As vitrines são disputadas por olhares curiosos que se
empenham em encontrar produtos atraentes. Dessa vez, essa não é a descrição de
uma loja em promoção dentro de um centro comercial espalhados pela cidade. São
as bancas de livros Pague Quanto Você
Acha Que Vale que fazem com que essa cena se repita diversas vezes ao dia em
São Paulo. O projeto disponibiliza bancas em diferentes Estações de Metrô que
possibilitam a venda de livros por, no mínimo, dois reais (as máquinas não
aceitam moedas). É evidente a proposta de acesso à cultura. Por outro lado,
resta a dúvida sobre a eficácia da proposta e sobre como se dá esse consumo de
conhecimento. As pessoas compram por interesse ou porque podem pagar pouco pela
leitura?
Pague Quanto
Você Acha Que Vale
O projeto em questão foi criado há mais de 10 anos
pela empresa 24X7, que ainda é responsável
pelas bancas. Segundo Fabio Bueno Netto,
proprietário da empresa, não há doações. Todos os exemplares oferecidos nas bancas
são comprados e previamente selecionados de modo a restringir conteúdos
pornográficos ou que sejam nocivos aos direitos humanos. As vendas são
lucrativas e mais frequentes nas estações centrais da cidade.
Netto afirma que há mais clientes novos (normalmente
compram o primeiro livro por impulso ou curiosidade, segundo ele) do que
recorrentes, mas não é possível traçar um perfil do seu público. Ele estima que
as vendas sejam aproximadamente 80 mil livros por mês sendo que nos últimos 12
meses, foram vendidos 1 milhão de exemplares. Quando abordado sobre o real
impacto do projeto na vida das pessoas que usam o transporte público na cidade,
o empresário respondeu que “O impacto é muito grande. Há outros micros projetos
que não possuem a mesma visibilidade que o nosso. Já vendemos mais de 2,5
milhões de exemplares ao todo e esse valor é muito significativo. Depois que
alguém compra um livro a percepção de mundo da pessoa muda”, explica.
O idealizador do Pague
Quanto Você Acha Que Vale comentou também sobre uma das dificuldades que
enfrentou durante a implantação do projeto. Netto diz que o ex- Secretário Estadual dos Transportes Metropolitanos
José Luiz Portella solicitou a retirada das máquinas das
estações sob a justificativa de que atrapalhavam o fluxo de pessoas nas
plataformas. Segundo ele, por causa dessa medida, boa parte do faturamento
inicial foi prejudicada. Quando procurada, a assessoria de imprensa do ex-secretário relatou que
Portella sempre foi a favor das “bibliotecas” e a “biblioteca” cresceu muito
durante sua gestão. Informou também que, infelizmente, ele não sabe dizer como
está esse projeto atualmente.
O embate foi resolvido no passado e as bancas marcam
presença nas estações. O projeto é fantástico ao ver de Janaína da Costa Pereira, 42 anos. Ela crê que as bancas facilitam o
acesso à leitura, não só pelos valores - que são mais baixos até mesmo comparando
aos encontrados nos sebos - mas porque
disponibilizam livros no espaço comum. “Nós que trabalhamos o dia todo, muitas
vezes não temos tempo para ir às livrarias. Não precisar se deslocar e ainda
assim poder comprar livros entre a minha casa e o meu trabalho é um dos pontos
positivos dessas bancas”, afirma Janaína.
Outro ponto positivo está no sistema operante que facilita a compra dos
exemplares. O procedimento é muito simples: escolhidos título e valor, é só
inserir a cédula de qualquer valor no
local indicado, digitar o número correspondente ao livro desejado e o exemplar
cai automaticamente no compartimento de descarga. Então, basta pegá-lo por meio
de uma gaveta. Ou seja, em segundos, é possível efetuar a compra e
iniciar a leitura. A máquina não
aceita moedas, não dá troco, informa que o
índice de erros é 0,07% bem como o número de telefone do Serviço ao Consumidor.
Preferências
e interesses
“Entre os livros preferidos estão os
clássicos”, segundo Reinaldo Júnior, funcionário da empresa. Ele que abastece
duas vezes ao dia algumas das máquinas de livros espalhadas por São Paulo. Minutos depois, Cláudio Rodrigues, 41 anos,
compra um exemplar de Memórias Póstumas
de Brás Cubas, do autor Machado de Assis, para presentear uma amiga cujo
filho prestará vestibular ainda este ano.
As leituras obrigatórias exigidas
pelos principais vestibulares do estado ser facilmente encontradas nas bancas, mas
há alguns títulos que não agradam aos consumidores. As opções se misturam nas
vitrines: Nietzsche, Maquiavel, Platão, Diderot, Sun Tzu, livros de autoajuda,
guias desatualizados, manuais de informática, biografias, livros infantis. Essa grande diversidade, nem sempre conquista
Stephanie Santos, 20 anos, por exemplo. Ela diz que há livros bons e livros ruins,
“Procuro sempre dar uma olhada quando passo por aqui, tem que saber
selecionar”, justifica.
O interesse pela qualidade dos
títulos também foi mencionado por Leandro Santos, 21 anos, que começou a
acompanhar o projeto no ano de 2009 e apresentou uma visão mais crítica. “Hoje
existem mais máquinas e percebo uma mudança nos gêneros, conforme os anos
passaram. Sinto falta dos livros de ficção, que são muito raros atualmente.
Aliás, outra raridade é encontrar essas bancas nas regiões periféricas. Só há
opções nas estações centrais de metrô”, afirma Leandro, que mora em Itaquera,
Zona Leste de São Paulo.
Após apuração, pode-se dizer que Leandro tem razão. Há bancas (às vezes
mais de uma) nas estações Sé, Anhangabaú, Barra Funda, Luz, Consolação, Trianon Masp e Brigadeiro. Com exceção da Barra Funda, região
oeste da cidade, todas as outras localidades ficam no centro expandido da
metrópole. No entanto, a migração de pessoas que se deslocam entre cidades para
trabalhar u que
moram nos arredores de São Paulo e deslocam-se para o centro, justificam a
presença majoritária das bancas no centro. Circulam
só na estação Sé, por exemplo, considerando-se as entradas, saídas e transferências
entre as linhas 1 (Azul) e 3 (Vermelha), aproximadamente 629 mil passageiros em
dia útil, segundo dados do Metrô.
Reflexões
Pensando ainda sobre essa apropriação do espaço coletivo, o fato do
projeto ter se instalado nas Estações de Metrô propicia o início da leitura ali
mesmo. O cenário é favorável, pois, excetos os trens que oferecem alguma
programação nas pequenas telas espalhadas pelos vagões, não há muito
entretenimento disponível nas viagens, que podem demorar horas, muitas vezes.
Aí entra o livro recém-comprado. Uma das propostas dessa matéria era entender
como se dava o consumo desse projeto por parte da população e, principalmente,
averiguar se os livros oferecidos atingiam o objetivo principal: a leitura.
Para a concretização desse hábito, a oferta de livros próxima a um local onde
as pessoas querem se ocupar com algo interessante incentiva o início de uma aventura
através das páginas.
Cristiane Ferreira, Professora de Língua Portuguesa e Literatura formada
em Letras pela Universidade de São Paulo, apoia o projeto. “Há uma
popularização da literatura pelos séculos, mas livros ainda são para poucos.
Além disso, comprar um livro é bem diferente de pegar um exemplar emprestado em
uma biblioteca, por exemplo. A literatura é uma arte que muitas vezes não faz
parte do dia-a-dia das pessoas e a sua utilidade tem muito valor: serve como
uma ferramenta de reflexão ao permitir que as pessoas enxerguem o mundo de
outras maneiras. Assim, quanto mais democrática for, melhor”, afirma Cristiane.
Projeto Democratização da Leitura
http://www.portaldetonando.com.br/forum/portal.php
Box: Para conhecer outros projetos que
visam à democratização da literatura:
O PDL é uma
grande biblioteca virtual com livros grátis, quadrinhos, revistas, audiobooks e
muita cultura, com um acervo alimentado por centenas de colaboradores em todo o
mundo, há mais de oito anos. Todos os e-books grátis são produzidos e geridos
pelos próprios usuários, que fazem do site um grande centro de troca de
novidades e discussões. O acesso é livre mas requer um registro com informações
pessoais de todos os interessados. O serviço é gratuito, é só fazer login, pesquisar, conversar e ler à
vontade!
LivrosParaTodos
O projeto visa incentivar e
fortalecer o hábito da leitura, além de estimular a criação e ampliação do
acervo de bibliotecas comunitárias em cidades com até 10 mil habitantes. Em
todas as edições, dezenas de municípios que se inscrevem no desejo de serem contemplados
pelo projeto. Por outro lado, o LivrosParaTodos não se limita à doação das
obras. Atividades educacionais e de incentivo à leitura, como oficinas de
leitura e escrita, encontro com autores e cantação
de estórias com os músicos Luiz Waack e Rita Rameh, (vencedores do
Prêmio TIM de Melhor CD infantil de 2008) também fazem parte do projeto.
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