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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Beatriz Pires



O trabalho de quem indica
Quem são e o que fazem os homens-seta que ocupam as ruas de Sorocaba indicando a compradores o caminho da casa própria




A estudante Ana Carolina Silva de Medeiros, 17 anos, é moradora do bairro do Jaguaré, em São Paulo. Ela trabalha anunciando um novo empreendimento imobiliário na zona leste de Sorocaba, localizada a 100 km de São Paulo, ao lado de amigos que a indicaram para o trabalho. “Uma amiga minha disse que estavam precisando de gente, então falei que queria.” Matriculada no primeiro ano do ensino médio, há quatro meses a jovem recebe R$ 80,00 por final de semana trabalhado, mas não tem refeição inclusa, somente o transporte. “A comida a gente traz de casa. Se fosse pra vir de ônibus não tinha como, mas a gente vem de perua”.
Todos os sábados e domingos, Ana Carolina e seus colegas saem de São Paulo às oito horas da manhã e retornam às cinco da tarde. Questionada se gosta do trabalho que faz, a garota é enfática: “eu acho legal senão eu não estava vindo. E é bom para tirar um dinheiro.”
Vestindo uniforme verde e branco com as cores do condomínio Arte de Viver, Ana falou conosco enquanto se preparava para começar a trabalhar, sentada dentro de uma perua branca conversando com outros colegas, todos paulistanos e com idades próximas a sua.
A história de Ana se cruza com a de muitas outras pessoas que trabalham como homens-seta na cidade de Sorocaba. A cidade vive, de 2011 para cá, um período de intensa expansão do mercado imobiliário. Segundo o Sindicato da Habitação (Secovi – SP) o número de imóveis novos em condomínios horizontais e verticais teve um aumento de 70% entre outubro de 2011 e setembro de 2012. Nos doze meses abrangidos pelo levantamento foram lançadas na cidade 4.732 unidades, contra 2.787 lançadas no período anterior. Com 3.880 unidades, os apartamentos (condomínios verticais) respondem por quase 82% dos imóveis construídos.
Empreendimentos industriais geradores de empregos, como construção da fábrica de automóveis Toyota, intensificaram a migração de mão de obra para Sorocaba, aumentando a procura por imóveis novos e usados. O sindicato aponta ainda que a ausência de investimentos públicos voltados para a população de baixa renda tem deixado o caminho livre para a iniciativa privada, conhecida como “nova classe média”, com renda familiar mensal entre R$ 1.000,00 e R$ 4.500,00. Com isso, as empresas do setor se esforçam para aproveitar ao máximo esse nicho, colocando à venda um número expressivo de prédios de apartamentos populares e de médio padrão. E são nesses empreendimentos que encontramos os conhecidos homens-seta fazendo a publicidade aos finais de semana.

Na zona sul, condomínios de alto padrão

Nas proximidades do Esplanada Shopping, principal shopping sorocabano, encontramos Márcia dos Santos, 43, vestindo boné e uniforme vermelho e branco com as cores do condomínio Vitrine. Moradora de Votorantim, cidade vizinha, Márcia conta que faz esse serviço a aproximadamente dois anos todos os finais de semana. Ela conta que logo que se mudou de Itapetininga para Votorantim viu algumas pessoas trabalhando e, como a necessidade falou mais alto, foi se oferecer para o emprego.
Márcia também trabalha com pequenos serviços durante a semana, como jardinagem e faxinas, e diz que o trabalho como mulher-seta ajuda a complementar a renda da família. “Aqui eu tiro quarenta reais por dia, o que dá oitenta por final de semana”. A alimentação não está inclusa no pagamento, o que faz com Márcia tenha que levar a própria comida para a hora do almoço, que acontece das 12h às 13h.
Segundo ela, “gosto do trabalho, mas tem também a necessidade. Se tivesse um serviço melhor para eu fazer eu largaria, mas como eu preciso estou aqui”. Márcia diz que a família apóia seu trabalho, mas que nenhum deles a acompanha por serem todos menores de idade. “Eles não recolhem menores para trabalhar aqui”, complementa.
Fazendo publicidade para o mesmo condomínio também estava Benedito Meira do Prado, 30, que trabalha como homem-seta a aproximadamente três meses. Morador do bairro Itapeva, em Votorantim, ele começou no trabalho da mesma forma que Márcia: vendo outras pessoas e se oferecendo aos contratantes. Benedito não trabalha durante a semana e vive com os trinta reais ganhos por dia no final de semana, resultando R$ 240,00 por mês. Morando com o irmão, ele diz que o dinheiro ajuda mas que, se pudesse, faria outra coisa. “Mas o trabalho é bom, não cansa”, diz ele. Benedito diz que não conhece o empreendimento que anuncia e que sabe somente onde ele se localiza, ajudando os compradores a achar o caminho para a tão sonhada casa própria. Segundo ele, o patrão o coloca no lugar em que deve ficar indicando o condomínio para as pessoas e lá ele permanece o dia inteiro.
                     
Questão de publicidade       

O técnico em marketing Luiz Felipe Spinardi é enfático ao falar sobre a importância dos homens-seta para a publicidade. Segundo ele, os homens-seta não são a principal forma de divulgação dos empreendimentos. Eles são auxiliares de promoção e de venda dos meios de propaganda principais como rádio, televisão e panfletos.
Para ele, os homens-seta são importantes para que a propaganda se torne mais afetiva para o público. “Quando você para em um semáforo e vê uma pessoa segurando uma placa ela chama mais atenção e dá uma imagem melhor para a empresa”. Esse tipo de publicidade também é mais barata para os empreendedores em comparação com outdoors de propaganda.
Existem empresas especializadas em contratar as pessoas, o que não que dizer que as pessoas sejam bem remuneradas. Geralmente as pessoas que procuram esse tipo de emprego não possuem qualificação profissional e fazem esse trabalho como forma de ganhar um dinheiro extra. “Existem também empresas que recrutam profissionais através de anúncios em jornais ou na rua, deixando essa área aberta para quem quiser entrar”, diz.

Legislação municipal e mercado imobiliário

Por mais presentes que eles estejam na cidade, os homens-seta causam polêmica em relação à legislação vigente. A população questiona se essa prática é permitida, quais as regulamentações trabalhistas e qual a posição das imobiliárias em relação a esse tipo de propaganda. O advogado e corretor de imóveis Sérgio Leonardo Fernandes trabalha nessa área há 25 anos e conta que os homens-seta apareceram na cidade no ano de 2008 com a vinda de uma grande empresa de São Paulo para Sorocaba e, também, para cobrir a proibição do uso de cavaletes na cidade. Para ele, não existe propaganda melhor do que a presença dessas pessoas, que têm um grande potencial para levar possíveis compradores para dentro dos empreendimentos apenas com as indicações. “Em 2008 as pessoas ficavam apenas com bandeiras em frente aos empreendimentos. Logo que essa empresa paulistana chegou deu muita confusão com a fiscalização da Prefeitura e essa prática foi suspensa por dois anos. Em 2010 ela voltou e cresce cada vez mais. Para o empreendedor é barato e para o corretor é uma maravilha!”
Segundo ele, existem três empresas em Sorocaba que prestam serviço para os empreendimentos com seus funcionários. As empresas não têm critérios para a escolha de seus trabalhadores, pois o serviço é sacrificante. “Tive que interferir em alguns empreendimentos, pois eles colocavam crianças de 14 ou 15 anos para trabalhar”.
Como advogado, Sérgio diz que a forma de contratação é temporária, pois eles recebem por dia. Em Sorocaba existe uma legislação que proíbe esse tipo de prática para proteger a vida dos que trabalham do risco de acidentes em vias públicas. Em 2008 ocorreram autuações, multas e as imobiliárias foram obrigadas a parar com essa propaganda. Porém, hoje não existe mais fiscalização da Prefeitura.
Sérgio diz que muita gente passa mal e desmaia durante o trabalho, pois “o trabalho é desumano, mas é um mal necessário”. O trabalho é um bico para os jovens dos bairros mais pobres de Sorocaba, pois a pessoa quer trabalhar um dia e depois não quer mais, por serem pessoas de extrema necessidade.

Mercado de trabalho

O crescimento da economia aliado à expansão imobiliária gera uma situação de quase pleno emprego excluindo os trabalhadores menos qualificados. A eles ainda restam oportunidades honestas de sobrevivência em trabalhos informais e mal remunerados, muitas vezes em péssimas condições de salubridade, mas de grande importância para o meio econômico. Portanto, da próxima vez que quiser comprar um imóvel novo siga as setas que algumas pessoas que as carregam estarão sorrindo para você!

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