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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Victor Cianci


O papel do papel em um mundo sem papel
e-paper, e-mail, e-mpreendedorismo

O papel foi inventado, segundo historiadores, bem antes do nascimento de Jesus Cristo. Na China Antiga, utilizando fibras vegetais amarradas, formando um grande retângulo vazio onde se escreviam caracteres, já estava formado o conceito de "papel".
Desde então, esta ferramenta se tornou indispensável na vida do ser humano. O papel está presente em tudo: higiene, burocracia, arte, escolas. Uma mera folha de papel em branco representa um universo de possibilidades. O que farei com esta folha? Desenharei um castelo? Escreverei uma crônica? Farei uma dobradura com ela? Imprimirei um importante relatório de contabilidade?
Quase nada existe sem papel nos tempos modernos. Até sua própria identidade civil e o seu direito de dirigir e viajar para outro país são representados pelo papel.
Isto é, até os anos 2010. O advento dos tablets, laptops e da  própria internet, dentre outros recursos, começa a tomar o espaço do papel. É cada vez mais comum hoje em dia ver pessoas optando pelo Kindle (espécie de "tablet" para ler e-books, isto é, livros em .pdf que podem ser baixados da internet e lidos em alguma interface eletrônica) ao invés de comprar vários e vários livros e ter que carregá-los por aí ou encher suas estantes. Não obstante, ainda temos a substituição da agenda pelo planner dos tablets, da escrita à mão pelo documento editável hospedado no Google Docs, o blog no lugar do diário, a prova de escola que não precisa ser feita à mão e sim no computador, para ser enviada e lida por e-mail, e até a invenção do e-paper, que é uma espécie de "papel eletrônico" que pode ter seu conteúdo apagado ou editado a qualquer momento, evitando o uso de mais papel caso haja algum erro.
Em um mundo cada vez com menos papel, as empresas fornecedoras e distribuidoras começam a sentir a metafórica gravata econômica apertar um pouco  no pescoço. Muitas companhias acabam tendo que recorrer a manobras de emergência e métodos pouco convencionais para manter seus clientes, apelando muitas vezes para o velho argumento do "atendimento ao cliente".
O seriado de comédia americano The Office, criado em 2005 pelo ator e diretor Ricky Gervais, acontece na companhia de papel Dunder Mifflin, Inc., e em um dos episódios da terceira temporada, o gerente regional da empresa é convocado para falar sobre negócios na faculdade de negócios em que seu estagiário estuda. Durante a palestra, perguntas como "que futuro você vê para as companhias de papel" ou "qual a sua estratégia para vendas com um recurso ultrapassado como o papel" pipocaram aqui e acolá, e o gerente fica sem palavras. Como trata-se de um seriado de comédia, a certa altura ele se enerva, xinga a plateia e sai do auditório batendo a porta; mas não me soaria muito estranho se tal evento se repetisse na vida real.

"- What do you say to a customer who wants to leave you for the convenience and savings of a nationwide chain?
 - I say you will miss our service and I absolutely guarantee you'll come back.
- Has anyone ever come back?
- We don't want them back 'cause they're stupid.
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- O que você diz a um cliente que deseja deixar a companhia para as conveniências e os preços de uma cadeia nacional?
- Eu digo que sentirão saudades do nosso servico e que garanto que voltarão para nós.
- Alguém voltou até agora?
- Não queremos eles de volta porque são idiotas."

-- Uma parte do diálogo do episódio de "The Office" citado acima, entre um estudante da plateia e o gerente Michael Scott.


Para tentar obter algum tipo de esclarecimento sobre este assunto, conversamos com a assistente executiva Mônica Tomasson (41), única representante disponível do staff técnico da Chamex Brasil, sobre este assunto.
"A pressão é súbita neste aspecto e muitos chefões da indústria do papel ainda não têm nenhum tipo de plano B para ser executado", afirma Mônica. O futuro das empresas neste aspecto flutua entre o nebuloso e o tenebroso, e o pior é que muitos empregados são mantidos fora do assunto, trabalhando dia e noite sem saber o que vai ser da vida deles daqui a alguns anos.
A falta de papel atinge outras companhias também. O Jornal do Brasil, após anos servindo a população com seus jornais impressos, reconheceu, em setembro de 2010, o ostracismo no qual seu material se encontrava e passou a se dedicar exclusivamente às notícias online. Ou seja, há muito mais campos além do empreendedorismo compreendidos e sujeitos à mudança nesta chamada "crise" do papel.
Perguntada primeiramente sobre qual ela acha que será a situação das empresas de papel daqui a dez anos, Mônica respondeu: "Eu acho que ainda estarão bem. É fato que o papel está perdendo espaço, mas essa chegada da tecnologia ainda é uma coisa muito nova, de acesso baixo. A maioria das companhias, principalmente as mais recentes, ainda confiam no papel e a demanda não diminuiu tanto - e, na minha opinião, não vai diminuir daqui a 10 anos". Diz Mônica, ainda, que espera "que as empresas de papel consigam colocar em prática os planos alternativos de sobrevivência".
A afirmação, porém, não pode ser levada sem uma pitada de sal: afinal de contas, já é uma realidade cada vez mais comum observar a substituição do papel pelo tablet. Muitas escolas e pré-escolas já substituem os cadernos por iPads ou incentivam os alunos a trazer laptops de casa para anotar as aulas, além de realizarem provas por e-mail, se privando de folhas impressas e utilizando o meio digital para a prática acadêmica.
Entre os chamados "planos alternativos" referidos pela executiva, estão listados campanhas publicitárias, reduções em gastos e colaborações governamentais. "Não podemos entrar em muitos detalhes, primeiro porque os planos ainda estão em rascunho, e segundo porque o sigilo é vital no mundo concorrido dos negócios. Mas basta dizer que, se derem certo, manterão as empresas de papel vivas por muito mais do que 10 anos", explica.
Todavia, as grandes cadeias nacionais envolvidas de maneira menos íntima com papel (como a Staples nos EUA e a Saraiva ou a Siciliano; companhias que além de outros bens, também vendem papel) não sofrem o mesmo que as empresas de papel. Aliás, até se saem melhor nesta situação: "As grandes empresas, como percebem a desvalorização do papel, abaixam os preços e atraem todos os clientes das companhias de papel. E, realmente, não dá pra competir com os preços que eles colocam", lamenta Mônica, "e a gente muitas vezes tem que usar aquele argumento manjado do 'atendimento ao cliente', mas infelizmente não ligam muito pra isso hoje em dia".
A grande preocupação das empresas é, portanto, não apenas a própria deteriorização do valor do papel, mas sim da sua própria sustentação, da sua clientela. Com tanta coisa pra ter que cuidar, não é de todo espantoso se começarmos a, daqui a vinte anos, comprar papel nos supermercados e, daqui a trinta, aposentar de vez os cadernos no material escolar e comprar um iPad.
Apesar de ser um fator muito menos agravante na redução de atividade das empresas de papel, mais especificamente das fornecedoras, o ambiental também conta neste caso. Com o crescente número de políticas ambientalistas e o desmatamento iminente dos tempos modernos, o cuidado com a celulose (material primário que compõe praticamente o papel inteiro) vem aumentando muito. Marciliano Viegas (49) é um desses ambientalistas que se opõem ao ofício das empresas de papel.
Viegas nos conta que a quantidade de árvores derrubadas ao longo do tempo pelas empresas foi se tornando tão insuferável que até o mais alienado dos cidadãos passou a perceber, criando assim uma imagem negativa das companhias que arrancavam árvores mata afora. "E foi a partir dessa conscientização automática da população que deu pra começar a fazer movimentos ambientalistas de sucesso. Quando a população já sabe que papel vem da árvore e que a árvore cai pra fazer papel, fica muito mais fácil explicar como economizar papel", continuou Viegas.
Marciliano também deu sua opinião, ainda que parcialmente leiga, sobre a entrada do e-paper no lugar dos papéis convencionais e qual o impacto dessa chegada para o meio ambiente e para o ramo do papel no empreendedorismo.
"O e-paper é mesmo uma maravilha, né?", elogiou. "Eu vi que ele não é muito comercializado por causa do custo de produção que é alto. A chegada dele eu acho que vai (sic) impactar de uma maneira positiva para o meio ambiente, porque se você pode evitar o desperdício de papel com as propriedades que o e-paper tem, de ser editável e tal. E se é bom pro meio ambiente, eu acho plausível falar que é ruim para as empresas, já que são mais ou menos concorrentes".
O "alto custo" a que Marciliano se refere é devido ao material raro que compõe o e-paper. De acordo com os especialistas no assunto, ele é feito a partir de três camadas de material eletrônico, sendo a camada mais superficial sensível ao toque do dedo humano ou de uma caneta stylus (específica para telas). As três camadas suportam o sistema de cores RGB (o mesmo das televisões até 2009) e é esse sistema que projeta a imagem na tela. Como a imagem é virtual, os dados que foram inseridos no sistema do e-paper, se alterados, alterarão a própria projeção; daí a propriedade editável do material.
Mônica também foi perguntada sobre o que o e-paper representa para ela. Sua resposta foi um tanto menos animada: "Olha, essa questão do e-paper é algo ainda muito hipotético para ser discutido. Eu sou da opinião que essa realidade ainda vai demorar bastante para chegar, e quando chegar, como eu disse anteriormente, espero que nossos 'planos B' já tenham sido colocados em prática. Com sucesso, claro."
Diante da palavra conflitante entre dois especialistas em assuntos que se opõem, recorremos, então, ao povo para dar o voto de minerva. O jovem estudante Thalles (16) não soube muito bem responder a pergunta, mas foi breve, sincero, e um tanto desbocado: "Pra mim, eu acho (sic) que o papel já era", declarou o estudante do segundo ano do colegial. Seria interessante saber o que os dois lados achariam desta afirmação.
Como a opinião popular, numa democracia, funciona como fator determinante, seria seguro dizer que o "lado" vencedor é o que acredita no caminho mais sombrio para o futuro do papel e das companhias. O caso, porém, como foi demonstrado pelas entrevistas e dados acima, é muito mais complicado e coloca muitas teorias, interesses, estimativas e estatísticas em jogo.
Portanto, a realidade que o papel encontra hoje é uma grande encruzilhada com caminhos distintos e repletos de contradições, meio ambiente versus produtividade versus corporativismo... O que podemos dizer é que o papel, assim como a vida humana, pode seguir os caminhos da maneira que bem entender, mas sabendo que todos levarão a um indisputável caminho final. Resta saber o quão longe está o papel de chegar nesta "idade".

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