Os cruzados do século XXI
Em 1960, o advogado, e ex-deputado
constituinte, Plínio Correia de Oliveira (1908-1995), fundou a Sociedade
brasileira de defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Da sua fundação,
até a década de 1980, foi uma das maiores organizações católicas do mundo,
chegando a contar com mais de 100 mil membros em 16 países.
A TFP concentrava sua atuação nos
seus três lemas: Tradição (Defesa da herança católica e combate ao laicismo.),
Família (Defesa da chamada família tradicional e contra o casamento homossexual
e o aborto.) e a Propriedade (Combate ao comunismo). Tudo isso comandado, até a
sua morte, com mãos de ferro, pelo seu fundador.
A TFP, especialmente na América
latina, teve uma posição de destaque no apoio às ditaduras militares, e combate
a grupos dissidentes de esquerda. A organização, se pautava pela ação de
centenas de jovens, na sua maioria de classe média, que eram enviados, em
caravanas por todo o Brasil, para levar a sua mensagem.
A partir de 1985, a TFP começou a perder
a sua força política. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu
uma nota pedindo para os católicos não entrarem na organização. Como a TFP não
é uma organização da Igreja Católica essa decisão foi ignorada por seus
membros, que dizem que só o Papa, como representante de Cristo na Terra,
poderia proibir católicos de entrar na organização.
Após o fim da ditadura, e do
comunismo na Europa, a TFP perdeu muita força e milhares de membros, quando o
seu fundador, Plínio Correia de Oliveira, morreu em 1995, a situação só piorou.
Com a sua morte, segundo a vontade
de seu fundador, em testamento, a liderança da TFP deveria ir para os oito
fundadores restantes, mas dois anos depois, a TFP brasileira se dissolveu em
outras organizações, que queriam trocar a luta política e se focar na religião,
o contrario do desejo dos oito fundadores. As dissidências, além de se separar,
começaram a lutar pelo direito de usar o nome TFP, uma luta que continua até
hoje. Os dissidentes, Arautos do Evangelho e a Aliança de Fátima, focaram
apenas no aspecto religioso, enquanto que os oito fundadores, fundaram o
Instituto Plínio Correia de Oliveira (IPCO), que, ainda que impossibilitado de
usar o nome e o símbolo da TFP, um leão vermelho, se mantém na luta política.
Esta briga no Brasil custou caro
para a TFP, também em outros países. Dos 16 países, em que existia, em 1985
restaram só sete, que são ligados ao IPCO. Por não ter ocorrido dissidências
nestes países, eles puderam manter o nome de TFP.
Hoje sem dinheiro, sem sede e sem o
nome, o IPCO tenta sobreviver, para manter a luta por seus valores vivos. E nos
últimos anos, graças ao advento da internet, muitos jovens têm sido atraídos
por estes valores.
O IPCO, atualmente não tem sede
própria, seus membros fundadores se encontram semanalmente, na casa de um deles,
para discutir os rumos do movimento e, claro, rezar. Antes de discutir os rumos
do IPCO, rezam o Pai Nosso e a Ave Maria, em latim. São homens, com muitos anos
de estudo, e muitos são descendentes da mais alta nobreza europeia,
especialmente portuguesa, e a brasileira. As discussões se baseiam em: Como
conter o comunismo e o, que eles chamam, “gayzismo”. O IPCO, como herdeiro da
ação política da TFP, não atual só com discursos, mas, principalmente, com ações.
Igreja Nossa Senhora do Brasil,
sábado, 10 da manhã cerca de 50 jovens de classe média,com uma boa educação e
acompanhados de muito senhores idosos, assistem a uma missa do rito tridentino.
Todos na igreja, vestidos de terno, com uma faixa amarela, ouvem atentamente as
orações feitas em latim, os cantos gregorianos e toda a cerimônia deste culto,
que remonta dos tempos medievais, e que caiu em desuso na Igreja Católica, há
quase 50 anos, com o Concílio Vaticano 2º.
A Idade Média está muito presente
na filosofia de vida destas pessoas, que se consideram cruzados modernos. Eles
consideram a Idade Média, não uma “Idade das Trevas”, mas sim, uma época de luz
para o cristianismo, quando ainda não havia ocorrido a Reforma Protestante e a
Igreja era a senhora absoluta da verdade, sem contestações, e protetora da
civilização cristã. E dizem que era nesta época de feudalismo, que as pessoas
eram verdadeiramente felizes, por estarem perto de Deus.
Na hora do sermão, o padre Paulo
Ricardo, que tem um blog e inúmeros vídeos no Youtube, onde explica sobre a
doutrina católica, com milhares de visualizações, falando português, elogia a
atuação da organização, critica o comunismo e o casamento gay, para ele os dois
grandes inimigos da família. E é saudado com palmas entusiasmadas, de todos os
envolvidos. A missa durou cerca de 3 horas, sem ninguém mostrar cansaço, ou
indiferença, todos aparentam uma fé inabalável e uma convicção inquebrável em
seus ideais.
Graças às brigas na justiça, pelo
espólio da TFP, o IPCO ficou sem sede, a antiga sede, num casarão em
Higienópolis, ficou com os Arautos dos Evangelhos. Sendo assim, fazem as
reuniões, na casa de um de seus membros, e grandes encontros e palestras,
principalmente, no Club Homs, na Avenida Paulista, em São Paulo.,
Logo na entrada os participantes
deste encontro, todos homens, veem uma imagem, de cerca de um metro, de Nossa
Senhora de Fátima e quadros de São Luis, rei Francês do século XIII, e do Beato
Carlos da Áustria, ultimo imperador austríaco. Para os membros, esses dois
monarcas, são os melhores exemplos do que deve ser o líder de um país católico.
Entrando na sala da palestra, inúmeros senhores, incluindo representantes da
TFP americana e alemã, esperavam pela palestra do Duque Paul de Oldemburgo,
sobre o perigo do islamismo, para a Europa, e a civilização ocidental.
A Palestra começa com todos os
presentes rezando a Ave Maria e o Pai Nosso, em latim, após isso, o presidente
da organização, Adolpho Lindenberg, um senhor com mais de 70 anos, de voz rouca
e pouco cabelo e sentado num local de destaque, embaixo do quadro do fundador,
apresentou o palestrante. Sentado à mesa junto com o presidente e o duque,
estava o padre Paulo Ricardo, ao lado de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida.
Durante cerca de uma hora, o palestrante
falou, em um excelente português, dos perigos, que para ele, a Europa está
sofrendo com o aumento do número de muçulmanos e sobre como isso, junto com o
laicicismo, está levando à legalização do casamento homossexual e do aborto.
Assim, destruindo a família tradicional, para ele o maior presente de Deus à
humanidade.
Após a palestra, que foi amplamente
aplaudida, a liderança do IPCO, partiu para um retiro espiritual de 10 dias em
uma fazenda, de um dos membros. E a juventude foi para casa, pois eles tinham
uma missão no dia seguinte.
Às 10 da manha, na frente de uma
Igreja, em Higienópolis, inúmeros jovens começaram a chegar, vestindo ternos
com uma faixa amarela, com o símbolo do IPCO. No local estavam os chamados
Capitães, membros mais velhos que iriam comandar a caravana. Estas caravanas
são uma tradição que remonta aos anos 60, porém, por muitos dos caravanistas
estudarem esta época do ano, as grandes caravanas por todo o Brasil ocorrem de
Dezembro a Fevereiro e em Julho. Esta caravana, era só de um dia, em alguns
pontos de São Paulo, como a Avenida Paulista.
Cada grupo entrou em uma Kombi,
cheia de folhetos, e partiram para o seu destino. Cada grupo, de 15 jovens, era
acompanhado por um capitão. Chegando à Avenida Paulista os caravanistas, estavam
com uma Gaita de Fole e uma trombeta que tocavam enquanto falavam palavras de
ordem em defesa da família tradicional e levantavam o estandarte amarelo, com o
símbolo do IPCO, o rosto de seu fundador Plínio Corrêa de Oliveira.
O trabalho dos participantes da
caravana, era entregar folhetos de campanhas contra o casamento homossexual,
aborto e em defesa dos valores e dogmas católicos. Um jovem passava no meio dos
carros com uma faixa dizendo: “Buzine se você acha que casamento só existe
entre um homem e um mulher” E muito dos motoristas buzinavam. E, na outra faixa,
outro participante, segurava outra faixa que dizia: “Buzine contra o aborto e
em defesa da vida” e inúmeras pessoas também buzinavam.
A grande maioria das pessoas, pela
correria do dia a dia, mal prestavam atenção na caravana, alguns riam e até
insultavam os participantes os chamando de racistas. E estes respondiam em
conjunto, e bem alto: “Mandamentos de Deus são claros: Aborto é um pecado,
casamento é sagrado entre um homem é uma mulher.”.
Os caravanistas ficaram cerca de 4
horas na sua campanha, que eles chamam de “Cruzada pela família”. Após uma
ultima oração pública os membros guardam os folhetos, e outros objetos na
Kombi, satisfeitos com a campanha do dia. Alguns não vão embora, com a Kombi,
pois moram perto da Paulista.
Era um Sábado, pós Páscoa, por suas
crenças, passaram a quaresma sem comer carne vermelha, mas com o fim destas,
decidiram comer hambúrgueres no McDonald´s, como fazem muitos jovens da sua
idade. Estes têm, como muitos jovens hoje em dia, famílias diferentes das que
defendem, com pais divorciados, e que muitas vezes não deram aos filhos a
atenção necessária, eles dizem terem sidos atraídos pelo IPCO pela constância
dos valores que defendem, os mesmos há 2000 anos e que a sociedade era feliz
quando respeitava estes valores, sem contestação.
Muitos sonham em sair de casa e
morar em algum dos retiros da TFP, nos Estados Unidos, Alemanha ou França,
locais de rotinas rígidas de trabalhos e, principalmente, orações. Afastados de
um mundo, segundo eles, cheio de pecados e tentações.
Eles conheceram o IPCO, pela internet,ou
por amigos que já participavam do movimento. Alguns tiveram o apoio da família
no início, por esta considerar a organização com bons valores, mas pela organização
pedir obediência cega e irrestrita de seus membros, e pelas brigas, causadas
pelo embate entre a ideologia do movimento e das respectivas famílias, muitas
começaram a proibir os filhos de frequentar a organização.
Desde a década de 1970, há denuncias
contra a TFP, e suas dissidências, que são acusadas de fazer lavagem cerebral
em seus membros, afastando-os das famílias e amigos. A organização pede
obediência cega à organização, suas lideranças e à Igreja Católica, exigindo
uma vida dentro dos preceitos da ideologia, formulada por Plínio Corrêa de
Oliveira, que revive antigos hábitos medievais.
São recomendados aos seus membros,
jejuns prolongados e o uso do Cilício, também conhecido como Disciplina, uma
pequena faixa de ferro com pontas, utilizada na perna como uma forma, através
da dor física, de alcançar o expurgo dos pecados. Na internet há inúmeras
páginas com denuncias, principalmente de mães, que acusam o IPCO de ter,
através de lavagem cerebral, afastado os seus filhos. Que saíram acusando a família
de hereges e pecadores.
Enquanto no Brasil, o IPCO luta
para sobreviver, nos Estados Unidos, a TFP se fortalece a cada dia, sendo uma
das mais importantes organizações conservadoras americanas, com atuação muito
forte nas periferias de imigrantes latinos, já a grande maioria dos cerca de 20
mil membros, o IPCO tem pouco menos de 1000. Mantido financeiramente por
milionários, que são membros, teve mais de oito milhões de dólares de lucro em
2011. E além de manter seis colégios também são o maior financiador da
University of Notre Dame, a mais antiga faculdade católica dos EUA, fundada em
1842 e que dá bolsa para membros da organização.
A TFP e o IPCO rebatem todas as
críticas dizendo que não força ninguém a entrar, ou se manter na organização.
As acusações são consideradas como obra do demônio e a organização, mesmo que
enfraquecida, esta disposta a lutar pela tradição, a família e a propriedade.
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