Um Paraíso Ameaçado
O turismo prejudicial em Ilhabela e os impactos
sociais que ele traz para a cidade apesar de ser a principal atividade
econômica da região.
Há algumas
décadas, a cidade de Ilhabela, localizada no litoral norte de São Paulo, era um
canto de paz para quem a visitava. Tendo o turismo como principal atividade
econômica, nos últimos anos a população observou um aumento drástico na
população flutuante (pessoas que só visitam Ilhabela em férias e feriados) da
cidade. Dados da Secretaria de Turismo afirmam que na última temporada de
verão, sem contar os que descem dos cruzeiros marítmos, 250.000 turistas visitaram Ilhabela de novembro ao
final de fevereiro. Entraram, em média, 2.000 carros por dia. Além
disso, moradores, comerciantes, hoteleiros e membros da Secretaria do Turismo
confirmam que houve uma alteração no perfil socioeconômico deste turista, que
não é mais predominante de classes A e B, mas sim, C e D.
O Secretário de Turismo de Ilhabela, Harry Finger, mostra provas dessa
alteração. “O que temos para
mostrar a alteração no perfil econômico de nosso turista é a prova viva, pois
existe uma grande procura por hotéis e pousadas com diária variando nos valores
de R$ 100,00 e R$ 200,00. Outro fator visível é o aumento do número de casas
alugadas por valores mais baixos que uma pousada. Grupos enormes se hospedam
nessas casas, muito maiores do que elas comportam”. Harry acredita que
isso ocorreu devido ao aumento no poder de compra das classes econômicas mais
baixas. “Com certeza o
turismo de Ilhabela mudou e aumentou muito nas últimas décadas. Na minha
opinião, essa alteração nos últimos anos se deve ao fato de que a classe C
ganhou poder de compra, está mais informada e principalmente, hoje tem
condições econômicas para comprar um carro e poder viajar”, afirma.
A dona da loja de
prataria Flor do Sol, localizada há doze anos no centro histórico e turístico
de Ilhabela, Regina Michel, compartilha da opinião de Harry. “O turista classe
média baixa e classe C tem agora acesso à Ilhabela, principalmente através dos
cruzeiros marítimos”. Dados da Secretaria de Turismo de Ilhabela mostram que
durante a temporada de verão, que vai de Novembro a Abril, a cidade recebe em
média 230.000 turistas que descem dos cruzeiros e passam o dia na ilha. “Também
percebe-se que diminuiu a frequência do turista classe A, que procura
privacidade e exclusividade”, completa Regina.
O problema
As consequências desse aumento desenfreado
no número de turistas trazem consequências tanto positivas quanto negativas
para a cidade. O aumento do fluxo de pessoas principalmente em época de
temporada movimenta a economia, gerando capital para a indústria turística
ilhabelense. Por outro lado, o excesso de pessoas sobrecarrega as ruas causando
muito trânsito, já que Ilhabela possui poucas vias de tráfego e uma única
avenida principal costeando as praias. Além disso, há um aumento na poluição
das quarenta e duas praias: um estudo da CETESB mostra que a balneabilidade
das praias era de 82% em 2006, número que caiu para 75% em 2007. Harry Finger
diz que estão sempre atentos à situação das praias. “A Secretaria de Turismo acompanha de perto a
fiscalização das praias e cuida da limpeza do lixo nas trilhas. Dependemos de
tudo limpo para que o turista possa aproveitar o máximo da cidade, e quando se
tem bandeiras vermelhas (a bandeira vermelha da CETESB simboliza que a água do
mar está imprópria, podendo trazer riscos à saúde) como temos agora, momento em
que apenas seis de nossas praias têm bandeiras verdes, precisamos estar atentos
a tudo que acontece, cobrar e fiscalizar”.
As cachoeiras também sofrem com a
poluição. O mesmo estudo da CETESB afirma que 77% do total de rios e
córregos estão fora do padrão de tratamento. Segundo os dados da Secretaria de Turismo, a cachoeira dos
Três Tombos é a mais visitada, recebendo aproximadamente 18.000 visitantes na
temporada de verão.
Entretanto, o cenário fica ainda
mais negativo quando levamos em conta o aumento dos turistas com um menor poder
aquisitivo. São pessoas que visitam Ilhabela, lotam suas ruas, sujam suas
praias e cachoeiras e não contribuem para a economia local. O dono da pousada
Manga Rosa, Paulo Eduardo Ceccarelli comenta essa questão. “Sentimos muito a
alteração do público turista. Com a melhoria das condições de classes sociais
menos favorecidas, temos cada vez mais recebido hóspedes que nunca tinham
viajado e se hospedado em uma pousada ou hotel. São pessoas corretas, que vem
com seu dinheiro contado, não fazem nada muito além do planejado e também não
exigem nada muito além do oferecido.”
Esse público, no final das contas,
é prejudicial à cidade, pois a contribuição econômica é mínima e os danos
ambientais e de tráfego são ainda mais agravados. Uma pesquisa de opinião dos
turistas realizada em 2007 pelo IBOPE para o Instituto Ilhabela Sustentável
mostrou que 91% deles afirmaram que voltarão à Ilhabela, 61% acha que a
natureza de ilhabela está bem preservada e 40% diz que está totalmente satisfeito
com a limpeza e a conservação das praias ilhabelenses. A pesquisa reflete a
falta de concientização ambiental dos turistas, já que a sua visão acerca da
preservação da natureza local e limpeza das praias não condiz com a realidade.
Os moradores reclamam
que a Prefeitura não estimula um turismo que combine com a cidade, que respeite
as raízes caiçaras - Ilhabela conta com dezessete comunidades tradicionais caiçaras que vivem da
pesca e do artesanato - e que não seja prejudicial ao meio ambiente.
Paulo utiliza a Praia do Perequê, localizada no centro comercial da cidade como
exemplo. “O destino Ilhabela
está cada vez mais conhecido. A gestão atual tem descaracterizado Ilhabela do
típico cenário de ilha: aquela paz e tranquilidade com sua rusticidade característica
não existem mais. Está tudo muito voltado para o moderno. Posso citar a Praia
do Perequê, que mal tem uma calçada para um passeio à beira-mar, mas conta com
acessórios para exercícios e iluminação que não tem nada a ver com Ilhabela.”
Claudia Puccetti Fettback,
professora de História do Colégio São João Ilhabela, acredita que a Prefeitura
deva buscar o perfil de turista que deseja para sua cidade. “As dificuldades na
área turística da cidade, em minha opinião, advém de uma falta de clareza do
tipo de cliente que a cidade quer. Então, parece que nós últimos dez anos, se
atira para todos os lados, sem reconhecer um perfil de visitante que combine
com a cidade.” Marcos Cardial, descendente de família caiçara que nasceu e
morou durante toda a vida em Ilhabela, concorda com Claudia. “Fica claro que o
crescente apelo pela quantidade, juntamente com o desprezo pela qualidade
destes turistas, é algo danoso para a estrutura turística em potencial de
Ilhabela. Cada vez mais cresce o foco para o lado imaturo e despreparado,
potencializando o turismo superficial, banalizando a história, a cultura e as
riquezas naturais de nossa cidade”.
O blogueiro de política Kim
Borgstrom culpa as últimas administrações por investir no progresso em
detrimento do meio ambiente. “Acredito que a decadência do nível turístico que
ocorre em Ilhabela é fruto dessa administração que se preocupou apenas em
seguir a linha do automóvel e da ampliação urbana, esquecendo-se da importância
econômica que também têm nossas áreas verdes, praias e cachoeiras. Vale lembrar
um conceito marketista, que cabe à situação: O tipo de cliente que você obterá
será sempre fruto daquilo que você investe e transmite para sua empresa”.
Porque isso acontece?
O professor de Geografia e
Sociologia do Colégio São João e da rede pública de Ilhabela Fabrício Bueno,
formado pela Universidade Estadual de Londrina, explica a dualidade da
situação. “Toda cidade que depende do turismo e do dinamismo econômico que esse
setor pode trazer precisa desenvolver suas políticas públicas pensando sempre
na dualidade que se estabelece entre a infraestrutura para a população local e
a que será utilizada pelos turistas. Dessa forma, a gestão atual vem
desenvolvendo obras que visam ampliar o fluxo turístico no município, como por
exemplo, a ampliação das vias de circulação. Levando em consideração que a
receita cambial do turismo no Brasil, segundo seu Ministério, é de 4,316
bilhões de dólares, todos os municípios vão querer uma fatia desse bolo e, para
isso, investirão mais nas áreas frequentadas pelos pendulares (pessoas que só
visitam as cidades em alta temporada). Com o aumento da classe média e maiores
linhas de créditos, houve uma massificação de viagens que antes eram restritas.
Há controvérsias em relação aos benefícios dessa massificação; parte dos
comerciantes não sentem o retorno desse crescimento econômico que o setor vive,
por outro lado, as imobiliárias nunca renderam tanto”.
Qual a solução?
Os comerciantes pedem mais medidas
para o aprimoramento do turismo na região. Fábio Negrini, dono do restaurante
Max, tradicional em Ilhabela, pede a organização de um calendário de eventos
para a cidade, além de investimentos em educação para que a população possa
atender o turista com excelência. Regina ressalta a necessidade de estimular o
turismo em outras épocas, fora da alta temporada. “Por ser uma cidade de praia,
muitas vezes é difícil convencer o turista a frequentar Ilhabela fora da
estação de verão. Acontecem picos absurdos com muita gente entre o Ano Novo e o
Carnaval e pouquíssimos turistas em Maio, Junho ou Agosto, por exemplo. Por
isso é sempre necessário criar eventos ou atrativos fora da alta temporada”.
Além disso, os moradores pedem
pelo investimento no turísmo ecológico, conhecido como ecoturismo, um segmento
da atividade turística que utiliza de maneira consciente ecologicamente o
patrimônio cultural e natural, incentivando a sua conservação e buscando a
formação de uma consciência ambiental. “Ilhabela tem como enorme potencial o
ecoturismo e existe pouco ou nenhum investimento ná área por parte da
administração”, diz Paulo. Marcos concorda. “Torço para que as pessoas
envolvidas no cenário turístico invistam no ecoturismo. Afinal, Ilhabela tem
uma riqueza quase que inestimável de potencialidades turísticas. Há histórias
de piratas, corsários e seus descendentes caiçaras. Temos montanhas, centenas
de cachoeiras, dezenas de praias e um imenso parque estadual de Mata Atlântica.
Ilhabela está apenas engatinhando no caminho de sua exploração consciente e
sustentável”.
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