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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Isadora Couto

Mamãe, eu quero estagiar 

Como os jovens lidam com os processos seletivos de estágio e o que os recrutadores dizem sobre e para eles 




O atual mercado de trabalho brasileiro exige que cada vez mais cedo os estudantes ingressem em estágios. Se você se forma sem uma experiência sólida no currículo, "já era". No entanto, as empresas contratam um maior número de funcionários que concluíram a faculdade e poucos estagiários. Logo, a concorrência para esse tipo de cargo se torna grande e desumana. Cada vez mais os recrutadores optam por dinâmicas de grupo, e não entrevistas pessoas, visto que nela são analisadas dez pessoas em um só momento. Outras empresas escolhem a avaliação pessoal pelo mesmo motivo: analisar os pormenores e assim excluir diversos candidatos. 

E há tempos são os jovens que se estressam 

É por esses processos seletivos que Martha Codonho, de 20 anos, está passando desde o segundo semestre de 2012. "Ano passado eu fiz uma entrevista e fui contratada de primeira. Saí porque era uma miséria. Depois fiz outras, mas está difícil", contou a estudante de Moda do SENAC. No recrutamento da área de Martha é mais comum que eles peçam para o candidato mostrar o seu trabalho do que ter uma boa lábia. E quando tem, ela confessa: "Odeio pergunta do tipo 'fale suas qualidades e seus defeitos' (risos)". 

Para se preparar, a estudante faz o que qualquer outro candidato faria: "Se é para a área de moda mesmo, vou bem à vontade e uso roupas estilosas. Em outros tipos de trabalho, tento ir mais social". Ainda sobre sua apresentação, Martha revela que é muito preocupada com seu currículo e gosta de colocar muitas informações. "Coloco meus cursos, minha faculdade, sobre mim, todos os tipos de trabalho... Por exemplo, eu falo que fiz Rotaract, que é o trabalho voluntário feito por jovens do Rotary Club", afirmou a aspirante à estagiária. 

Ana Catarina Lemos, de 24 anos, por sua vez, formou-se em Publicidade há quatro meses e já conseguiu muitos estágios. "Na última vaga que consegui, eu me soltei bastante na seleção por ter me identificado com o entrevistador. Consegui falar mais sobre minhas experiências e sobre o que eu queria aprender. Porém, já consegui estágio por indicação. Eu era amiga de uma menina que ia trabalhar comigo e isso foi decisivo", relatou a publicitária. Ela também revelou que o nervosismo é seu grande inimigo e contou uma entrevista embaraçosa: "Eu estava concorrendo ao cargo dos meus sonhos, em uma monitoria de inglês. Eu domino muito bem essa língua, mas fiquei tão tensa que não conseguia pensar nem em inglês e nem em português. Foi péssimo. Até hoje quanto eu encontro o recrutador eu procuro o primeiro lugar para enfiar a cabeça (risos)." 

Ela mora em Recife e estudou na Faculdade Maurício de Nassau. Hoje, Ana trabalha como assistente de produção no Complexo de Ensino Renato Saraiva. Para conseguir esse emprego, ela conta que suas experiências durante o ensino superior foram imprescindíveis. "Eu soube que consegui o estágio onde hoje sou efetivada porque tinha experiência em uma grande produtora recifense. E nesse lugar, eu fui por espontânea vontade e pedi para trabalhar de graça", disse a publicitária, que também deu seu olhar crítico sobre o mercado de trabalho recente: "As empresas querem um estagiário para ficar no lugar de um funcionário integral e pagando a metade do preço".  

No meio de tanta gente chata eu encontrei o estagiário 

Gusavo Anacleto, recrutador da empresa Payleven, aconselha seus candidatos a "venderem seu peixe". Segundo ele, "o entrevistado deve falar mais sobre o que faz, os desafios da faculdade, os projetos que realizou. Quanto mais conseguir se descrever, melhor para ser avaliado". Gustavo trabalha na área de marketing e mídias sociais da empresa e, mesmo que procure um estagiário de Jornalismo, acaba selecionando alguém com conhecimentos mais técnicos: "É sempre bom entender de softwares como o Adobe Photoshop e CorelDraw, por exemplo". 

Já Vera Jardim, do site sobre celebridades O Fuxico, acredita que o preparo, nível de cultura e aptidão de cada um é essencial para conquistar uma vaga em sua empresa. "Atualmente, existem faculdades extremamente fracas ao ponto de o mercado excluir um candidato à vaga devido a sua formação", contou a jornalista quando questionada sobre o valor acadêmico. A recrutadora também falou o que os entrevistados não podem fazer quando se candidatam: "O candidato deve responder às perguntas feitas pelo entrevistador, sem ser prolixo. Ele deve também evitar se gabar de seus conhecimentos, mostrando ser o mais fantástico do mundo. Perguntar de cara quanto vai ganhar, quando vai folgar e que direitos tem antes que isso lhe seja passado também é péssimo. Ficar ligando ou mandando e-mail perguntando se já tem uma resposta sobre a entrevista é outra questão ruim". 

Para Vera, a aparência é um fator que conta muito na hora de selecionar um profissional. "A roupa precisa ser discreta e limpa e a pessoa precisa estar cheirosa, sem abusar do perfume, claro. Modismos como muita tatuagem, piercings, cabelos exóticos demais e alargadores são fatores que também já podem eliminar o candidato, de cara", revelou ela. Esses pormenores se tornam quesitos importantes na seleção devido ao grande número de candidatos que procuram a vagam, no entanto, segundo a jornalista, "muitos são despreparados e não têm vocação para a profissão a qual se propuseram a estudar". Ela ainda fez questão de afirmar que busca os perfis dos entrevistados nas redes sociais para avaliar algo além da capacitação profissional e enquadramento à finalidade da vaga. 

Tais critérios se tornam compreensíveis quando analisamos a procura e oferta. No Serviço Social da Indústria (SESI) de São Paulo, para apenas um estágio disponível, o setor de Comunicação da Divisão de Desenvolvimento Cultural recebe mais de 100 currículos. Eles dividem a seleção em etapas de dinâmicas de grupo porque assim podem analisar de 10 a 20 candidatos em um só horário. Em alguns casos, se sobra alguma dúvida por parte da área de Recursos Humanos, que avalia o perfil psicológico do estudante, eles realizam uma entrevista individual para esclarecer as qualidades da pessoa. 

Entretanto, Rosa Decina não aprova o tipo de seleção que o SESI realiza. "Com uma entrevista pessoal, podemos excluir a dinâmica em grupo. Mas o caminho inverso é pobre. Em grupo, só conseguimos avaliar a liderança e o trabalho em equipe", argumentou ela. Rosa é psicóloga e trabalha há 20 anos na área de Recursos Humanos de empresas nacionais e multinacionais. Ela ainda fez questão de destacar que o candidato perfeito não é necessariamente bom para todas as vagas: "Quando realizamos o processo, traçamos o perfil desejado para o emprego. As empresas variam muito sobre quem é o ideal".  

Quando questionada sobre os critérios que qualificam o possível funcionário, a psicóloga respondeu: "Nunca é constante. Em alguns lugares, precisamos de uma pessoa comunicativa, que saiba inglês, em outras, queremos alguém quieto que saiba realizar um trabalho mais técnico. Algumas vagas até dispensam minha avaliação do raciocínio".  Por outro lado, Rosa disse que existem critérios genéricos para a avaliação do aspirante ao estágio. "A postura inadequada pode te desclassificar em todos os lugares. Por exemplo, a eloquência ou a falta de domínio da língua portuguesa são coisas que nunca são bem vistas". 

Ao avaliar o recente mercado de trabalho, a conclusão é desmistificadora: não existem oportunidades para todo mundo. A concorrência para um estágio é grande, principalmente quando se trata, é claro, de um trabalho bem remunerado e com boa visibilidade. Por isso, os jovens aceitam vagas miseráveis e se submetem à exploração. Estão errados? Não. Os recém-formados sabem que seu histórico acadêmico pouco importa para as empresas. O que eles querem é experiência. 

BOX: 

Coisas que sempre colam (segundo pesquisa de campo)

1 - Estude o português, leia muito e treine sua profissão 
2 - Seja humilde, natural e sincero durante as entrevistas 
3 - Se preocupe com a higiene pessoal e esteja com roupas adequadas ao cargo 
4 - Cuide de seu perfil virtual: não use palavras chulas ou imagens inapropriadas 
5 - Venda seu peixe!

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