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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Marina Panizza


Insegurança na cidade grande
O medo afeta cada vez mais a vida das pessoas que vivem em cidades violentas




Coração acelerado, pensamentos assustadores, aquela certeza de que algo ruim vai acontecer: algum acidente, alguma tragédia ou até mesmo a morte. Uma sensação de perigo. Uma angustia interior muitas vezes inexplicável. O medo pode aparecer de várias formas e em vários momentos da nossa vida. Medo de andar sozinho à noite, de dirigir, de atravessar a rua, de andar de ônibus e metrô, medo de ser assaltado, estuprado, assassinado, sequestrado. Seja qual for o medo ele é algo natural e necessário.
O medo é fundamental para a preservação da espécie, é um aviso que o corpo dá para a pessoa se proteger de algum eventual perigo. “Medo é um sentimento que está dentro da sobrevivência da espécie”, explica Heloisa Antonelli, psicóloga do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), “é aquilo que a gente sente como sinal de perigo em um ambiente hostil”. Ele aparece relacionado com uma angustia. “É uma angústia de morte, de medo de morrer” completa Heloisa. Segundo o psicólogo José Tolentino Rosa, Professor Doutor do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, o medo é uma reação humana e é um circuito biológico que se inicia pelas amêndoas (amigdalas) cerebrais e se propaga para o córtex frontal. O córtex analisa a informação que está recebendo do ambiente e informa ao sujeito qual a reação mais adaptativa a ser tomada. Podemos então considerar o medo, como uma resposta adaptativa.
Todas as pessoas sentem medo. Ele é natural e inato.  Algumas, no entanto, vão ter mais medo em algumas situações de acordo com sua história de vida e com o contexto em que estão inseridos. O tema medo é, muitas vezes, difícil de ser discutido, visto ser algo muito pessoal para alguns indivíduos. Todos sentem medo, mas poucos admitem ou se sentem confortável para tocar no assunto. Algumas acham que não possuem medo nenhum, muitas vezes por relacionar com algo embaraçoso. “Uma confusão importante é a confusão entre medo e covardia, o que da a conotação de que sentir medo é vergonhoso”, ressalta Avelino Luiz Rodrigues, Professor Doutor do Departamento de Psicologia Clínica da USP e doutor em psicologia social.
História de vida
O fato de uma pessoa ter mais medos do que outra vem da trajetória pessoal de cada um, da relação familiar que a pessoa teve e de todo seu aprendizado. Algumas pessoas se arriscaram mais quando eram adolescentes, provando o que era ou não assustador e agora na vida adulta conseguem viver de maneira mais destemida. Outros, ao contrário, foram sempre muito protegidos pelos pais, nunca se rebelaram, nunca procuraram independência e, consequentemente, possuem diversos medos relacionados com a segurança. Agora que a pessoa não tem mais a proteção dos pais, ela tem que aprender a viver sozinha e vê dificuldades para isso. “Quando a gente protege uma criança, está protegendo de algo, comunicando a ela que tem algo aqui que é ameaçador e ruim. Quando há uma superproteção é mais difícil sair de casa, se relacionar com as pessoas, é mais difícil fazer as coisas, porque tudo é muito ameaçador.”, explica Heloisa Antonelli. Sua infância, os afetos recebidos, as situações vividas são, portanto, determinantes para a formação da personalidade e para o crescimento saudável. “Uma má relação com os cuidadores pode tornar uma criança medrosa e comprometer seriamente o seu desenvolvimento afetivo e cognitivo, do mesmo modo que a falta de estabilidade no lar cria dificuldades de adaptação e medo, no lugar da segurança interna.”, explica a psicóloga clinica Clara Soares.
Além de surgir em função do desenvolvimento da personalidade do individuo, o medo pode aparecer por causa da vivência com experiências traumáticas, como desastres e situações de violência. Esse estresse pós-traumático pode aparecer de formar diferentes nas pessoas. Uma pessoa que possivelmente nunca teve nenhum medo passa a temer certas coisas depois de ter sofrido alguma provação, como assalto, sequestro ou perda de ente querido.  Caroline Silva é um exemplo de pessoa que passou a ter medo após um trauma. Depois de ser assaltada duas vezes, ela passou a ter muito medo de andar sozinha à noite, tem medo de ser assaltada novamente e de ser sequestrada. Mesmo tendo sido assaltada de dia, Carol tem mais medo de andar a noite. “Fico meio louca. Depois das 22h eu não ando na rua de jeito nenhum”, relata a assistente editorial de 23 anos. O único lugar em que Caroline consegue andar de noite é na faculdade, onde tem que ir até o ponto de ônibus. Depois de pegar o ônibus, pega também um metrô. Para ir do metrô até sua casa, Caroline sempre pega um táxi, nunca se arrisca a andar a pé. Às vezes, quando não tem nenhum taxi na estação Guilhermina, onde desembarca, ela volta para o metro, desce na estação Tatuapé e pega um taxi de lá. “Se não tem ninguém na minha casa que possa me pegar eu volto de taxi. Se eu voltar muito tarde já desço na estação Tatuapé, pego um táxi e pago 20 reais pra chegar em casa”, diz. Ela e toda família já foram assaltados na rua onde moram na Vila Matilde, mas garante ser “um lugar normal”. Sua irmã, Natália Lucia da Silva de 25 anos, foi assaltada na rua de casa às 7 horas da manhã quando saia para ir ao trabalho. Depois disso passou a ir para o metro também de taxi. “Ela chama um taxi em casa só pra ir até o metrô.”, conta.
Ambiente Violento
Em cidades grandes, como São Paulo, esse tipo de medo é muito comum devido à violência excessiva que a cidade possui. O ambiente em que vivemos, portanto, pode influenciar ou não os nossos medos. “Quando você vive em comunidade você tem outro tipo de segurança, quase como uma família horizontal; na cidade grande você não tem isso, as pessoas estão isoladas.”, explica a psicóloga Heloisa Antonelli. Ao contrário de cidades menores, na cidade grande as pessoas estão muito individualizadas e cultuam o capital e os bens materiais. “A violência está instituída na cidade grande porque cada um tem o seu, então se eu não posso ter o meu, como eu faço pra adquirir o meu?”, reflete Heloisa sobre os motivos da violência. A assistente pedagógica Natalia da Gama de 20 anos também passou a ter medo de andar sozinha depois que foi assaltada há dois anos, quando um homem simplesmente lhe tirou o celular num ponto de ônibus e saiu andando. Depois disso, ela ficou traumatizada com medo de outros possíveis assaltos.  “Depois que fui assaltada, passei a andar muito rápido na rua”, explica a jovem. “Você desconfia de todo mundo que está andando um pouquinho mais perto de você. Fica meio paranoica, fica olhando pros lados”, completa.  Antes do assalto, ela nunca teve medo de andar na rua, “achava que as histórias que meus amigos contavam nunca iriam acontecer comigo”, diz. Natalia passou a ter medo de qualquer lugar público onde existam pessoas que ela não conhece. Quando uma pessoa suspeita se aproxima ela logo se afasta, mesmo que a pessoa não lhe dê motivos de desconfiança. Isso lhe gerou outros medos, como andar de ônibus, por exemplo. “Se eu pego um ônibus muito vazio, que tenha eu e mais uma pessoas, por exemplo, eu já fico meio assim”, explica. Para esquecer o medo que está sentindo quando está sozinha na rua, Natalia anda rápido, vê se seus pertences estão bem guardados e procura pensar em outras coisas. Na hora de dirigir, a garota também tem muito medo de ser assaltada por motociclistas. “Sempre quando estou no carro e para uma moto do lado, eu já travo a porta”, relata.  O prestigio que as pessoas dão aos bens materiais faz, portanto, com que a violência aumente e a sensação de segurança diminua cada vez mais. Esses medos sentidos na cidade grande podem, assim, interferir no comportamento e do estilo de vida das pessoas. Muitos indivíduos deixam de fazer coisas a noite, por exemplo, por medo de assalto, sequestro e assassinatos. Natalia, por exemplo, passou a evitar sair de noite e as vezes prefere gastar dinheiro com táxi do que se arriscar a pegar ônibus ou andar a pé.  Quando as pessoas precisam de alguma coisa durante a noite, provavelmente vão passar necessidades, pois têm medo de sair para comprar e não podem pedir para o vizinho, pois não o conhecem.
O medo pode surgir de um pós-traumático de algo que não tenha necessariamente ocorrido com a pessoa. Julia Ramos Claro, estudante de Jornalismo, tem medo de atravessar a rua. Mas Julia nunca foi atropelada. No entanto, já viu um acidente, na frente de sua casa e isso a deixou assustada. “Tinha uma mulher embaixo de um carro”, lembra a garota de 18 anos. Ela afirma, no entanto, que seu medo não é pelo que pode acontecer com ela, mas, curiosamente, sente medo pela segurança das outras pessoas que atravessam a rua com ela. “Vejo as pessoas atravessando errado, não esperando o farol fechar, indo devagar, não olhando, e fico com medo delas serem atropeladas”, explica. Seu maior medo é atravessar em grandes avenidas e, claro, raramente atravessa em lugar que não tenha farol. Quando atravessa com seus conhecidos, ela rapidamente segura o punho das pessoas, conduzindo-as. Às vezes é algo curioso para quem está sendo guiado, mas é uma medida de segurança para ela.
Papel da mídia
 Com relação ao medo de algo que ainda não aconteceu com a pessoa, a mídia, principalmente a mídia sensacionalista, tem um forte papel influenciador. A exibição cada vez mais frequente de conteúdos violentos em programas, séries, novelas e até videogames, aumenta o temor que as pessoas sentem com relação ao lugar onde vivem. “Você ouve, vê histórias de violência e passa a ficar com medo de que aconteça com você também”, explica a psicóloga Heloisa. A pessoa tem medo da ameaça. E, ao ver que o mundo está cheio de ameaças, começa a pensar que uma série de coisas ruins pode acontecer. O professor José Tolentino, pelo contrário, vê um lado positivo na mídia, na medida em que informa as pessoas do que está acontecendo no ambiente social, podendo ajudar a controlar o medo. “Com mais informação, as pessoas podem aumentar o grau de organização social e o grau de segurança social.”, explica.
Tratamentos
O medo não é uma doença, portanto não possui uma cura. Mas como o medo exagerado pode afetar a qualidade de vida do individuo, causando sofrimento, comprometendo relações interpessoais, existem diversos tratamentos que podem amenizar seus sintomas.  Na medicina tradicional, o tratamento pode ser feito por psiquiatras, em geral por medicamentos psicofármacos, e por psicólogos, através de psicoterapias. “O paciente deve ser tratado por um psiquiatra, que lhe prescreverá medicamentos eficazes para tal quadro clínico e o psicólogo vai trabalhar no sentido de descobrir as razões deste estado e ajudar o paciente a desenvolver novas formas de lidar com o sentimento de ameaça”, explica o psicólogo Avelino Luiz.  Existem ainda tratamentos alternativos que podem ajudar a combater a angustia que traz o medo. Muitas pessoas acham melhor utilizarem métodos que não afetem tanto o corpo e que preservem o bem estar da pessoa. Muita gente acredita em aspectos mais espirituais e transcendentais para o tratamento do medo; métodos que envolvam energia e equilíbrio do corpo, tais como florais e acupuntura.

Florais são infusões aquosas de flores selvagens que passam por diluições com o conhaque, o conservante usado para que a solução não crie fungos. Tratam das questões emocionais e comportamentais do ser humano, cuidando do corpo, da mente e da energia. “O floral vem promover o equilíbrio do campo bioenergético e consequentemente auxiliar a restauração do corpo físico.”, explica Talita Margonari Lazzuri, gerente comercial da empresa Florais de Saint Germain. “Sua preparação tem que ser artesanal, para que a energia do floral seja efetiva, realmente natural”, explica.   Existe uma crença espiritual na preparação dos compostos. A própria pessoa que prepara o floral deve estar elevada energeticamente para não influenciar na preparação. Essas substâncias, no entanto, não tratam doenças, elas harmonizam o individuo e sua energia interior.  Existem florais que ajudam no tratamento do medo e do pânico. A empresa Bio Florais, por exemplo, possui um floral para sensação de pânico feito através das flores Tilândia, Pérola Azul e Granatta, e “fortalece na alma as energias de fé e de esperança, alivia as angústias e a sensação de morte iminente”. Os efeitos são variáveis de pessoa para pessoa, mas os fabricantes afirmam que em até uma semana os efeitos positivos já podem ser sentidos.

Outro tratamento alternativo existente é a hipnose, nome dado a fenômenos do pensamento, como amnésia, regressão de idade, alucinação positiva ou negativa. Ela pode ser usada no tratamento do medo para tentar buscar a causa desses medos. Segundo o Instituto de Hipnoterapia Educativa do Instituto Milton Erickson, de São Paulo, o paciente e o hipnoterapeuta refletem através de filmes, musicas livros e diálogos sobre as ansiedades que geraram o problema e sobre a forma com que a pessoa lida com seus medos. Depois que o paciente entende como lidar melhor com suas dificuldades, é provocada uma intensificação da memória – hipermnésia – até os momentos em que seus sofrimentos ocorreram. O paciente deve refletir e interpretar sobre suas dores e formular aprendizados e reflexões que lhe ajudarão na hora de enfrentar os medos novamente.

A acupuntura também pode ser utilizada no tratamento do medo. Para a Medicina Tradicional Chinesa, os medos são resultado de um esgotamento de energia interior que afeta principalmente os rins. Para os chineses, o rim é o órgão que se relaciona com o medo e o pânico. Esse esgotamento de energia pode estar relacionado com o excesso de esforço físico e mental, com doenças crônicas ou fatores traumáticos.  A acupuntura, portanto, tem o objetivo de reestabelecer a ordem e o equilíbrio do corpo, alinhando as energias que foram antes esgotadas. Para isso, são utilizados os pontos sistêmicos e a acupuntura auricular através de sementes orgânicas, para reestabelecer a energia vital dos rins e fortalecer o bem estar da pessoa.

O medo é algo natural e serve para proteger as pessoas das ameaças de perigo que o mundo lhes impõe. Quando esse medo é muito intenso e incontrolável, no entanto, isso pode afetar a qualidade de vida do individuo. Ele deve, por isso, procurar tratamentos, tradicionais ou não, que o ajudem a entender as origens do seu medo, as maneiras como enfrentá-lo e as possibilidades de ter uma vida mais segura e feliz. 

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