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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Júlia Claro


Skatistas e pedestres: onde acaba um direito e começa o outro?
              A relação conflituosa entre os grupos que dividem as calçadas da maior avenida do País.

                                                                                                                                      Por Júlia Claro



            Antigamente, o chão da Avenida Paulista era composto por mosaico português, obviamente uma herança colonial. No entanto, com a transformação da rua que abrigava os barões de café em grande centro comercial e movimentador de capital, os mosaicos, ainda que esteticamente agradáveis, se tornaram um empecilho para as executivas e moçoilas em seus saltos altos, além de outros grupos que encontravam dificuldades em se locomover na região, é claro.
            Em 2008, o piso da Avenida Paulista foi substituído por um de concreto liso, muito mais condizente com o cinza da cidade. Só que, além de acrescentar aos ruídos característicos da metrópole os toc toc dos saltos altos, com essa mudança, vieram também, os barulhos produzidos pelos skates.
            E é justamente o nivelamento do chão que atrai os skatistas à Avenida Paulista, além da localização de fácil acesso. Esperando por uma amiga em frente ao banco Safra, por pouco não fui derrubada por um skate vindo em minha direção. Olhei em volta e, intrigada pelo aparente conflito que havia entre pedestres e skatistas, entrei em um grupo que se preparava para algumas manobras.      

O que os skatistas pensam
            Quem se mostrava mais disposto a conversar era Alef Zanini, 20 anos, com o skate o tempo todo nas mãos, dreads em seus cabelos, que casavam com sua aparente despreocupação. O estilo, com fortes referências ao reggae, era tranquilo. Além de andar de skate, fotografa por lazer. Quando foi interrompido, não parecia em nada com aquele outro skatista que havia quase me atropelado minutos antes. 
            Para ele, a relação entre pedestres e skatistas vai bem além do compartilhamento de calçadas. Com o semblante de quem já havia passado por essa discussão, comentou: "O convívio entre skatista e pedestres não é nada bom. Enquanto nós andamos por qualquer lugar, sempre vai ter aquela pessoa que vai falar que não pode andar. Porque risca o chão, destrói patrimônio público, ou porque somos todos drogados, que skate é malocagem. É como se o skate fosse um tráfico de drogas, aonde tem milhares de dependentes".
            Nas redes sociais, há grupos como o Skatenoix, que deixam claro que eles são muito unidos. Lá, compartilham fotos, vídeos e até anunciam venda de skates. Sempre que há um novo membro, surge um animado comentário de boas-vindas do dono do grupo.
            Sobre essa união dos skatistas, Alef explicou  que, exatamente por serem um grupo marginalizado, os que participam dele são bem próximos. "A nossa união faz a força, faz o skate." Tentou exemplificar o estereótipo que a sociedade tem deles, com uma pergunta "Você deixaria sua filha namorar com um skatista?".
            Danilo Fernando, 18 anos, um pouco mais acanhado, concordou em dar entrevista depois de ouvir as falas do amigo. Também muito apegado ao seu skate, Danilo parecia mais fechado, com uma postura e estilo mais relacionados ao rock and roll, expresso pelas roupas pretas e cabelos longos. Ele contou que, hoje em dia, não tem problemas com o pessoal da Prefeitura na região da Paulista. Para Danilo, o skatista tem tanto direito de usar a calçada quanto o pedestre. Quando perguntado sobre acidentes envolvendo skates e pedestres, desconversou: "nunca aconteceu comigo, nem vi nenhuma pessoa reclamar" .
              Antes de voltar as suas manobras de sábado à noite, indicou o vídeo "Contra o veto dos skatistas na Avenida Paulista", do canal Vloga-se, no Youtube. Neste vídeo, gravado em 2010, o vlogueiro e skatista Spiga usa humor e chavões para criticar o projeto de lei, que pretendia proibir a circulação de skatistas pela região da Paulista. Ele tenta desarticular os argumentos dos pedestres contra os skatistas e defende os direitos dos praticantes do esporte.  

                                          A opinião dos pedestres
            Taís Scaroni, 19 anos, é estudante e pedestre. Presenciou várias situações complicadas envolvendo skates, como a vez em que viu um skatista que andava na guia quase ser atropelado por um ônibus que ia parar no ponto. Mesmo já tendo passado por situações conflituosas com skatistas nas calçadas, é compreensiva: "acho arriscado, mas é melhor do que (andarem de skate) no meio da rua, porque é perigoso demais eles lá. Minha mãe quase atropelou vários, eles esbarram nos carros, o melhor mesmo seriam parques novos".
            Além disso, ela discorda da generalização, dos que dizem que todos os skatistas têm atitudes  perigosas e impensadas. Já Camila Mendes, 18 anos, afirma sempre se assustar com os skatistas que desviam repentinamente dela nas calçadas da Paulista. Mas a experiência não fez sumir sua crença na possibilidade de boa  convivência entre os dois grupos dividindo a calçada, basta haver respeito de ambas as partes.  

Dos Estados Unidos para o Brasil
                Foram filhos de diplomatas americanos, ou brasileiros vindos dos Estados Unidos, que trouxeram o skate para o Brasil, mais especificamente para o Rio de Janeiro,  na década de 1960. O esporte só se popularizou no País por volta dos anos 90.
            Já que foi trazido por aristocratas para o país, parece irônico dizer que é um esporte marginalizado. Porém, o estereótipo do skatista que o brasileiro tem foi contaminado pelo norte-americano. Devido ao estilo alternativo dos skatistas, quem praticava o esporte era visto como delinquente. Além disso,  há também a ligação do skate com o Punk, que acaba reforçando esta ideia. Esses dados históricos são do site da Confederação Brasileira de Skate, criada em Curitiba em 1999, com a sede posteriormente transferida para São Paulo.

            Um artista brasileiro que influenciou muitos skatistas foi Alexandre Magno Abrão, o Chorão.  Ele fundou a banda Charlie Brown Junior e, por ser skatista, fazia muitas referências a esse mundo em suas músicas. As músicas "Skateboard Amor Eterno", "Di-SK8 Eu Vou", "Skate Vibration”  e "No Passo a Passo", são exemplos da paixão de chorão pela prática do skate e são quase hinos dos skatistas. "Porque o bonde aqui não para/ Skate, Rock´N Roll, Hip-Hop, é minha cara", diz um trecho da última canção citada.

            Chorão morreu este ano, de overdose de cocaína, em seu apartamento. Muitos fãs prestaram tributos em redes sociais e na porta do prédio onde ele morava. Como ele sempre apoiou os skatistas, o governador Geraldo Alckmin fez uma homenagem a ele, batizando de Chorão uma pista da Zona Norte de São Paulo.

                                             
                                               Falta de parques ou irreverência?
                São Paulo, mesmo não tendo as praias do Rio de Janeiro, ou a quantidade de bares de Belo Horizonte, é conhecida pela variedade de programas culturais espalhados pela cidade. Certo? Parcialmente correto, pois,  apesar da boa variedade de opções de lazer, segundo os dados do Centro de Estudo da Metrópole, elas estão concentradas no centro da cidade. Isso faz quem mora nas periferias ter de se locomover para conseguir se divertir.
             Há 12 parques com pista de Skate, segundo lista do site da Prefeitura. Além de serem poucos, os que existem têm áreas pequenas destinadas à prática, piso inadequado e pistas mal cuidadas, criticam os frequentadores.  Um dos poucos parques voltados especificamente para skatistas é o Zilda Natel, criado em 1998 e revitalizado dez anos depois, localizado em frente ao metrô Sumaré. É comum ver skatistas no metrô indo em direção à praça.
            Uma comprovação atual de que há um conflito entre tanto pedestres, quanto frequentadores de parques e skatistas foi a confusão na praça Roosevelt, que aconteceu em janeiro deste ano.
            Localizada no centro de São Paulo. Era ponto marcado de encontro de skatistas. A praça foi fechada por dois anos  para ser revitalizada e foi reaberta ao público em 2012.
            O ocorrido foi que, em pouco tempo a praça já estava deteriorada, bancos estragados, pichações, entre outros. A população que frequentava a praça, culpou os skatistas por isso e reclamaram por não serem cautelosos com quem andava a pé por lá. Por isso, houve uma reunião com os moradores da região e os skatistas, mediada pelo poder público para tentar resolver esta questão. O combinado foi que os skatistas usassem apenas uma parte da praça, das 8 horas da manhã às 23 horas.
            No entanto, esse acordo foi quebrado por eles sob o pretexto de que o espaço era muito pequeno e que gostariam de andar por lá de madrugada. Por isso, guardas civis metropolitanos tentaram coibir  o uso do skate no parque, só que para isso usaram modos agressivos, utilizaram spray de pimenta e até "enforcaram" um skatista.
            Houve várias manifestações dos skatistas tanto virtuais quanto físicas relacionadas ao acontecimento. Alguns dias depois, a prefeitura se pronunciou, afirmando que iria colocar placas delimitando um local reservado para a prática do skate, evitando confrontos maiores. Os guardas que agrediram skatistas foram afastados.
            Então, se o problema é ausência de parques de qualidade para os skatistas, se o governo investir nisso, o problema nas calçadas acaba? Pelo que os skatistas entrevistados confessaram, não é bem assim. Alef e Danilo contaram que, mesmo se o problema das pistas for resolvido, alguns skatistas ainda vão andar pelas calçadas e ruas. Esses que continuariam a fazer isso, sentem prazer em andar por lá, tanto que são chamados de streeteiros (algo como rueiros). Ou seja, no caso deles a solução seria mais compreensão dos dois lados da questão.

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