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sábado, 20 de abril de 2013

Reportagem temática - Lucas Brêda


Por amor às causas perdidas





“Eu acho que, provavelmente, a banda iria acabar se a gente gravasse o disco de outro jeito”. Foi como Artur Roman, rindo, mostrou ceticismo com o próprio drama, afinal, sua banda rejeitou uma parceira com Rick Bonadio – famoso produtor musical, criador dos selos Arsenal Music e Midas Music – e agora vai ter que arcar com todo o ônus de lançar seu novo álbum de forma independente. “Esse disco é tão verdadeiro e tão nosso que eu acho que não faria sentido a gente ter gravado de outra forma”, justificou a opção pelas gravações ao vivo, com estúdio de sua escolha, em detrimento das comodidades (custo zero, divulgação, distribuição) de ser amparado por uma gravadora.
O caminho que segue o Sabonetes não é inédito. O Led Zeppelin em 1974 (Swan Song Records) e até mesmo os Beatles em 1968 (Apple Records), criaram seu próprio selo para lançar seus discos. Tim Maia autoproduziu seus álbuns da fase “racional” (Selo Seroma), por volta de 1975 e inaugurou essa modalidade no Brasil. Na última década, por aqui, grande parte dos músicos desse “novo BRock” – se é que “rock” é suficiente para rotular a música popular brasileira pós Los Hermanos – que tiveram alguma relevância dividem o rótulo de “independentes”. Em alguns casos, por opção, em outros, por determinação.
Por aqui, a relação entre crítica e comércio não é muito agradável. Em 2009, ano em que Victor e Léo, Skank e Ivete Sangalo dominaram as paradas de sucesso, a revista Rolling Stone – mais expressivo veículo do jornalismo musical no país – colocava os álbuns de Móveis Coloniais de Acaju (C_mpl_te, lançado na internet) e Black Drawing Chalks (Life Is A Big Holiday For Us, por selo independente) na lista dos dez melhores do ano. Em 2010 foi assim com o Sabonetes (autointitulado, Arsenal Music), em 2011 com o Nevilton (De Verdade, independente), e em 2012 com o Vivendo do Ócio (O Pensamento É Um Imã, independente). Todos esses artistas tiveram que ler boas críticas por parte da mídia, mas ouvir outros sons quando ligavam o rádio.
“Na mídia tem muito lance de jabá e de influência, saca? É meio podre isso”, confessa Artur, numa das únicas vezes que mostrou certa indignação, em sua conversa comigo. Ele confirmou: “é meio podre mesmo... você tem que ser amigo da pessoa ou ter muita grana” e confessou “é um saco isso. Ou você tem que ser amigo de alguém ou botar muito dinheiro pra poder tocar na rádio? Isso aí tá muito errado”.
O Artur é um cara convicto. Durante pouco mais de uma hora de conversa, poucas foram as vezes em que ele demonstrou sinais de desconforto. Mesmo em assuntos cruciais, ele preferia rir com um certo tom de ironia: “A gente se f..., mas se diverte”. Artur é otimista e, não bastasse os olhos claros, mira o mundo com um olhar iluminado. Não acha que o mercado da música está em crise, para ele: “muita gente ainda compra CD”. Pena que não é bem assim. “Eu não gosto de falar em ‘mercado musical’ porque o que mantinha o mercado musical, hoje em dia, já não tem tanta força. Eram gravadoras, que tiveram uma crise e foram obrigados a reduzir muito, tanto ‘casting’ como equipe, e então, não dominam mais o mercado como dominavam. Você pode ver, por exemplo, o Calypso, até hoje, é uma banda independente. Nunca tiveram uma gravadora, e se mantém fortes, fazem muitos shows e vendem CD/DVD a rodo”.
Os anos 1980 colocaram o Brasil no mapa do rock. Até então, havia o Mutantes, o Raul Seixas, mas não uma cena forte. O primeiro Rock in Rio, em 1985, foi o boom que faltava para Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Ultraje A Rigor, Ira!, Engenheiros do Hawaii, Legião Urbana, Titãs, entre tantos outros, alcançassem o sucesso comercial e de crítica, dominando a música brasileira à sua época. Apesar de flertarem com o blues, new wave, progressivo e reggae, o estilo ficou conhecido como pop rock, afinal, aquilo tudo era popular, alcançava um grande público.
Apesar de passados quase trinta anos, esses artistas continuam a dominar os palcos dos festivais de norte a sul, diferente da sua época, quando novas bandas tiveram grandes oportunidades de se apresentar. Enquanto eu perguntava se isso, de alguma forma, o frustrava, Artur tratou logo de me interromper: “eu adoro o Titãs, cara”, e respondeu da seguinte forma: “Eu não acho frustrante não”. Passados dois segundos de reflexão, ele concluiu: “eu acho que poderia ter mais espaço e mais incentivo para bandas novas. Eu sinto falta mesmo de ter um espaço maior”.
A ideia de juntar quatro amigos na faculdade, montar uma banda de rock, ouvir suas músicas no rádio, e fazer shows para milhares de fãs ainda é forte no imaginário de muitos jovens. As possibilidades, contudo, não são as mesmas de outras épocas. Talvez os Sabonetes nem tivesse essa ideia na cabeça, quando fizeram os primeiros ensaios, em meados de 2007. A faculdade foi a UFPR (Universidade Federal do Paraná), em Curitiba. Artur Roman (vocal), Wonder Bettin (guitarra) e Alexandre Caja (bateria) – o baixista João Davi veio depois - cursavam Comunicação Social. Aliás, a primeira das coisas que o Artur me disse foi: “cara, eu sou formado em jornalismo”. Fazer música, para eles, era a maneira mais barata de entrar nas festas e beber cerveja. O negócio ficou sério, algumas músicas que Artur tinha escrito foram agregadas ao repertório, até que, em 2010, já com a mudança para São Paulo, veio o primeiro disco (de forma independente, à princípio, mas relançado em 2011 pela Midas, gravadora de Rick Bonadio).
Numa entrevista ao “Caderno G” - do jornal paranaense “A Gazeta do Povo” -, em 2010, o recém-mudado para a capital paulista Artur, cravou a frase: “ser músico em Curitiba não é emprego”. A mim ele deu outra resposta: “eu tenho vários amigos que vivem de música em Curitiba, e eles vivem bem legal. Inclusive, se hoje em dia perguntarem pra mim se eu aconselho alguma banda a se mudar pra cá, eu vou falar que não” e entre risos completou “fica em casa que é mais sossegado”.
Os traços da maturidade ficam evidentes não apenas no modo como Artur fala da mudança para São Paulo, ou na comparação de entrevistas antigas e atuais. Basta reparar na serenidade com que ele se refere a um mundo que, agora, já conhece. As risadas demonstram a tranquilidade de quem já não se preocupa tanto com alguns problemas, mas que dá risada porque já viveu, já conhece, e, portanto, não teme.
“A gente mora em três. O Alexandre mora com a namorada dele. Moramos eu, Wonder e o Davi aqui perto”, aponta para a direção da Vila Madalena, bairro nobre da região oeste de São Paulo. Estávamos numa lanchonete – ou bar, ou restaurante, já que vendia cerveja, almoço, e lanches – na rua Heitor Penteado, chamava-se Vila Heitor. Artur tomava uma água com gás, e vez outra segurava e remexia a comanda eletrônica que estava em cima da mesa. Atrás dele, pela janela de vidro, carros, motos e, principalmente, caminhões passavam a toda velocidade que uma tarde de sexta-feira de trabalho em São Paulo sugeria. A pressa do lado de fora, entretanto, estava em outra sintonia. Artur vestia uma camiseta preta, de gola aberta, que releva uma pele branca – um pouco avermelhada, graças ao calor que fazia – que remetia às origens curitibanas. Os pequenos cachos e a barba cheia tendem ao loiro e o braço direito revelava, por baixo da manga, uma de suas tatuagens.
O baterista da banda, Alexandre Guedes (ou Cajinha), formado em cinema, sempre usou o conhecimento para promover a banda. Dirigiu todos os vídeos, desde o primeiro clipe – anterior até mesmo ao CD – para a música “Quando Ela Tira O Vestido”, gravado na casa da banda, com uma câmera. A descrição do vídeo no youtube é: “Quando ela tira o vestido é o primeiro videoclipe da banda Sabonetes. Gravado em três dias na residência do grupo e nos arredores da Vila Madalena, foi inteiramente produzido, gravado e editado por integrantes da banda e amigos.”
Daí em diante, essa passou a ser uma das armas de divulgação do grupo, posteriormente com o clipe de “Hotel”, o projeto “Descontrolada” – em que Alexandre pediu para que alguns amigos filmassem cenas que remetessem à música, na visão deles, e, a partir dessas imagens, construiu um clipe, no mínimo, original – e o cover de “Vem Quente Que Eu Estou Fervendo”, de Erasmo Carlos. Além disso, entretanto, o diretor atualizava o que ele chamava de “videoagenda”, com muita criatividade. Num dos episódios, ele reproduziu o começo da música “Na Na Na”, com sons de cozinha (bater de gavetas, arrastar de talheres, estalo de faca ao cortar alimentos).
E foi por meio de um vídeo promocional que o Sabonetes iniciou o projeto que deu subsídios para a banda conseguir gravar seu segundo álbum. Uma filmagem dos quatro integrantes conversando sobre como lançar o novo disco de forma independente, mesmo sem ter dinheiro, apresenta o projeto: um fã compraria o disco antes de ser lançado, e quando ele estivesse pronto, receberia em casa. Em caso de não dar certo, o dinheiro seria devolvido. No vídeo, Artur, ao tentar convencer seus companheiros de banda a aderirem ao crowdfunding para o álbum, diz a seguinte frase: “bom, nós sabemos que  não vendemos mais discos como antigamente, mas quem não ia gostar de receber o CD em casa, com seu nome nos agradecimentos, e o cara ainda vai ajudar a banda que ele gosta”.
No fim, não foi tão simples assim, havia diversos pacotes. Pagando 200 reais, o fã poderia acompanhar a gravação, mas com R$ 200 era possível, inclusive, participar com a voz de uma das músicas do disco. 300 reais davam a oportunidade de assistir a gravação de um dos clipes, e R$ 450 ofereciam uma tatuagem feita pelo tatuador da banda. Os mais fanáticos poderiam conseguir um jantar com a banda (por R$ 500), ser protagonista do primeiro clipe (R$ 1000), ter um pocket show dentro de casa (R$ 1500) e ter seu próprio nome tatuado por todos os integrantes da banda (R$ 50000). A mensagem sobre a tatuagem era: “Não, não vai ser grande, e nem na testa. Mas se você tá podendo pagar o disco sozinho, não duvide, a gente tatua mesmo. O valor excedente é para nossa terapia.
O projeto foi apresentado dessa forma: “Como você pode ajudar? Comprando o disco. Só isso? Sim, mas o detalhe é que você precisa comprar o disco antes dele ser gravado, pois só assim levantaremos o dinheiro para entrar em estúdio, gravar, mixar, masterizar, mandar o cd para a fábrica e entregá-lo a você que comprou.
“Rolou, foi lindo, cara. A gente inclusive passou da nossa meta, que era juntar 40 mil. Conseguimos 50 mil. Tudo de público, de fãs, amigos. Foi incrível.” Comemorou Artur  com o sucesso do projeto, que teve 510 apoiadores e arrecadou um total de R$ 50.958. “O disco vai sair independente”.
“Tivemos a oportunidade de gravar o segundo disco pelo Midas. Mas eram condições que a gente não tava afim. Chegamos com o projeto, apresentamos pro Rick, e era um projeto que ele não concordava. Ele deu uma contraproposta, a gente também não achou interessante, e no fim, nossa parceria não foi tão legal nem pra gente, nem pra ele. Então, decidimos ficar independente mesmo”. O crowdfunding deu a liberdade que a banda queria para fazer o novo álbum à sua maneira, de acordo com a ideia que eles tinham em mente.
Perguntado se essa “ideia pronta” sobre o segundo disco diferia das características do primeiro, ele disse: “foge, porque no nosso primeiro disco, a gente já tinha uns três ou quatro anos de banda. Só pegamos as melhores músicas que tinhamos composto durante esse tempo e gravamos”. Além de tudo, o cantor ressalta a “mão forte” do produtor do primeiro álbum, Tomás Magno – um cara “genial”, segundo ele - , frisando que foi ele quem “formatou esteticamente” o disco. Afinal, imaturos, os quatro músicos não tinham muita ideia de como soar. Para o segundo disco, o grupo pretende colocar muito mais do próprio DNA, livre de interferências externas.
Essa “liberdade” que a opção por ser independente dá, entretanto, carrega uma série de complicações: “agora, a gente tá totalmente independente. Vamos ter que arrumar grana pra fazer assessoria, se empenhar em divulgação de internet, fazer o nosso próximo clipe. Tudo isso por nossa conta”. O que, contudo, não frustra o vocalista: “Mas achamos melhor fazer assim, e poder fazer o disco que a gente queria, do que ter que abrir mão de algumas coisas e ter apoio bancado por outra pessoa”.
Sobre os shows? “é a gente que marca”. Podem ocorrer shows divididos em fins de semana, mas turnês inteiras, diretas, são muito improváveis e dificilmente ocorrem. “A gente marca um show em uma capital, e já vê em volta pra tentar marcar outro show e aproveitar essa ida”, revelando o que é o conceito de turnê para grupos nacionais do universo independente. “Eu acho que nos Estados Unidos/Europa, você consegue fazer uma turnê de sair de casa e passar um mês fora. Mas aqui, ocorre uma combinação: não tem tanto público, isso faz com que não tenha tantos produtores, que faz com que não tenha tantas casas de show com estrutura, não tendo isso, você não gira dinheiro em torno desse meio, e aí essa ‘cena’ não consegue se desenvolver”.

Ao conversar com Artur, é possível perceber duas formas distintas de fazer música no Brasil: entrar no campo das gravadoras e conseguir emplacar sucessos nos canais de video-clipes - ou nas rádios - ou fazer a música que quer, tendo que, contudo, enfrentar todos os dragões que aparecerem no caminho. O que os especialistas chamam de “boa música”, muitas vezes tem um alcance tão pequeno que são quase insuficientes para permitir o artista viver apenas de sua produção. A internet, ao mesmo tempo que dá oportunidades para todas as direções, coloca grades entre a exposição e o retorno financeiro.

O Sabonetes, porém, é o reflexo de  tantas outras bandas país a fora, que como “Dom Quixotes”  lutam por suas “causas perdidas”. “Cara, tem meses que dá uma apertada. Mas a gente consegue pagar o aluguel. Dá... dá pra viver”, confessou Artur aos risos, para concluir: “Cada escolha que você faz, você tem perdas e ganhos. Eu acho que, se você quiser viver de música no Brasil independente, se você quiser ser uma banda independente, vai ter que abrir mão de algumas coisas que você teria se você fosse advogado. Só que não vai precisar trabalhar de paletó, não vai ter um horário definido. São escolhas... se você não conseguir abrir mão de algumas coisas para diminuir o custo de vida,  não pode ser músico. Não vai ter grana sempre”.

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