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sábado, 20 de abril de 2013

Reportagem Temática - Juliana Ortega


Bola, torcida, segurança. Substantivos femininos.
Juliana Ortega de Moraes



Enquanto o futebol se firmava em solos brasileiros lá estavam elas, nas arquibancadas, presenciando os toques da bola comandada pelas elites. Hoje, após um século e muitas mudanças, elas voltam a ocupar seu lugar no esporte mais popular do país. A cada temporada vozes femininas ecoam mais alto nas torcidas, mostrando a quem quiser ver que estão ali. Contudo, ainda há quem não enxergue e com isso coloque em risco não só o encanto do jogo como também o encanto da vida.
Tragédias recentes, como a morte do garoto Kevin Espada, 14 anos, que perdeu a vida ao ser atingido por um sinalizador disparado pela torcida do Corinthians durante o jogo entre a equipe paulista e o San José, pela Libertadores da América, trouxeram à mídia discussões sobre a violência no torcer que vem distorcendo o futebol.  No entanto, um aspecto que tanto tem a dizer sobre a bola rolada no Brasil atual não foi sequer citado nesses debates: a presença da mulher nos estádios e as adaptações da segurança para acompanhar esse crescimento do público feminino.
“Nunca na história do futebol a participação das mulheres foi tão grande e significativa.” As palavras são de Leda Maria da Costa, pesquisadora vascaína e autora do estudo "Lugar de mulher é nas arquibancadas”. Embora seja difícil precisar o número de mulheres presentes nos estádios hoje, alguns aspectos podem indicar a realidade do crescimento no público feminino. Primeiramente, os estádios recebem cada vez mais mulheres em suas arquibancadas. Em segundo lugar, o aumento no número de associadas à torcidas organizadas, tanto que algumas passaram a possuir facções inteiramente femininas, como a Dragões da Real, do São Paulo, a Galoucura, do Atlético Mineiro e a Jovem Fla, do Flamengo. Em terceiro, a iniciativa dos próprios clubes em criar linhas de vestuário dedicadas a atender essa demanda feminina que vinha aumentando.
De acordo com Heloísa Reis, ex-jogadora e atual pesquisadora de aspectos sociais do futebol, o Estatuto do Torcedor, em vigor desde 2003, fez crescer a presença de mulheres nos estádios, especialmente de esposas e filhas. A corintiana Vera Lúcia Ferrari Rivelini, 24 anos, ressalta a presença das mulheres nos estádios: “Normalmente tem bastante mulher. É bem diferente daquilo que você imagina se nunca foi em um jogo. Essa ideia de que em estádio só tem homem. Tem muita mulher, muita criança”.
“Há um sensível desgaste nessa ideia de que futebol é coisa de homem, pois é muito difícil repetir essa sentença sem vê-la contestada pelo razoável número de mulheres que atuam como profissionais ou que fazem do futebol um lazer para seus momentos de folga”, afirma a pesquisadora Leda. “O aumento da participação feminina vem desmistificando essas informações, tornando-as alvo de ampla contestação. Mesmo assim ainda é possível perceber a permanência de opiniões e visões que enxergam a mulher como elemento ainda pouco integrado ao universo futebolístico”, completa.
E são essas visões que tiram de vista um aspecto fundamental na organização dos jogos e prevenção da violência no esporte: a presença da mulher nos jogos. Criado em 2003, o Estatuto do torcedor tem como função principal garantir a segurança e o respeito para com o torcedor de esportes praticados no Brasil. É lei que, na teoria, traria de volta a segurança de que carece não só o futebol, como tantas outras modalidades. Traria de volta os torcedores, o ambiente familiar.
Contudo, o futebol explica o Brasil em diversos aspectos. E nesse infelizmente isso novamente ocorre. O não cumprimento normas contidas no Estatuto do Torcedor ou seu cumprimento parcial faz com que pouco seja alterado no quadro de violência no esporte. Uma dessas normas tem ligação direta com o público feminino que frequenta os jogos. E o motivo da fragilidade em sua eficácia tem ligação ao fato dos organizadores dos jogos não liga-la a esse público. Trata-se da revista pessoal de prevenção e segurança, que de acordo com o estatuto, deveria condicionar o acesso e permanência dos torcedores no estádio.
No entanto, em alguns jogos do campeonato Paulista, não se verifica a presença de policias femininas para que as torcedoras que compareçam ao jogo possam ser revistadas. Dessa maneira, elas entram no estádio sem que haja nenhum tipo de controle ou fiscalização dos objetos que portam.
Disputado pela Série A-2 do Paulista, o jogo entre Juventus e Rio Branco, ocorrido na Rua Javari em 06 de fevereiro de 2013, não contou com policiamento feminino. Mesmo portanto bolsas convencionais, as mulheres tiveram livre acesso às dependências do estádio, sem que houvesse nem ao menos uma vistoria naquilo que carregavam consigo dentro das bolsas. Ao questionar o policial que realizava a revista nos torcedores que chegavam sobre a presença de uma policial para que eu pudesse ser revistada, recebi orientação para adentrar, sem necessidade de mostrar nada daquilo que estava portando.
Algo semelhante ocorreu no jogo entre Palmeiras B e Internacional de Limeira, no dia 03 de abril de 2013, pela série A-3 no campeonato regional, também na Rua Javari, porém agora com mando de campo da equipe do Palmeiras. Desta vez, o jogo contava com apenas seis policiais, sendo três deles responsáveis pela segurança da arbitragem, permanecendo ao lado do campo durante toda a partida e os demais encarregados da vistoria, sendo obrigados a ficar na entrada até o término do primeiro tempo, quando se fecha os portões. Dessa forma, as arquibancadas ficam sem qualquer tipo de supervisão policial durante metade do jogo. Nessa partida, como portava uma mochila, foi solicitado que mostrasse o seu conteúdo aos policiais presentes antes de entrar, contudo, as demais mulheres que não levavam bolsas consigo entraram sem que fossem abordadas.
Apesar de não haver revista, durante os dois jogos realizados na Rua Javari foram transmitidas mensagens que visavam “educar” o torcedor, advertindo sobre a ilegalidade de atirar objetos ao campo e promover brigas dentro e fora do estádio, lembrando que o verdadeiro papel do torcedor e incentivar e torcer pelo seu time do coração.
Se alguém poderia argumentar que a ausência de policiais femininas se deve ao fato de se tratarem de jogos tidos como pequenos, o argumento é quebrado a partir da seguinte observação: no jogo ocorrido entre Corinthians e Penapolense, no estádio do Pacaembu em 27 de março de 2013, com mando de campo do gigante da capital. A diferença entre este jogo e os dois anteriores consiste na existência parcial de revista feminina nesta partida: havia policiamento feminino, mas este se concentrava apenas nas entradas das arquibancadas. A torcedora Vera Lúcia, que assistiu ao jogo nas cadeiras numeradas, conta que pela primeira vez não foi revistada ao entrar no estádio. Das outras vezes que foi a jogos do Corinthians, ela ficou nas arquibancadas.
De acordo com o relato da corintiana, havia muitas mulheres no jogo em questão, porém, ela não observou nenhum tipo de tumulto durante o jogo. O homem que a acompanhou ao jogo passou por revista completa antes de adentrar o estádio. Ao ser questionada se acreditava que a falta de policiamento feminino poderia colaborar com a violência ela diz que “pode, claro! Porque se eles (torcedores) sabem que está em falta (o policiamento feminino), podem pedir pra namorada guardar alguma coisa, algum objeto que machuque, o que pode aumentar a violência.” Contudo, ela não vê o jogo como o momento em que a violência mais se manifesta. “Particularmente, eu acredito que as brigas ocorrem mais fora do estádio.”
Vera ainda alerta para outro fato. Mesmo quando presentes, as policiais estão sempre em menor número do que os homens. Sendo assim, a aglomeração de pessoas acaba sendo maior, resultando em uma revista muito superficial. Foi o que aconteceu no jogo entre Corinthians e Oeste, em 3 de fevereiro de 2013, pelo Campeonato Paulista. A partida, marcada pela estreia do atacante Alexandre Pato com a camisa do clube, levou mais de 33 mil torcedores ao Pacaembu.
As experiências de Vera Lúcia ilustram a explicação dada por um Policial Militar que participa da segurança nos estádios em dias de jogo e que pediu para não ser identificado na matéria. Segundo ele, a presença de policiamento feminino depende da requisição para o evento desportivo em questão. “Normalmente, a cada 100 policiais enviados, 90 são homens e apenas 10 são mulheres”. O policial explica que estas mulheres que vão para os jogos são distribuídas pelas entradas principais, consideradas mais vulneráveis à violência. Dessa maneira, as entradas para as arquibancadas numeradas não são prioridade para o policiamento. “Nas entradas superiores, que recebem um público diferenciado, não é qualquer menina que entra portando alguma coisa”, diz ele. Os valores dos ingressos para cadeiras numeradas são muito elevados quando comparados aos valores das arquibancadas.
Uma alternativa para a falta de policiamento feminino em dias sem grandes fluxos de pessoas seriam os detectores de metal, sugere Vera. Ainda assim, um outro problema aparece na ausência de revista em mulheres. Em 2011 uma nova cláusula foi adicionada ao Estatuto do Torcedor. A partir de então, torcedores que se envolvessem em atos de violência, após serem julgados pelo TJD, passariam a fazer parte de uma lista que contém nomes impedidos de comparecer ao local do evento desportivo. Essa lista deveria estar disponível no site das federações responsáveis pelos eventos e fixada junto às entradas dos estádios.
No entanto, os próprios nomes aparecem de forma desorganizada e de difícil localização nos sites. O cumprimento da medida, por sua vez, encontra dificuldades por dois motivos básicos: o primeiro, os indivíduos impedidos de comparecer aos estádios não são obrigados a se apresentar em uma delegacia durante o horário dos jogos. Segundo, não há controle por documentos na entrada dos jogos. Assim, 90% dos casos de retenção se dão através do reconhecimento facial daqueles que não podem frequentar jogos por parte dos policiais, que já os conhecem de outros episódios. Assim, visto que há a presença do nome de mulheres na lista, a ausência de policiamento feminino facilita para que essas torcedoras que já se envolveram em casos de violência voltem a entrar nos estádios enquanto estão cumprindo pena.
O Estatuto do Torcedor define como responsáveis pela segurança dos jogos o Poder Público, as Federações e Confederações e o Clube que atua como mandante no jogo em questão. Ao ser questionada sobre a ausência de policiamento feminino no jogo do Palmeira B, a Sociedade Esportiva Palmeiras atribuiu a responsabilidade do fato ao Batalhão de Choque, entidade da Polícia Militar que realiza o policiamento em eventos desportivos, e afirmou que desconhecia o fato até então, prometendo tomar providências que possam suavizar esta falha na segurança. O Sport Club Corinthians Paulista não quis se manifestar sobre o assunto. Até o fechamento desta matéria nem o Clube Atlético Juventus, nem o Batalhão de Choque da Polícia Militar havia emitido resposta.
100 anos. E nesse tempo, o que eu fiz?
Leda Maria da Costa, em seu estudo sobre a mulher na torcida apresenta quatro fases distintas do papel da mulher na torcida.
Anos 10 e 20 – A chegada dos esportes às cidade trouxe à mulher uma nova possibilidade de exibição. Enquanto os rapazes das elites jogavam, elas ficavam à beira do campo assistindo. A presença de senhoritas da alta sociedade ajudou a associar o futebol à elegância, tranquilidade e beleza. Conforme o esporte foi se popularizando, as mulheres foram se afastando.
Anos 40 – Marcada pela formação de agrupamentos de torcedores, a década de 40 conheceu mulheres que se destacaram em meio a um ambiente já masculino como Elisa, torcedora do Corinthians, e Dulce Rosalina, do Vasco da Gama.
Anos 80 – Devido ao aumento da violência praticada pelas organizadas, o que viu-se nesse período foi o maior afastamento da mulher dos estádios na história do esporte no Brasil.
Período atual – Considerado o período de maior e mais significante participação da mulher no futebol, com crescimento constante do número de mulheres nos estádios. 

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