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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Nathalia Aguiar


Quem nunca colecionou
que atire a primeira moeda

Nathália Aguiar




            Criado com o intuito de atribuir valor a um bem, o dinheiro é o símbolo de troca atual. Substituindo a prática do escambo, no qual uma mercadoria era trocada por outra, moedas e cédulas são as mediadoras do processo de compra e venda de bens e serviços. Desde o reinado de D. Pedro II diversas moedas circularam no Brasil, como os cruzeiros e cruzados. Ao mudar o dinheiro do país, as antigas cédulas e moedas em curso perdem seu valor monetário e, assim, são descartadas pela população. Porém, há muitos que se interessam pelo obsoleto e atribuem a ele valores atemporais: o histórico e o sentimental. É o caso dos colecionadores.
            Para eles, tudo pode ser motivo de contemplação: selos, revistas, brinquedos, discos, carros ou o que a imaginação permitir. Colecionar, segundo o dicionário é o ato de reunir, armazenar e acumular em coleção. Considerada uma prática cultural que desenvolve o aprendizado, o colecionismo ultrapassa a barreira do ‘hobby’ e atinge o patamar de ciência. Transmitida geneticamente ou adquirida durante a vida, a vontade de colecionar não depende de gênero, classe social ou faixa etária. As coleções particulares foram essenciais para o surgimento dos grandes acervos mundiais, inclusive as de moedas e cédulas antigas.
A ciência que estuda as moedas chama-se Numismática, embora o nome seja empregado, atualmente, ao ato de colecionar tais objetos. Praticada pelos aristocratas do Império Romano, essa arte possui um grande valor de testemunho histórico. O que para alguns é considerado apenas um instrumento de troca, para outros, o dinheiro antigo é o responsável por abranger os mais variados campos. Através dele é possível estudar brasões, inscrições antigas, civilizações, a evolução da arte e do metal, a história e a geografia dos países, além da economia de cada época.
Colecionar moedas e cédulas é o mesmo que ter uma fonte inesgotável de informação. Por meio da Numismática pode-se passear pela história, resgatar memórias perdidas e eternizar o passado. O colecionismo permite o acúmulo de valores que, consequentemente, gera riqueza, seja da natureza que for. O sujeito que coleciona vê valores muitas vezes despercebidos pela maioria das pessoas. Dessa forma, é inevitável para o colecionador a vontade de transmitir seu legado aos filhos e netos. O incentivo familiar geralmente é fator preponderante para despertar o interesse e a paixão pela arte de acumular.

            Anualmente ocorre o Congresso Brasileiro de Numismática. Famoso pela quantidade de peças raras expostas, colecionadores do Brasil inteiro se reúnem com o intuito de completar a coleção ou em busca de um bom negócio ao vender moedas únicas. Em sua 26ª edição, o Congresso aconteceu no final de novembro do ano passado e apresentou artigos curiosos: moedas com cheiro, com imagens holográficas, em forma de guitarra e carros antigos. Além das novidades, raridades como a primeira moeda cunhada no mundo e cédulas com e sem defeitos estavam entre as mais procuradas. Embora o Congresso seja o evento que reúna a maior quantidade de colecionadores, semanalmente ocorrem encontros entre eles por meio de feiras.

 

Garimpando história em São Paulo
Desde 1982 os domingos são agitados na Praça Dom Orione, localizada na região da Bela Vista. Inicialmente presume-se que o motivo de tal alvoroço sejam as tradicionais e apetitosas cantinas italianas do Bixiga. No entanto, o mérito é da Feira de Antiguidades, conhecida pela diversidade das quinquilharias vendidas. José de Almeida, colecionador há 16 anos, visita a Feira do Bixiga ao menos duas vezes por mês. Apaixonado por história, o administrador de 38 anos se interessou pela Numismática por intermédio de um colega de trabalho. “É uma arte que traz desafios. Uma pessoa pode achar que conseguiu acumular todas as cédulas de cruzeiro, por exemplo, mas descobre que há 14 variações na [cédula] de cinco cruzeiros”, relata.
Há quem colecione por temas como, por exemplo, países, épocas, pelo tipo de valor da cédula ou por ministros. José de Almeida coleciona exclusivamente cédulas e, atualmente, sua coleção tem cerca de 800 exemplares. Enquanto procura novas peças numa pasta exposta, diz: “Tenho cédulas de Portugal, da Argentina, da França, da Espanha e de muitos outros países”. Todo ano, José viaja para o exterior e aproveita a oportunidade para adquirir novas cédulas velhas. Seus filhos de cinco e oito anos normalmente viajam com o pai e já demonstram interesse: “Eles me perguntam o porquê das cores, formatos e imagens”, conta com um orgulho típico de pai.
Semanalmente colecionadores e apreciadores de artigos retrô reunem-se também no coração de São Paulo. Localizada no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP), a Feira de Antiguidades da Paulista é conhecida por aglomerar aos domingos cerca de cinco mil visitantes. Organizada em fileiras, a eclética Feira é formada por barracas que vendem as mais variadas peças, desde miniaturas, porcelanas, joias e tapetes até raríssimas moedas e cédulas. Há visitantes de todas as idades, embora a maioria seja composta por famílias. No ambiente, o novo e o velho coexistem: cédulas de real são trocadas por objetos ou por moedas centenárias, enquanto adolescentes dividem o espaço com senhores saudosistas.
Acompanhado de sua mãe, Leandro Antunes comprava sua primeira moeda com o intuito de dar início a sua coleção. Andando por entre as barracas do vão livre do MASP, o garoto de 14 anos não sabia explicar como nasceu o desejo de colecionar, mas garante que acumulará o máximo de moedas que puder para mostrar à próxima geração da sua família. Karla Antunes, mãe do estudante, considera importante incentivá-lo a entrar no mundo da Numismática: “Não temos nenhum colecionador na família que tivesse mostrado a ele alguma moeda antiga. Acho interessante porque a vontade partiu dele, não foi algo imposto”, relata.
Dono de uma das tendas mais agitadas da Feira de Antiguidades da Paulista, Tony Yan exibe sua vasta e rara coleção. Centenas de moedas e cédulas, preservadas em plásticos e catalogadas em grandes pastas, despertam a curiosidade de quem passa. Aos 66 anos de idade, Tony enche-se de orgulho ao contar que coleciona desde os oito anos. A paixão pela Numismática veio de família: tanto o avô quanto o pai eram ávidos colecionadores. Perguntado sobre o perfil dos que se interessam por dinheiro antigo, Tony é enfático: “A grande maioria são homens pelo fato de eles pensarem em patrimônio, ao contrário das moças”.
Para ele, colecionar pressupõe cultura e resulta numa ampliação do conhecimento, pois as moedas e cédulas carregam consigo mais informação do que os leigos possam supor. No entanto, ao longo dos anos, Tony Yan vem observando uma transformação no mercado. “Houve uma mudança negativa, a juventude atual é menos culta e não se interessa por assuntos relacionados à cultura geral. Só querem status social”, desabafa. O experiente colecionador e vendedor relata que muitos se aproximam de sua banca por curiosidade: “Eles querem uma moedinha simples para recordação, não compram peças caras. Dificilmente alguém vem aqui para adquirir uma cédula que só eu tenho e que, por isso, é cara”.
Em uma barraca próxima a de Tony, Thiago Juarez traz consigo um saco cheio de moedas antigas. O economista de 29 anos negocia com o dono da tenda, um senhor de 63 anos que insiste em não atender a proposta inicial de Thiago. “Faz três semanas que estou tentando vendê-las. Não achei que os compradores seriam tão exigentes”, conta decepcionado. Thiago herdou as moedas de seu avô e a partir dos 10 anos se interessou pela Numismática. Manteve a coleção familiar até o momento em que percebeu que o colecionismo exigia tempo, dinheiro e paixão e, não possuindo nenhum dos fatores em quantidade suficiente, optou pela venda das moedas.

O outro lado da moeda
O senso comum idealiza o colecionador: todos são eternos apaixonados que, em busca do artigo mais raro, tornam-se capazes de gastar fortunas. Mas nem só de paixão vive o homem. Pelo ponto de vista comercial, a Numismática é também uma forma de investimento e de reserva de valores. A cada ano uma moeda ou cédula antiga tem seu preço elevado. Sendo assim, colecionar passa a ser não só uma paixão, mas uma forma de investimento. Apesar do amor que sente pelo colecionismo, Tony Yan admite que seja também uma maneira de aplicar dinheiro. De acordo com ele, a Numismática “é tanto paixão quanto investimento, pois dentro do colecionismo se procura as peças mais raras pensando na satisfação pessoal, mas sem esquecer a valorização que sofrerá ano após ano”.
            Já o colecionador José de Almeida é mais apegado a sua coleção: “Recebi algumas propostas, mas não penso em vender cédula alguma. Dinheiro nenhum é capaz de comprar a história que cada uma delas carrega”. Ao longo dos anos, o experiente Tony relata que muitos de seus clientes compravam pensando somente no investimento. Ele diz que a lógica desses investidores é simples: “Economizando uma pizza por mês, eles conseguem comprar moedas de grande valor no final do ano. Com isso, as vendem após certo tempo e dão entrada num carro, por exemplo”. O vendedor explica que há moedas que custam 400 mil e até um milhão e meio de reais. Para ele, torna-se difícil pensar somente na paixão quando uma única moeda vale um apartamento de luxo.

Colecionar: uma arte elitista?
            Leigos normalmente têm a impressão de que colecionar é uma atividade cara. Ao contrário do que se imagina, a Numismática é, de certo modo, democrática. O colecionador escolhe o foco de sua coleção e pode optar pelas moedas e cédulas mais caras ou não. O jovem Leandro Antunes, colecionador primário, busca as moedas de menor valor e não encontrou dificuldade em achá-las. Segundo a mãe de Leandro “tem para todo tipo de bolso. Não ser milionário não impede ninguém de se tornar colecionador.”
            O comerciante e colecionador Tony Yan compartilha da mesma opinião. Para ele, é uma questão de prioridade pessoal. “Uns acumulam dinheiro e compram roupas e carros caros enquanto outros, possuindo cultura, preferem a Numismática”, ressalta Tony. Embora qualquer um possa adentrar ao mundo das moedas e cédulas antigas, as raras são preferência dos mais endinheirados. Em sua tenda, Tony Yan mostra uma coleção de moedas limitadas feitas em homenagem às plantas mais conhecidas do mundo. São moedas com cheiros que representam, por exemplo, a palmeira e a maconha. Quando questionado sobre a moeda mais rara que possui, Tony Yan é enfático: “[a mais rara] é a que eu não tenho”.
Colecionar é diversão séria. Numa época de instantaneidade, em que o novo torna-se obsoleto em fração de segundos, ainda há quem se interesse pelo velho. A fugacidade dos tempos contemporâneos não impede que alguns acumulem um dinheiro cujo valor, teoricamente, foi perdido. Seja por sentimento ou por lucro, os colecionadores fazem muito mais do que acumular velharias em desuso: conservam fragmentos do passado e possibilitam uma melhor compreensão do presente. Definitivamente, é uma paixão que vale muito. 

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