres. Perguntei para um senhor, que não quis me dar seu nome, o que ele achava de moças com tatuagens e ele me disse que era simplesmente abominável. “Parece sujeira, mulher tem que ser limpa, com a pele bonita... aquela coisa [tatuagem] estraga o que tem de mais bonito”.
                Independente dos preconceitos, dos motivos, tamanhos, temas, locais do corpo, idade, sexo, raça, classe social e todas as outras possíveis variações, tatuagem é e sempre foi uma das formas mais honestas e claras de se manifestar. Por mais que uma flor não tenha um significado tão explícito quanto tatuar a palavra ‘Família’, a flor continua sendo uma forma de se mostrar e expressar. Os indígenas contavam suas realizações através de desenhos no corpo, e indianas mostram seu desejo de alcançar a paz espiritual ao tatuar pontos no rosto. Não importa a época, ou o lugar, mas marcar a sua pele permanentemente é a maneira mais fácil de auto explicação para os outros. Pode acontecer de a sua manifestação ser mal entendida, ou até desprezada, mas ela nunca passará em branco.

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