Insegurança na cidade grande
Coração acelerado,
pensamentos assustadores, aquela certeza de que algo ruim vai acontecer: algum
acidente, alguma tragédia ou até mesmo a morte. Uma sensação de perigo. Uma
angustia interior muitas vezes inexplicável. O medo pode aparecer de várias
formas e em vários momentos da nossa vida. Medo de andar sozinho à noite, de
dirigir, de atravessar a rua, de andar de ônibus e metrô, medo de ser assaltado,
estuprado, assassinado, sequestrado. Seja qual for o medo ele é algo natural e
necessário.
O medo é fundamental para a
preservação da espécie, é um aviso que o corpo dá para a pessoa se proteger de
algum eventual perigo. “Medo é um sentimento que está dentro da sobrevivência
da espécie”, explica Heloisa Antonelli, psicóloga do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (IPUSP), “é aquilo que a gente sente como sinal de
perigo em um ambiente hostil”. Ele aparece relacionado com uma angustia. “É uma
angústia de morte, de medo de morrer” completa Heloisa. Segundo o psicólogo José Tolentino Rosa, Professor Doutor do Departamento de
Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, o medo é uma reação humana e é um circuito biológico que se inicia pelas
amêndoas (amigdalas) cerebrais e se propaga para o córtex frontal. O córtex
analisa a informação que está recebendo do ambiente e informa ao sujeito qual a
reação mais adaptativa a ser tomada. Podemos então considerar o medo, como uma
resposta adaptativa.
Todas as pessoas sentem
medo. Ele é natural e inato. Algumas, no
entanto, vão ter mais medo em algumas situações de acordo com sua história de
vida e com o contexto em que estão inseridos. O tema medo é, muitas vezes,
difícil de ser discutido, visto ser algo muito pessoal para alguns indivíduos.
Todos sentem medo, mas poucos admitem ou se sentem confortável para tocar no
assunto. Algumas acham que não possuem medo nenhum, muitas vezes por relacionar
com algo embaraçoso. “Uma confusão importante
é a confusão entre medo e covardia, o que da a conotação de que sentir medo é
vergonhoso”, ressalta Avelino Luiz Rodrigues, Professor Doutor do Departamento de Psicologia Clínica da USP e doutor
em psicologia social.
História de vida
O fato de uma pessoa ter
mais medos do que outra vem da trajetória pessoal de cada um, da relação
familiar que a pessoa teve e de todo seu aprendizado. Algumas pessoas se
arriscaram mais quando eram adolescentes, provando o que era ou não assustador
e agora na vida adulta conseguem viver de maneira mais destemida. Outros, ao
contrário, foram sempre muito protegidos pelos pais, nunca se rebelaram, nunca
procuraram independência e, consequentemente, possuem diversos medos
relacionados com a segurança. Agora que a pessoa não tem mais a proteção dos
pais, ela tem que aprender a viver sozinha e vê dificuldades para isso. “Quando
a gente protege uma criança, está protegendo de algo, comunicando a ela que tem
algo aqui que é ameaçador e ruim. Quando há uma superproteção é mais difícil
sair de casa, se relacionar com as pessoas, é mais difícil fazer as coisas,
porque tudo é muito ameaçador.”, explica Heloisa Antonelli. Sua infância, os
afetos recebidos, as situações vividas são, portanto, determinantes para a
formação da personalidade e para o crescimento saudável. “Uma má relação com os
cuidadores pode tornar uma criança medrosa e comprometer seriamente o seu
desenvolvimento afetivo e cognitivo, do mesmo modo que a falta de estabilidade
no lar cria dificuldades de adaptação e medo, no lugar da segurança interna.”, explica
a psicóloga clinica Clara Soares.
Além
de surgir em função do desenvolvimento da personalidade do individuo, o medo
pode aparecer por causa da vivência com experiências traumáticas, como
desastres e situações de violência. Esse estresse pós-traumático pode aparecer
de formar diferentes nas pessoas. Uma pessoa que possivelmente
nunca teve nenhum medo passa a temer certas coisas depois de ter sofrido alguma
provação, como assalto, sequestro ou perda de ente querido. Caroline Silva
é um exemplo de pessoa que passou a ter medo após um trauma. Depois de ser
assaltada duas vezes, ela passou a ter muito medo de andar sozinha à noite, tem
medo de ser assaltada novamente e de ser sequestrada. Mesmo tendo sido
assaltada de dia, Carol tem mais medo de andar a noite. “Fico meio louca.
Depois das 22h eu não ando na rua de jeito nenhum”, relata a assistente
editorial de 23 anos. O único lugar em que Caroline consegue andar de noite é
na faculdade, onde tem que ir até o ponto de ônibus. Depois de pegar o ônibus,
pega também um metrô. Para ir do metrô até sua casa, Caroline sempre pega um
táxi, nunca se arrisca a andar a pé. Às vezes, quando não tem nenhum taxi na
estação Guilhermina, onde desembarca, ela volta para o metro, desce na estação
Tatuapé e pega um taxi de lá. “Se não tem ninguém na minha casa que possa me
pegar eu volto de taxi. Se eu voltar muito tarde já desço na estação Tatuapé,
pego um táxi e pago 20 reais pra chegar em casa”, diz. Ela e toda família já
foram assaltados na rua onde moram na Vila Matilde, mas garante ser “um lugar
normal”. Sua irmã, Natália Lucia da Silva de 25 anos, foi assaltada na rua de
casa às 7 horas da manhã quando saia para ir ao trabalho. Depois disso passou a
ir para o metro também de taxi. “Ela chama um taxi em casa só pra ir até o
metrô.”, conta.
Ambiente Violento
Em cidades grandes, como São
Paulo, esse tipo de medo é muito comum devido à violência excessiva que a
cidade possui. O ambiente em que vivemos, portanto, pode influenciar ou não os
nossos medos. “Quando você vive em comunidade você tem outro tipo de segurança,
quase como uma família horizontal; na cidade grande você não tem isso, as
pessoas estão isoladas.”, explica a psicóloga Heloisa Antonelli. Ao contrário
de cidades menores, na cidade grande as pessoas estão muito individualizadas e
cultuam o capital e os bens materiais. “A violência está instituída na cidade
grande porque cada um tem o seu, então se eu não posso ter o meu, como eu faço
pra adquirir o meu?”, reflete Heloisa sobre os motivos da violência. A
assistente pedagógica Natalia da Gama de 20 anos também passou a ter medo de
andar sozinha depois que foi assaltada há dois anos, quando um homem
simplesmente lhe tirou o celular num ponto de ônibus e saiu andando. Depois
disso, ela ficou traumatizada com medo de outros possíveis assaltos. “Depois que fui assaltada, passei a andar
muito rápido na rua”, explica a jovem. “Você desconfia de todo mundo que está
andando um pouquinho mais perto de você. Fica meio paranoica, fica olhando pros
lados”, completa. Antes do assalto, ela
nunca teve medo de andar na rua, “achava que as histórias que meus amigos
contavam nunca iriam acontecer comigo”, diz. Natalia passou a ter medo de
qualquer lugar público onde existam pessoas que ela não conhece. Quando uma
pessoa suspeita se aproxima ela logo se afasta, mesmo que a pessoa não lhe dê motivos
de desconfiança. Isso lhe gerou outros medos, como andar de ônibus, por
exemplo. “Se eu pego um ônibus muito vazio, que tenha eu e mais uma pessoas,
por exemplo, eu já fico meio assim”, explica. Para esquecer o medo que está
sentindo quando está sozinha na rua, Natalia anda rápido, vê se seus pertences
estão bem guardados e procura pensar em outras coisas. Na hora de dirigir, a
garota também tem muito medo de ser assaltada por motociclistas. “Sempre quando
estou no carro e para uma moto do lado, eu já travo a porta”, relata. O prestigio que as pessoas dão aos bens
materiais faz, portanto, com que a violência aumente e a sensação de segurança
diminua cada vez mais. Esses medos sentidos na cidade grande podem, assim,
interferir no comportamento e do estilo de vida das pessoas. Muitos indivíduos
deixam de fazer coisas a noite, por exemplo, por medo de assalto, sequestro e
assassinatos. Natalia, por exemplo, passou a evitar sair de noite e as vezes
prefere gastar dinheiro com táxi do que se arriscar a pegar ônibus ou andar a
pé. Quando as pessoas precisam de alguma
coisa durante a noite, provavelmente vão passar necessidades, pois têm medo de
sair para comprar e não podem pedir para o vizinho, pois não o conhecem.
O medo pode
surgir de um pós-traumático de algo que não tenha necessariamente ocorrido com
a pessoa. Julia Ramos Claro, estudante de Jornalismo, tem medo de atravessar a
rua. Mas Julia nunca foi atropelada. No entanto, já viu um acidente, na frente
de sua casa e isso a deixou assustada. “Tinha uma mulher embaixo de
um carro”, lembra a garota de 18 anos. Ela afirma, no entanto, que seu medo não
é pelo que pode acontecer com ela, mas, curiosamente, sente medo pela segurança
das outras pessoas que atravessam a rua com ela. “Vejo as pessoas atravessando
errado, não esperando o farol fechar, indo devagar, não olhando, e fico com
medo delas serem atropeladas”, explica. Seu maior medo é atravessar em grandes
avenidas e, claro, raramente atravessa em lugar que não tenha farol. Quando
atravessa com seus conhecidos, ela rapidamente segura o punho das pessoas,
conduzindo-as. Às vezes é algo curioso para quem está sendo guiado, mas é uma
medida de segurança para ela.
Papel da mídia
Com relação ao medo de algo que ainda não
aconteceu com a pessoa, a mídia, principalmente a mídia sensacionalista, tem um
forte papel influenciador. A exibição cada vez mais frequente de conteúdos
violentos em programas, séries, novelas e até videogames, aumenta o temor que
as pessoas sentem com relação ao lugar onde vivem. “Você
ouve, vê histórias de violência e passa a ficar com medo de que aconteça com
você também”, explica a psicóloga Heloisa. A pessoa tem medo da ameaça. E, ao
ver que o mundo está cheio de ameaças, começa a pensar que uma série de coisas
ruins pode acontecer. O professor José Tolentino, pelo contrário, vê um lado
positivo na mídia, na medida em que informa as pessoas do que está acontecendo
no ambiente social, podendo ajudar a controlar o medo. “Com mais informação, as pessoas podem aumentar o
grau de organização social e o grau de segurança social.”, explica.
Tratamentos
O medo não é uma doença, portanto não possui uma cura. Mas como o medo exagerado
pode afetar a qualidade de vida do individuo, causando sofrimento, comprometendo
relações interpessoais, existem diversos tratamentos que podem amenizar seus
sintomas. Na medicina tradicional, o tratamento pode ser feito por psiquiatras, em
geral por medicamentos psicofármacos, e por psicólogos, através de
psicoterapias. “O paciente deve ser tratado por um psiquiatra, que lhe
prescreverá medicamentos eficazes para tal quadro clínico e o psicólogo vai
trabalhar no sentido de descobrir as razões deste estado e ajudar o paciente a
desenvolver novas formas de lidar com o sentimento de ameaça”, explica o
psicólogo Avelino Luiz. Existem ainda
tratamentos alternativos que podem ajudar a combater a angustia que traz o
medo. Muitas pessoas acham melhor utilizarem métodos que não
afetem tanto o corpo e que preservem o bem estar da pessoa. Muita gente
acredita em aspectos mais espirituais e transcendentais para o tratamento do
medo; métodos que envolvam energia e equilíbrio do corpo, tais como florais e
acupuntura.
Florais são infusões aquosas de
flores selvagens que passam por diluições com o conhaque, o conservante usado para
que a solução não crie fungos. Tratam das questões emocionais e
comportamentais do ser humano, cuidando do corpo, da mente e da energia. “O floral vem promover o equilíbrio do campo
bioenergético e consequentemente auxiliar a restauração do corpo físico.”,
explica Talita Margonari Lazzuri, gerente comercial da empresa Florais de Saint
Germain. “Sua preparação
tem que ser artesanal, para que a energia do floral seja efetiva, realmente
natural”, explica. Existe uma crença
espiritual na preparação dos compostos. A própria pessoa que prepara o floral
deve estar elevada energeticamente para não influenciar na preparação. Essas
substâncias, no entanto, não tratam doenças, elas harmonizam o individuo e sua
energia interior. Existem florais que
ajudam no tratamento do medo e do pânico. A empresa Bio Florais, por exemplo,
possui um floral para sensação de pânico feito através das flores Tilândia,
Pérola Azul e Granatta, e “fortalece na alma as energias de fé e de esperança,
alivia as angústias e a sensação de morte iminente”. Os efeitos são variáveis de pessoa para pessoa,
mas os fabricantes afirmam que em até uma semana os efeitos positivos já podem
ser sentidos.
Outro tratamento alternativo existente
é a hipnose, nome dado a fenômenos do pensamento, como amnésia, regressão de
idade, alucinação positiva ou negativa. Ela pode ser usada no tratamento do
medo para tentar buscar a causa desses medos. Segundo o Instituto de
Hipnoterapia Educativa do Instituto Milton Erickson, de São Paulo, o paciente e
o hipnoterapeuta refletem através de filmes, musicas livros e diálogos sobre as
ansiedades que geraram o problema e sobre a forma com que a pessoa lida com seus
medos. Depois que o paciente entende como lidar melhor com suas dificuldades, é
provocada uma intensificação da memória – hipermnésia – até os momentos em que
seus sofrimentos ocorreram. O paciente deve refletir e interpretar sobre suas
dores e formular aprendizados e reflexões que lhe ajudarão na hora de enfrentar
os medos novamente.
O medo é algo natural
e serve para proteger as pessoas das ameaças de perigo que o mundo lhes impõe.
Quando esse medo é muito intenso e incontrolável, no entanto, isso pode afetar
a qualidade de vida do individuo. Ele deve, por isso, procurar tratamentos,
tradicionais ou não, que o ajudem a entender as origens do seu medo, as
maneiras como enfrentá-lo e as possibilidades de ter uma vida mais segura e
feliz.
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