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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Dora Anderáos



Um Paraíso Ameaçado
O turismo prejudicial em Ilhabela e os impactos sociais que ele traz para a cidade apesar de ser a principal atividade econômica da região.




Há algumas décadas, a cidade de Ilhabela, localizada no litoral norte de São Paulo, era um canto de paz para quem a visitava. Tendo o turismo como principal atividade econômica, nos últimos anos a população observou um aumento drástico na população flutuante (pessoas que só visitam Ilhabela em férias e feriados) da cidade. Dados da Secretaria de Turismo afirmam que na última temporada de verão, sem contar os que descem dos cruzeiros marítmos, 250.000 turistas visitaram Ilhabela de novembro ao final de fevereiro. Entraram, em média, 2.000 carros por dia. Além disso, moradores, comerciantes, hoteleiros e membros da Secretaria do Turismo confirmam que houve uma alteração no perfil socioeconômico deste turista, que não é mais predominante de classes A e B, mas sim, C e D.

O Secretário de Turismo de Ilhabela, Harry Finger, mostra provas dessa alteração. “O que temos para mostrar a alteração no perfil econômico de nosso turista é a prova viva, pois existe uma grande procura por hotéis e pousadas com diária variando nos valores de R$ 100,00 e R$ 200,00. Outro fator visível é o aumento do número de casas alugadas por valores mais baixos que uma pousada. Grupos enormes se hospedam nessas casas, muito maiores do que elas comportam”. Harry acredita que isso ocorreu devido ao aumento no poder de compra das classes econômicas mais baixas. “Com certeza o turismo de Ilhabela mudou e aumentou muito nas últimas décadas. Na minha opinião, essa alteração nos últimos anos se deve ao fato de que a classe C ganhou poder de compra, está mais informada e principalmente, hoje tem condições econômicas para comprar um carro e poder viajar”, afirma.

A dona da loja de prataria Flor do Sol, localizada há doze anos no centro histórico e turístico de Ilhabela, Regina Michel, compartilha da opinião de Harry. “O turista classe média baixa e classe C tem agora acesso à Ilhabela, principalmente através dos cruzeiros marítimos”. Dados da Secretaria de Turismo de Ilhabela mostram que durante a temporada de verão, que vai de Novembro a Abril, a cidade recebe em média 230.000 turistas que descem dos cruzeiros e passam o dia na ilha. “Também percebe-se que diminuiu a frequência do turista classe A, que procura privacidade e exclusividade”, completa Regina.

O problema
As consequências desse aumento desenfreado no número de turistas trazem consequências tanto positivas quanto negativas para a cidade. O aumento do fluxo de pessoas principalmente em época de temporada movimenta a economia, gerando capital para a indústria turística ilhabelense. Por outro lado, o excesso de pessoas sobrecarrega as ruas causando muito trânsito, já que Ilhabela possui poucas vias de tráfego e uma única avenida principal costeando as praias. Além disso, há um aumento na poluição das quarenta e duas praias: um estudo da CETESB mostra que a balneabilidade das praias era de 82% em 2006, número que caiu para 75% em 2007. Harry Finger diz que estão sempre atentos à situação das praias. “A Secretaria de Turismo acompanha de perto a fiscalização das praias e cuida da limpeza do lixo nas trilhas. Dependemos de tudo limpo para que o turista possa aproveitar o máximo da cidade, e quando se tem bandeiras vermelhas (a bandeira vermelha da CETESB simboliza que a água do mar está imprópria, podendo trazer riscos à saúde) como temos agora, momento em que apenas seis de nossas praias têm bandeiras verdes, precisamos estar atentos a tudo que acontece, cobrar e fiscalizar”.

As cachoeiras também sofrem com a poluição. O mesmo estudo da CETESB afirma que 77% do total de rios e córregos estão fora do padrão de tratamento. Segundo os dados da Secretaria de Turismo, a cachoeira dos Três Tombos é a mais visitada, recebendo aproximadamente 18.000 visitantes na temporada de verão.

Entretanto, o cenário fica ainda mais negativo quando levamos em conta o aumento dos turistas com um menor poder aquisitivo. São pessoas que visitam Ilhabela, lotam suas ruas, sujam suas praias e cachoeiras e não contribuem para a economia local. O dono da pousada Manga Rosa, Paulo Eduardo Ceccarelli comenta essa questão. “Sentimos muito a alteração do público turista. Com a melhoria das condições de classes sociais menos favorecidas, temos cada vez mais recebido hóspedes que nunca tinham viajado e se hospedado em uma pousada ou hotel. São pessoas corretas, que vem com seu dinheiro contado, não fazem nada muito além do planejado e também não exigem nada muito além do oferecido.”

Esse público, no final das contas, é prejudicial à cidade, pois a contribuição econômica é mínima e os danos ambientais e de tráfego são ainda mais agravados. Uma pesquisa de opinião dos turistas realizada em 2007 pelo IBOPE para o Instituto Ilhabela Sustentável mostrou que 91% deles afirmaram que voltarão à Ilhabela, 61% acha que a natureza de ilhabela está bem preservada e 40% diz que está totalmente satisfeito com a limpeza e a conservação das praias ilhabelenses. A pesquisa reflete a falta de concientização ambiental dos turistas, já que a sua visão acerca da preservação da natureza local e limpeza das praias não condiz com a realidade.

Os moradores reclamam que a Prefeitura não estimula um turismo que combine com a cidade, que respeite as raízes caiçaras - Ilhabela conta com dezessete comunidades tradicionais caiçaras que vivem da pesca e do artesanato - e que não seja prejudicial ao meio ambiente. Paulo utiliza a Praia do Perequê, localizada no centro comercial da cidade como exemplo. “O destino Ilhabela está cada vez mais conhecido. A gestão atual tem descaracterizado Ilhabela do típico cenário de ilha: aquela paz e tranquilidade com sua rusticidade característica não existem mais. Está tudo muito voltado para o moderno. Posso citar a Praia do Perequê, que mal tem uma calçada para um passeio à beira-mar, mas conta com acessórios para exercícios e iluminação que não tem nada a ver com Ilhabela.”

Claudia Puccetti Fettback, professora de História do Colégio São João Ilhabela, acredita que a Prefeitura deva buscar o perfil de turista que deseja para sua cidade. “As dificuldades na área turística da cidade, em minha opinião, advém de uma falta de clareza do tipo de cliente que a cidade quer. Então, parece que nós últimos dez anos, se atira para todos os lados, sem reconhecer um perfil de visitante que combine com a cidade.” Marcos Cardial, descendente de família caiçara que nasceu e morou durante toda a vida em Ilhabela, concorda com Claudia. “Fica claro que o crescente apelo pela quantidade, juntamente com o desprezo pela qualidade destes turistas, é algo danoso para a estrutura turística em potencial de Ilhabela. Cada vez mais cresce o foco para o lado imaturo e despreparado, potencializando o turismo superficial, banalizando a história, a cultura e as riquezas naturais de nossa cidade”.

O blogueiro de política Kim Borgstrom culpa as últimas administrações por investir no progresso em detrimento do meio ambiente. “Acredito que a decadência do nível turístico que ocorre em Ilhabela é fruto dessa administração que se preocupou apenas em seguir a linha do automóvel e da ampliação urbana, esquecendo-se da importância econômica que também têm nossas áreas verdes, praias e cachoeiras. Vale lembrar um conceito marketista, que cabe à situação: O tipo de cliente que você obterá será sempre fruto daquilo que você investe e transmite para sua empresa”.

Porque isso acontece?
O professor de Geografia e Sociologia do Colégio São João e da rede pública de Ilhabela Fabrício Bueno, formado pela Universidade Estadual de Londrina, explica a dualidade da situação. “Toda cidade que depende do turismo e do dinamismo econômico que esse setor pode trazer precisa desenvolver suas políticas públicas pensando sempre na dualidade que se estabelece entre a infraestrutura para a população local e a que será utilizada pelos turistas. Dessa forma, a gestão atual vem desenvolvendo obras que visam ampliar o fluxo turístico no município, como por exemplo, a ampliação das vias de circulação. Levando em consideração que a receita cambial do turismo no Brasil, segundo seu Ministério, é de 4,316 bilhões de dólares, todos os municípios vão querer uma fatia desse bolo e, para isso, investirão mais nas áreas frequentadas pelos pendulares (pessoas que só visitam as cidades em alta temporada). Com o aumento da classe média e maiores linhas de créditos, houve uma massificação de viagens que antes eram restritas. Há controvérsias em relação aos benefícios dessa massificação; parte dos comerciantes não sentem o retorno desse crescimento econômico que o setor vive, por outro lado, as imobiliárias nunca renderam tanto”.
Qual a solução?
Os comerciantes pedem mais medidas para o aprimoramento do turismo na região. Fábio Negrini, dono do restaurante Max, tradicional em Ilhabela, pede a organização de um calendário de eventos para a cidade, além de investimentos em educação para que a população possa atender o turista com excelência. Regina ressalta a necessidade de estimular o turismo em outras épocas, fora da alta temporada. “Por ser uma cidade de praia, muitas vezes é difícil convencer o turista a frequentar Ilhabela fora da estação de verão. Acontecem picos absurdos com muita gente entre o Ano Novo e o Carnaval e pouquíssimos turistas em Maio, Junho ou Agosto, por exemplo. Por isso é sempre necessário criar eventos ou atrativos fora da alta temporada”.
Além disso, os moradores pedem pelo investimento no turísmo ecológico, conhecido como ecoturismo, um segmento da atividade turística que utiliza de maneira consciente ecologicamente o patrimônio cultural e natural, incentivando a sua conservação e buscando a formação de uma consciência ambiental. “Ilhabela tem como enorme potencial o ecoturismo e existe pouco ou nenhum investimento ná área por parte da administração”, diz Paulo. Marcos concorda. “Torço para que as pessoas envolvidas no cenário turístico invistam no ecoturismo. Afinal, Ilhabela tem uma riqueza quase que inestimável de potencialidades turísticas. Há histórias de piratas, corsários e seus descendentes caiçaras. Temos montanhas, centenas de cachoeiras, dezenas de praias e um imenso parque estadual de Mata Atlântica. Ilhabela está apenas engatinhando no caminho de sua exploração consciente e sustentável”.

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