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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Camila Prado


O admirável mundo comum

No dia 12 de janeiro de 1913, na cidade de Cachoeira do Itapemirim no Espírito Santo nascia Rubem Braga uma figura que prometia mudar os rumos da crônica brasileira. Filho de Raquel Coelho Braga e de Francisco Carvalho Braga, a tendência para a escrita já acompanhava a família. Seus irmãos Armando de Carvalho Braga e Jerônimo Braga fundaram na cidade o jornal Correio do Sul em 1928, local onde obteve seu primeiro emprego aos 15 anos.                                 

Com essa mesma idade ele começou a produzir crônicas diárias para o jornal Diário da Tarde. Embora não ter exercido a profissão, Rubem Braga formou-se bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Belo Horizonte em 1932. No mesmo ano, como repórter, trabalhou na cobertura da Revolução Constitucionalista, que tinha como objetivo a derrubada do governo provisório de Getúlio Vargas. Uma resposta dos paulistas à Revolução de 1930. Braga trabalhou para os Diários Associados, o grande conglomerado jornalístico de Assis Chateaubriand que originaram as extintas e famosas TV Tupi e revista O Cruzeiro. Chegou a ser preso na Revolução.  A vida no jornalismo continuaria, ele escrevia crônicas para O Jornal antes de mudar para Recife. Na capital pernambucana passou a escrever para o Diário de Pernambuco.                                                                                                                                                                                                   

Em 1935, na cidade, entrou para a chefia da Folha do Povo. Foi um jornal fundado por Osório de Lima e José Cavalcanti. Rubem Braga, na época, ainda era repórter do Diário de Pernambuco e aceitou receber um salário menor para assumir a chefia de reportagem.  A publicação adotou o lado da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que foi uma organização fundada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e sua luta era contra o integralismo, fascismo e imperialismo. O veículo foi fechado quatro meses após sua inauguração. O fechamento ocorreu durante o processo de repressão à Intentona Comunista (tentativa de golpe contra o governo Vargas em 1935 pelo PCB). Apenas dez anos mais tarde a Folha do Povo voltaria a circular integrando o grupo de jornais do Partido Comunista Brasileiro. Junto com ele eram mais sete jornais que compunham a rede jornalística do PCB e estavam distribuídos nos principais centros urbanos do país como Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Apesar de não contar com grandes recursos, a publicação teve um grande papel na formação e representação das minorias, grupos sociais que geralmente são excluídos, como os trabalhadores rurais, as donas de casas, os operários e outros setores populares. A Folha do Povo contribuía para a construção de uma visão fora do padrão sobre o cotidiano social. O editorial de abertura do jornal dizia: “(...) agitaremos com especial atenção, o problema da mulher e da criança, grave e delicado problema, quando verificamos, constrangidos, o aumento assustador da prostituição, da mendicância, e da mortalidade infantil no Recife, em outras capitais e no interior nordestino. As questões da educação da mocidade e todas as outras que interessam vivamente ao nosso meio social, nós a colocaremos em foco. (Folha do Povo, 10 de julho de 1935).

As perseguições, constantes ameaças e prisões dos jornalistas fez com que Rubem Braga refletisse sobre sua permanência no jornal. Escolhido para cobrir o Centenário da Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, ele optou por permanecer no Rio de Janeiro. No entanto continuou enviando crônicas diárias para o periódico. As crônicas foram publicadas depois no seu livro O Conde e O Passarinho, de 1936. A pequena equipe do jornal continuou em Recife seguindo a mesma linha editorial. No final de novembro ocorreu o fechamento definitivo com a repressão à Intentona Comunista. Agentes da Diretoria de Ordem e Política Social (DOPS) ocuparam a redação. A passagem de Rubem Braga por Recife pode ser exemplificada em um trecho da sua crônica: “passei um domingo na praia de Boa Viagem e uma noite na cadeira (...) Fui à festa dos Montes Guararapes e trabalhei no jornal mais quebrado do mundo”.                                                                                                                                                                       

Braga já manifestava oposição ao Estado Novo em suas publicações desde o início dos anos 1930. Foi preso algumas vezes durante o período, fato que o forçou a migrar diversas vezes por várias cidades brasileiras.                                                                                                                                                  
No ano seguinte do lançamento da Folha do Povo, em 1936, dois acontecimentos marcariam o resto de sua vida: o cronista se causou com Zora Seljan, mãe de seu único 
filho, Roberto; lançou o livro O Conde e o Passarinho.                                                                                                                

A crônica que dá título ao livro começa com a seguinte frase: “A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde”. A frase pode ser associada ao perfil do autor e sua contribuição às “letras brasileiras”: um legado literário redigido em linguagem simples e textos curtos, além de um temperamento introspectivo e solitário.                                                                     

O escritor e jornalista Ruy Castro expõe que “com toda a famosa casmurrice, era um homem encantador, e, ao vivo, tão econômico com as palavras quanto escrevendo”.                                    Na visão de Ruy Castro, a maior participação de Rubem Braga para a crônica brasileira foi mostrar que não há tema que o gênero não consiga se adaptar e transmitir a mensagem. 

Desde o assunto visto como insignificante, pode virar um grande tema. Visto como umas das principais lições do jornalismo, Braga mostra frequentemente em suas crônicas que nada é sem importância, apenas é mal abordado. A sua economia nas palavras o faz ir direto ao assunto, o que aproxima o texto do leitor sem a erudição presente na academia. 

Pode-se pensar que o jornalismo e sua objetividade influenciou a construção dos textos do autor, refinando ainda mais o seu estilo econômico.                                                                                                                                             

Sutil e bem-humorada, a escrita minimalista de Braga invade o íntimo das pessoas, onde muitas vezes realiza críticas sociais de impacto. O professor de Literatura Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Eduardo de Faria Coutinho expõe que a técnica de Rubem Braga é dar uma aparência de pouco valor aos fatos presentes no mundo real, encolhendo-os como um pretexto para a divagação pessoal. Entre as crônicas do escritor, há frequência de temas como a solidão, a morte, o amor, a infância e questionamentos existenciais.  Assim como o jornalismo, a crônica é nutrida por assuntos instantâneos, o que permite alcançar leitores de todos os perfis. Em 1938, ao lado de Samuel Wainer e Azevedo Amaral, fundou a revista Diretrizes.

Luiz Antônio de Souza é fã assíduo das crônicas do velho urso (apelido auto intitulado por Braga). O sexagenário vive na cidade de Santos, litoral de São Paulo e na sua visão, o escritor é um artista “de primeira” já que consegue transpor no papel a complexidade do homem em simples palavras. “As palavras são simples, mas o conteúdo denso”, ressalta Luiz. 

O representante de embalagens teve contato com as crônicas de Rubem Braga desde a sua infância por influência de seu pai, Tenisson José de Souza. Ele afirma: “eu identifico minha própria vida nas suas crônicas. Eu também sou um homem calado que observa mais e fala menos e muitas vezes sou incompreendido por isso, talvez seja por isso que me encanta sua figura e sua obra”.                                                                                                                                                                                            

Ao responder qual seria sua crônica preferida, os lábios se contraíram, os olhos encheram de água e seu olhar se fixou. Passaram longos dois minutos e Luiz ressaltou: “Eu li Rubem Braga durante muitos anos da minha vida e a cada época dela tive uma crônica preferida. 

Agora no momento, a minha favorita é Um Braço de Mulher.” Na crônica o autor fala da morte e revela a saudade da vida. “Agora, na velhice, penso constantemente na minha vida, na minha contribuição para o mundo, na minha família, no que eu construí e vejo em tudo isso um aspecto positivo. Me vejo como o escritor, em uma viagem longa contemplando a vida, a minha vida”. 
                 
O homem da rua

A revista Diretrizes possuía o subtítulo: Política, Economia e Cultura e surgiu logo após a instauração do Estado Novo. Tendo como fundadores Azevedo Amaral e Samuel Wainer, circulou até julho de 1944. Rubem Braga participava escrevendo crônicas para a seção O homem da rua. A revista possuiu três fases, onde a última assumiu posição política contrária ao Estado Novo, ao fascismo e ao nazismo.                                                                                                             

Diretrizes contou com intelectuais, literatos e jornalistas renomados para compor sua lista de colaboradores. São alguns nomes: Joel Silveira, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Aníbal Machado, Jorge Amado e vários outros. No entanto se destacou a seção escrita por Rubem Braga.                                                                                                                                                                     

O homem da rua abrigou crônicas publicadas entre abril de 1938 e outubro de 1939. As crônicas abordavam questões cotidianas e temas como decepções amorosas, o carnaval, praias do Rio de Janeiro. E no seu estilo, Braga trata de um tema e conduz o leitor a um outro tema de maior complexidade, embora nem sempre percebido. A revista foi tirada de circulação em 1944 por ordem do governo.                                                                                                                       

Nesse mesmo ano, 1944, o autor publicou O Morro do Isolamento, seu segundo livro. Logo após a publicação, já em 1945, Braga se tornou correspondente de guerra do Diário Carioca na campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na cidade italiana de Monte Castelo. 

A experiência resultou no livro Com a FEB na Itália. A obra contém textos focados no cotidiano dos soldados.  Ao invés de expor a guerra como um espetáculo grandioso, como na maioria das coberturas, o autor mergulhou no universo dos homens ali presentes.                                                     

De volta ao Brasil, o cronista se fixou no Rio de Janeiro, onde escreveu mais crônicas e críticas literárias para diversos jornais como o Jornal Hoje, da Rede Globo; Folha da Tarde, Folha da Manhã e mais tarde para a Folha de S. Paulo. Em 1947 foi enviado para Paris como correspondente do Globo. Retornando a capital francesa em 1950 pelo Correio da Manhã. Três anos mais tarde iniciaria sua carreira diplomática sendo nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago. Publicou Ai de Ti Copacabana em 1960 e em seguida A Traição das Elegantes (1967), Recado de Primavera (1984) e entre outros.  

Entre 1961 e 1963, Braga foi embaixador do Brasil no Marrocos. Ao retornar ao seu país, junto com os escritores Fernando Sabino e Otto Lara Resende, fundou a editora Sabiá, que trouxe ao público brasileiro grandes nomes da literatura estrangeira como Gabriel Garcia Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges. Na década de 1980 o escritor colaborou com o caderno cultural Folhetim da Folha de S. Paulo.                                                                                                                                                                                                            

Rubem Braga adquiriu um tumor na laringe e preferiu não tratar, fator que levou ao seu falecimento aos 77 anos em 19 de dezembro de 1990. No ano seguinte de sua morte, a Secretaria da Cultura de Vitória criou a Lei Rubem Braga (nº 3.730/1991) que concede incentivos fiscais às empresas da cidade que financiam projetos culturais. Em Cachoeiro do Itapemirim, a casa da família Braga é aberta para visitação fazendo parte do trajeto turístico da cidade.                                                                                                                                                                                                               

O autor deixou um legado de mais de 15 mil crônicas escritas durante os 62 anos da sua vida dedicados ao jornalismo.

Um pouquíssimo de Braga 

O Pavão – crônica do livro Ai de ti, Copacabana


Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas.

Eu considerei que este é o luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos. De água e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.

Considerei, por fim, que assim é o amor, oh! minha amada; de tudo que ele suscita e esplende e estremece e delira em mim existem apenas meus olhos recebendo a luz de teu olhar. Ele me cobre de glórias e me faz magnífico.


O Conde e o Passarinho – crônica do livro O Conde e o Passarinho

Acontece que o Conde Matarazzo estava passeando pelo parque. O Conde Matarazzo é um Conde muito velho, que tem muitas fábricas. Tem também muitas honras. Uma delas consiste em uma preciosa medalhinha de ouro que o Conde exibia à lapela, amarrada a uma fitinha. Era uma condecoração (sem trocadilho).

Ora, aconteceu também um passarinho. No parque havia um passarinho. E esses dois personagens – o Conde e o passarinho – foram os únicos da singular história narrada pelo Diário de São Paulo.

Devo confessar preliminarmente que, entre um Conde e um passarinho, prefiro um passarinho. Torço pelo passarinho. Não é por nada. Nem sei mesmo explicar essa preferência. Afinal de contas, um passarinho canta e voa. O Conde não sabe gorjear nem voar. O Conde gorjeia com apitos de usinas, barulheiras enormes, de fábricas espalhadas pelo Brasil, vozes dos operários, dos teares, das máquinas de aço e de carne que trabalham para o Conde. O Conde gorjeia com o dinheiro que entra e sai de seus cofres, o Conde é um industrial, e o Conde é Conde porque é industrial. O passarinho não é industrial, não é 

Conde, não tem fábricas. Tem um ninho, sabe cantar, sabe voar, é apenas um passarinho e isso é gentil, ser um passarinho.

Eu quisera ser um passarinho. Não, um passarinho, não. Uma ave maior, mais triste. Eu quisera ser um urubu.

Entretanto, eu não quisera ser Conde. A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser Conde. Não amo os Condes. Também não amo os industriais. Que eu amo? Pierina e pouco mais. Pierina e a vida, duas coisas que se confundem hoje, e amanhã mais se confundirão na morte.

Entendo por vida o fato de um homem viver fumando nos três primeiros bancos e falando ao motorneiro. Ainda ontem ou anteontem assim escrevi. O essencial é falar ao motorneiro. O povo deve falar ao motorneiro. Se o motorneiro se fizer de surdo, o povo deve puxar a aba do paletó do motorneiro. Em geral, nessas circunstâncias, o motorneiro dá um coice. Então o povo deve agarrar o motorneiro, apoderar-se da manivela, colocar o bonde a nove pontos, cortar o motorneiro em pedacinhos e comê-lo com farofa.

Quando eu era calouro de Direito, aconteceu que uma turma de calouros assaltou um bonde. Foi um assalto imortal. Marcamos no relógio quanto nos deu na cabeça, e declaramos que a passagem era grátis. O motorneiro e o condutor perderam, rápida e violentamente, o exercício de suas funções. Perderam também os bonés. Os bonés eram os símbolos do poder.

Desde aquele momento perdi o respeito por todos os motorneiros e condutores. Aquilo foi apenas uma boa molecagem. Paciência. A vida também é uma imensa molecagem. Molecagem podre. Quando poderás ser um urubu, meu velho Rubem?

Mas voltemos ao Conde e ao passarinho. Ora, o Conde estava passeando e veio o passarinho. O Conde desejou ser que nem o seu patrício, o outro Francisco, o Francisco da Umbria, para conversar com o passarinho. Mas não era aquele, o São Francisco de Assis, era apenas o Conde Francisco Matarazzo. Porém, ficou encantado ao reparar que o passarinho voava para ele. O Conde ergueu as mãos, feito uma criança, feito um santo. Mas não eram mãos de criança nem de santo, eram mãos de Conde industrial. O passarinho desviou e se dirigiu firme para o peito do Conde. Ia bicar seu coração? Não, ele não era um bicho grande de bico forte, não era, por exemplo, um urubu, era apenas um passarinho. 

Bicou a fitinha, puxou, saiu voando com a fitinha e com a medalha.
O Conde ficou muito aborrecido, achou muita graça. Ora essa! Que passarinho mais esquisito!

Isso foi o que o Diário de São Paulo contou. O passarinho, a esta hora assim, está voando, com a medalhinha no bico. Em que peito a colocareis, irmão passarinho? Voai, voai, voai por entre as chaminés do Conde, varando as fábricas do Conde, sobre as máquinas de carne que trabalham para o Conde, voai, voai, voai, voai, passarinho, voai.

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