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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Gabriel Oneto


Os cruzados do século XXI

Em 1960, o advogado, e ex-deputado constituinte, Plínio Correia de Oliveira (1908-1995), fundou a Sociedade brasileira de defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Da sua fundação, até a década de 1980, foi uma das maiores organizações católicas do mundo, chegando a contar com mais de 100 mil membros em 16 países.

A TFP concentrava sua atuação nos seus três lemas: Tradição (Defesa da herança católica e combate ao laicismo.), Família (Defesa da chamada família tradicional e contra o casamento homossexual e o aborto.) e a Propriedade (Combate ao comunismo). Tudo isso comandado, até a sua morte, com mãos de ferro, pelo seu fundador.

A TFP, especialmente na América latina, teve uma posição de destaque no apoio às ditaduras militares, e combate a grupos dissidentes de esquerda. A organização, se pautava pela ação de centenas de jovens, na sua maioria de classe média, que eram enviados, em caravanas por todo o Brasil, para levar a sua mensagem.

A partir de 1985, a TFP começou a perder a sua força política. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu uma nota pedindo para os católicos não entrarem na organização. Como a TFP não é uma organização da Igreja Católica essa decisão foi ignorada por seus membros, que dizem que só o Papa, como representante de Cristo na Terra, poderia proibir católicos de entrar na organização.

Após o fim da ditadura, e do comunismo na Europa, a TFP perdeu muita força e milhares de membros, quando o seu fundador, Plínio Correia de Oliveira, morreu em 1995, a situação só piorou.

Com a sua morte, segundo a vontade de seu fundador, em testamento, a liderança da TFP deveria ir para os oito fundadores restantes, mas dois anos depois, a TFP brasileira se dissolveu em outras organizações, que queriam trocar a luta política e se focar na religião, o contrario do desejo dos oito fundadores. As dissidências, além de se separar, começaram a lutar pelo direito de usar o nome TFP, uma luta que continua até hoje. Os dissidentes, Arautos do Evangelho e a Aliança de Fátima, focaram apenas no aspecto religioso, enquanto que os oito fundadores, fundaram o Instituto Plínio Correia de Oliveira (IPCO), que, ainda que impossibilitado de usar o nome e o símbolo da TFP, um leão vermelho, se mantém na luta política.

Esta briga no Brasil custou caro para a TFP, também em outros países. Dos 16 países, em que existia, em 1985 restaram só sete, que são ligados ao IPCO. Por não ter ocorrido dissidências nestes países, eles puderam manter o nome de TFP.

Hoje sem dinheiro, sem sede e sem o nome, o IPCO tenta sobreviver, para manter a luta por seus valores vivos. E nos últimos anos, graças ao advento da internet, muitos jovens têm sido atraídos por estes valores.

O IPCO, atualmente não tem sede própria, seus membros fundadores se encontram semanalmente, na casa de um deles, para discutir os rumos do movimento e, claro, rezar. Antes de discutir os rumos do IPCO, rezam o Pai Nosso e a Ave Maria, em latim. São homens, com muitos anos de estudo, e muitos são descendentes da mais alta nobreza europeia, especialmente portuguesa, e a brasileira. As discussões se baseiam em: Como conter o comunismo e o, que eles chamam, “gayzismo”. O IPCO, como herdeiro da ação política da TFP, não atual só com discursos, mas, principalmente, com ações.

Igreja Nossa Senhora do Brasil, sábado, 10 da manhã cerca de 50 jovens de classe média,com uma boa educação e acompanhados de muito senhores idosos, assistem a uma missa do rito tridentino. Todos na igreja, vestidos de terno, com uma faixa amarela, ouvem atentamente as orações feitas em latim, os cantos gregorianos e toda a cerimônia deste culto, que remonta dos tempos medievais, e que caiu em desuso na Igreja Católica, há quase 50 anos, com o Concílio Vaticano 2º.

A Idade Média está muito presente na filosofia de vida destas pessoas, que se consideram cruzados modernos. Eles consideram a Idade Média, não uma “Idade das Trevas”, mas sim, uma época de luz para o cristianismo, quando ainda não havia ocorrido a Reforma Protestante e a Igreja era a senhora absoluta da verdade, sem contestações, e protetora da civilização cristã. E dizem que era nesta época de feudalismo, que as pessoas eram verdadeiramente felizes, por estarem perto de Deus.
Na hora do sermão, o padre Paulo Ricardo, que tem um blog e inúmeros vídeos no Youtube, onde explica sobre a doutrina católica, com milhares de visualizações, falando português, elogia a atuação da organização, critica o comunismo e o casamento gay, para ele os dois grandes inimigos da família. E é saudado com palmas entusiasmadas, de todos os envolvidos. A missa durou cerca de 3 horas, sem ninguém mostrar cansaço, ou indiferença, todos aparentam uma fé inabalável e uma convicção inquebrável em seus ideais.

Graças às brigas na justiça, pelo espólio da TFP, o IPCO ficou sem sede, a antiga sede, num casarão em Higienópolis, ficou com os Arautos dos Evangelhos. Sendo assim, fazem as reuniões, na casa de um de seus membros, e grandes encontros e palestras, principalmente, no Club Homs, na Avenida Paulista, em São Paulo.,

Logo na entrada os participantes deste encontro, todos homens, veem uma imagem, de cerca de um metro, de Nossa Senhora de Fátima e quadros de São Luis, rei Francês do século XIII, e do Beato Carlos da Áustria, ultimo imperador austríaco. Para os membros, esses dois monarcas, são os melhores exemplos do que deve ser o líder de um país católico. Entrando na sala da palestra, inúmeros senhores, incluindo representantes da TFP americana e alemã, esperavam pela palestra do Duque Paul de Oldemburgo, sobre o perigo do islamismo, para a Europa, e a civilização ocidental.

A Palestra começa com todos os presentes rezando a Ave Maria e o Pai Nosso, em latim, após isso, o presidente da organização, Adolpho Lindenberg, um senhor com mais de 70 anos, de voz rouca e pouco cabelo e sentado num local de destaque, embaixo do quadro do fundador, apresentou o palestrante. Sentado à mesa junto com o presidente e o duque, estava o padre Paulo Ricardo, ao lado de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida.

Durante cerca de uma hora, o palestrante falou, em um excelente português, dos perigos, que para ele, a Europa está sofrendo com o aumento do número de muçulmanos e sobre como isso, junto com o laicicismo, está levando à legalização do casamento homossexual e do aborto. Assim, destruindo a família tradicional, para ele o maior presente de Deus à humanidade.

Após a palestra, que foi amplamente aplaudida, a liderança do IPCO, partiu para um retiro espiritual de 10 dias em uma fazenda, de um dos membros. E a juventude foi para casa, pois eles tinham uma missão no dia seguinte.

Às 10 da manha, na frente de uma Igreja, em Higienópolis, inúmeros jovens começaram a chegar, vestindo ternos com uma faixa amarela, com o símbolo do IPCO. No local estavam os chamados Capitães, membros mais velhos que iriam comandar a caravana. Estas caravanas são uma tradição que remonta aos anos 60, porém, por muitos dos caravanistas estudarem esta época do ano, as grandes caravanas por todo o Brasil ocorrem de Dezembro a Fevereiro e em Julho. Esta caravana, era só de um dia, em alguns pontos de São Paulo, como a Avenida Paulista.

Cada grupo entrou em uma Kombi, cheia de folhetos, e partiram para o seu destino. Cada grupo, de 15 jovens, era acompanhado por um capitão. Chegando à Avenida Paulista os caravanistas, estavam com uma Gaita de Fole e uma trombeta que tocavam enquanto falavam palavras de ordem em defesa da família tradicional e levantavam o estandarte amarelo, com o símbolo do IPCO, o rosto de seu fundador Plínio Corrêa de Oliveira.

O trabalho dos participantes da caravana, era entregar folhetos de campanhas contra o casamento homossexual, aborto e em defesa dos valores e dogmas católicos. Um jovem passava no meio dos carros com uma faixa dizendo: “Buzine se você acha que casamento só existe entre um homem e um mulher” E muito dos motoristas buzinavam. E, na outra faixa, outro participante, segurava outra faixa que dizia: “Buzine contra o aborto e em defesa da vida” e inúmeras pessoas também buzinavam.

A grande maioria das pessoas, pela correria do dia a dia, mal prestavam atenção na caravana, alguns riam e até insultavam os participantes os chamando de racistas. E estes respondiam em conjunto, e bem alto: “Mandamentos de Deus são claros: Aborto é um pecado, casamento é sagrado entre um homem é uma mulher.”.

Os caravanistas ficaram cerca de 4 horas na sua campanha, que eles chamam de “Cruzada pela família”. Após uma ultima oração pública os membros guardam os folhetos, e outros objetos na Kombi, satisfeitos com a campanha do dia. Alguns não vão embora, com a Kombi, pois moram perto da Paulista.

Era um Sábado, pós Páscoa, por suas crenças, passaram a quaresma sem comer carne vermelha, mas com o fim destas, decidiram comer hambúrgueres no McDonald´s, como fazem muitos jovens da sua idade. Estes têm, como muitos jovens hoje em dia, famílias diferentes das que defendem, com pais divorciados, e que muitas vezes não deram aos filhos a atenção necessária, eles dizem terem sidos atraídos pelo IPCO pela constância dos valores que defendem, os mesmos há 2000 anos e que a sociedade era feliz quando respeitava estes valores, sem contestação.

Muitos sonham em sair de casa e morar em algum dos retiros da TFP, nos Estados Unidos, Alemanha ou França, locais de rotinas rígidas de trabalhos e, principalmente, orações. Afastados de um mundo, segundo eles, cheio de pecados e tentações.
Eles conheceram o IPCO, pela internet,ou por amigos que já participavam do movimento. Alguns tiveram o apoio da família no início, por esta considerar a organização com bons valores, mas pela organização pedir obediência cega e irrestrita de seus membros, e pelas brigas, causadas pelo embate entre a ideologia do movimento e das respectivas famílias, muitas começaram a proibir os filhos de frequentar a organização.

Desde a década de 1970, há denuncias contra a TFP, e suas dissidências, que são acusadas de fazer lavagem cerebral em seus membros, afastando-os das famílias e amigos. A organização pede obediência cega à organização, suas lideranças e à Igreja Católica, exigindo uma vida dentro dos preceitos da ideologia, formulada por Plínio Corrêa de Oliveira, que revive antigos hábitos medievais.

São recomendados aos seus membros, jejuns prolongados e o uso do Cilício, também conhecido como Disciplina, uma pequena faixa de ferro com pontas, utilizada na perna como uma forma, através da dor física, de alcançar o expurgo dos pecados. Na internet há inúmeras páginas com denuncias, principalmente de mães, que acusam o IPCO de ter, através de lavagem cerebral, afastado os seus filhos. Que saíram acusando a família de hereges e pecadores.

Enquanto no Brasil, o IPCO luta para sobreviver, nos Estados Unidos, a TFP se fortalece a cada dia, sendo uma das mais importantes organizações conservadoras americanas, com atuação muito forte nas periferias de imigrantes latinos, já a grande maioria dos cerca de 20 mil membros, o IPCO tem pouco menos de 1000. Mantido financeiramente por milionários, que são membros, teve mais de oito milhões de dólares de lucro em 2011. E além de manter seis colégios também são o maior financiador da University of Notre Dame, a mais antiga faculdade católica dos EUA, fundada em 1842 e que dá bolsa para membros da organização.

A TFP e o IPCO rebatem todas as críticas dizendo que não força ninguém a entrar, ou se manter na organização. As acusações são consideradas como obra do demônio e a organização, mesmo que enfraquecida, esta disposta a lutar pela tradição, a família e a propriedade.

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