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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Sophia Winkel


O valor do conhecimento  


As vitrines são disputadas por olhares curiosos que se empenham em encontrar produtos atraentes. Dessa vez, essa não é a descrição de uma loja em promoção dentro de um centro comercial espalhados pela cidade. São as bancas de livros Pague Quanto Você Acha Que Vale que fazem com que essa cena se repita diversas vezes ao dia em São Paulo. O projeto disponibiliza bancas em diferentes Estações de Metrô que possibilitam a venda de livros por, no mínimo, dois reais (as máquinas não aceitam moedas). É evidente a proposta de acesso à cultura. Por outro lado, resta a dúvida sobre a eficácia da proposta e sobre como se dá esse consumo de conhecimento. As pessoas compram por interesse ou porque podem pagar pouco pela leitura?
Pague Quanto Você Acha Que Vale
O projeto em questão foi criado há mais de 10 anos pela empresa 24X7, que ainda é responsável pelas bancas. Segundo Fabio Bueno Netto, proprietário da empresa, não há doações. Todos os exemplares oferecidos nas bancas são comprados e previamente selecionados de modo a restringir conteúdos pornográficos ou que sejam nocivos aos direitos humanos. As vendas são lucrativas e mais frequentes nas estações centrais da cidade.
Netto afirma que há mais clientes novos (normalmente compram o primeiro livro por impulso ou curiosidade, segundo ele) do que recorrentes, mas não é possível traçar um perfil do seu público. Ele estima que as vendas sejam aproximadamente 80 mil livros por mês sendo que nos últimos 12 meses, foram vendidos 1 milhão de exemplares. Quando abordado sobre o real impacto do projeto na vida das pessoas que usam o transporte público na cidade, o empresário respondeu que “O impacto é muito grande. Há outros micros projetos que não possuem a mesma visibilidade que o nosso. Já vendemos mais de 2,5 milhões de exemplares ao todo e esse valor é muito significativo. Depois que alguém compra um livro a percepção de mundo da pessoa muda”, explica.
O idealizador do Pague Quanto Você Acha Que Vale comentou também sobre uma das dificuldades que enfrentou durante a implantação do projeto. Netto diz que o ex- Secretário Estadual dos Transportes Metropolitanos José Luiz Portella solicitou a retirada das máquinas das estações sob a justificativa de que atrapalhavam o fluxo de pessoas nas plataformas. Segundo ele, por causa dessa medida, boa parte do faturamento inicial foi prejudicada. Quando procurada, a assessoria de imprensa do ex-secretário relatou que Portella sempre foi a favor das “bibliotecas” e a “biblioteca” cresceu muito durante sua gestão. Informou também que, infelizmente, ele não sabe dizer como está esse projeto atualmente.
O embate foi resolvido no passado e as bancas marcam presença nas estações. O projeto é fantástico ao ver de Janaína da Costa Pereira, 42 anos. Ela crê que as bancas facilitam o acesso à leitura, não só pelos valores - que são mais baixos até mesmo comparando aos encontrados nos sebos - mas porque disponibilizam livros no espaço comum. “Nós que trabalhamos o dia todo, muitas vezes não temos tempo para ir às livrarias. Não precisar se deslocar e ainda assim poder comprar livros entre a minha casa e o meu trabalho é um dos pontos positivos dessas bancas”, afirma Janaína.
Outro ponto positivo está no sistema operante que facilita a compra dos exemplares. O procedimento é muito simples: escolhidos título e valor, é só inserir a cédula de qualquer valor no local indicado, digitar o número correspondente ao livro desejado e o exemplar cai automaticamente no compartimento de descarga. Então, basta pegá-lo por meio de uma gaveta. Ou seja, em segundos, é possível efetuar a compra e iniciar a leitura. A máquina não aceita moedas, não dá troco, informa que o índice de erros é 0,07% bem como o número de telefone do Serviço ao Consumidor.

Preferências e interesses
“Entre os livros preferidos estão os clássicos”, segundo Reinaldo Júnior, funcionário da empresa. Ele que abastece duas vezes ao dia algumas das máquinas de livros espalhadas por São Paulo.  Minutos depois, Cláudio Rodrigues, 41 anos, compra um exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas, do autor Machado de Assis, para presentear uma amiga cujo filho prestará vestibular ainda este ano.
As leituras obrigatórias exigidas pelos principais vestibulares do estado ser facilmente encontradas nas bancas, mas há alguns títulos que não agradam aos consumidores. As opções se misturam nas vitrines: Nietzsche, Maquiavel, Platão, Diderot, Sun Tzu, livros de autoajuda, guias desatualizados, manuais de informática, biografias, livros infantis.  Essa grande diversidade, nem sempre conquista Stephanie Santos, 20 anos, por exemplo. Ela diz que há livros bons e livros ruins, “Procuro sempre dar uma olhada quando passo por aqui, tem que saber selecionar”, justifica.
O interesse pela qualidade dos títulos também foi mencionado por Leandro Santos, 21 anos, que começou a acompanhar o projeto no ano de 2009 e apresentou uma visão mais crítica. “Hoje existem mais máquinas e percebo uma mudança nos gêneros, conforme os anos passaram. Sinto falta dos livros de ficção, que são muito raros atualmente. Aliás, outra raridade é encontrar essas bancas nas regiões periféricas. Só há opções nas estações centrais de metrô”, afirma Leandro, que mora em Itaquera, Zona Leste de São Paulo.
Após apuração, pode-se dizer que Leandro tem razão. Há bancas (às vezes mais de uma) nas estações Sé, Anhangabaú, Barra Funda, Luz, Consolação, Trianon Masp e Brigadeiro. Com exceção da Barra Funda, região oeste da cidade, todas as outras localidades ficam no centro expandido da metrópole. No entanto, a migração de pessoas que se deslocam entre cidades para trabalhar u que moram nos arredores de São Paulo e deslocam-se para o centro, justificam a presença majoritária das bancas no centro. Circulam só na estação Sé, por exemplo, considerando-se as entradas, saídas e transferências entre as linhas 1 (Azul) e 3 (Vermelha), aproximadamente 629 mil passageiros em dia útil, segundo dados do Metrô.
Reflexões
Pensando ainda sobre essa apropriação do espaço coletivo, o fato do projeto ter se instalado nas Estações de Metrô propicia o início da leitura ali mesmo. O cenário é favorável, pois, excetos os trens que oferecem alguma programação nas pequenas telas espalhadas pelos vagões, não há muito entretenimento disponível nas viagens, que podem demorar horas, muitas vezes. Aí entra o livro recém-comprado. Uma das propostas dessa matéria era entender como se dava o consumo desse projeto por parte da população e, principalmente, averiguar se os livros oferecidos atingiam o objetivo principal: a leitura. Para a concretização desse hábito, a oferta de livros próxima a um local onde as pessoas querem se ocupar com algo interessante incentiva o início de uma aventura através das páginas.
Cristiane Ferreira, Professora de Língua Portuguesa e Literatura formada em Letras pela Universidade de São Paulo, apoia o projeto. “Há uma popularização da literatura pelos séculos, mas livros ainda são para poucos. Além disso, comprar um livro é bem diferente de pegar um exemplar emprestado em uma biblioteca, por exemplo. A literatura é uma arte que muitas vezes não faz parte do dia-a-dia das pessoas e a sua utilidade tem muito valor: serve como uma ferramenta de reflexão ao permitir que as pessoas enxerguem o mundo de outras maneiras. Assim, quanto mais democrática for, melhor”, afirma Cristiane.
O Pague Quanto Você Acha Que Vale não é o único projeto lucrativo que consegue também beneficiar o mundo literário, mas talvez seja o que marca presença todos os dias no cotidiano de milhões de cidadãos que utilizam o transporte público da cidade. Ao que tudo indica, o brasileiro quer ler e quando há bom preço, fácil acesso e  disponibilidade de tempo o resultado é um novo leitor ou a manutenção do hábito da leitura em leitores que já fazem parte dessa realidade. A educação, a cultura e o lazer podem estar juntos como um refresco na correria da pulsante São Paulo.
Projeto Democratização da Leitura
http://www.portaldetonando.com.br/forum/portal.php

Box: Para conhecer outros projetos que visam à democratização da literatura:
O PDL é uma grande biblioteca virtual com livros grátis, quadrinhos, revistas, audiobooks e muita cultura, com um acervo alimentado por centenas de colaboradores em todo o mundo, há mais de oito anos. Todos os e-books grátis são produzidos e geridos pelos próprios usuários, que fazem do site um grande centro de troca de novidades e discussões. O acesso é livre mas requer um registro com informações pessoais de todos os interessados. O serviço é gratuito, é só fazer login, pesquisar, conversar e ler à vontade!

LivrosParaTodos
O projeto visa incentivar e fortalecer o hábito da leitura, além de estimular a criação e ampliação do acervo de bibliotecas comunitárias em cidades com até 10 mil habitantes. Em todas as edições, dezenas de municípios que se inscrevem no desejo de serem contemplados pelo projeto. Por outro lado, o LivrosParaTodos não se limita à doação das obras.  Atividades educacionais e de incentivo à leitura, como oficinas de leitura e escrita, encontro com autores e  cantação de estórias com os músicos Luiz Waack e Rita Rameh, (vencedores do Prêmio TIM de Melhor CD infantil de 2008) também fazem parte do projeto.

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