Pages

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Paula Comassetto



Esclerose Múltipla: a doença dos jovens adultos
Esclarecimentos sobre a doença que não tem cura e histórias de pessoas que convivem com ela para o resto de suas vidas



Você sabia que a esclerose múltipla começou a ser identificada já em 1800 e apesar de ser de tão longa data muito pouco ainda se sabe sobre a doença? Pois é, esta é uma doença crônica que atinge cada vez mais pessoas, em sua maioria mulheres, e que precisa ser esclarecida no mundo de hoje.
A EM, como costuma ser chamada, começou a ser pesquisada em meados do século XX, mas no século anterior já se falava sobre ela. Em 1844 Cruveilher constatou pela primeira vez as lesões anatômicas responsáveis pelas manifestações clínicas da doença e em 1868, Jean-Martin Charcot conseguiu comprovar o diagnóstico clínico.
Muito lentamente a doença foi sendo conhecida. Os conhecimentos sobre a função dos neurônios e da bainha de mielina somente começaram após 1878, quando Louis Ravier descobriu esta estrutura microscópica, mas que é tão importante para o funcionamento correto do corpo humano.
As lesões causadas pela infiltração dos linfócitos, macrófagos e células plasmáticas no cérebro, que dão início à desmielinização precoce das fibras nervosas, foi descoberta somente no século XX com James Dawson. No entanto, foi só em 1955 que se descobriu que os portadores da doença possuíam incapacidades físicas que não atingiam a capacidade de raciocinar e falar.
Foi de John Kurtzke a primeira escala feita realmente satisfatória na classificação dos diferentes estágios da doença.
Faz-se necessário esclarecer que a Esclerose Múltipla é bem diferente do outro tipo, que é somente esclerose. A múltipla afeta o sistema nervoso central e atinge diversas áreas do cérebro e medula espinhal, agindo em seus respectivos funcionamentos e, por isso, acaba interferindo também na capacidade para controlar funções como enxergar, falar, caminhar, entre outras. Os sintomas podem ser brandos ou severos e podem aparecer ou desaparecer sem avisar. No entanto, a esclerose que não é múltipla é o resultado de uma lesão que forma um tecido parecido a uma cicatriz, endurecido, em certas áreas do cérebro e da medula espinhal.
A causa da EM ainda é desconhecida, mas desconfia-se de um vírus ou um antígeno que seja responsável por desencadear uma anomalia patológica. É uma doença autoimune e ainda sem cura. Ela é conhecida como Desmielinizante por causar lesões na bainha de mielina, uma substância constituída de proteínas e gorduras que une os neurônios e ajuda enviar as “mensagens” que o corpo tanto precisa para manter os movimentos e o seu pleno funcionamento.
A Esclerose Múltipla normalmente surge entre os 20 e 40 anos de idade. As mulheres têm duas vezes mais probabilidade em adquirir a doença do que os homens e as incidências ocorrem cinco vezes mais em climas temperados. Constata-se, portanto, a interferência do clima no desenvolvimento dos sintomas, principalmente se esta pessoa viveu seus primeiros dez anos de vida neste tipo de clima.
Uma das dificuldades para se encontrar o diagnóstico da doença é saber identificar os sintomas e realizar os exames corretos. Eles podem ser feitos através de Ressonância Nuclear Magnética, Eletroneuromiografia, Punção Lombar, Potencial Evocado, além do exame clínico. Eliane Maria Santos Souza, 50 anos, fala sobre este problema, “tive problemas antes, mas os médicos confundiram com problema de coluna, várias vezes eu parei de andar e era tratada como coluna. Tratava com corticoide e sarava, porque o tratamento da esclerose é à base de corticoide”. Seu marido Glaydson Souza, de 52 anos, que apesar das dificuldades por eles enfrentadas continua a seu lado dando-lhe suporte, carinho e amor, esclarece que “a esclerose é uma doença que surge na pessoa com 15, 20 anos, e já começa a ter consequências, só que o diagnóstico é difícil. A Lili teve várias crises durante esse período, mas a doença só se instala aos 40. Então, quando ela estava para completar 40 a Esclerose veio com toda força”. Lili explica também que “com isso a sequela que a esclerose deixou foi a perda da visão, da força muscular particularmente do lado esquerdo, na fala e na degustação”, revelando sobre o problema da degustação completou “me levou a operar de esôfago duas vezes achando que era uma esofagite, foi quando a médica me viu andando esquisito, puxando a perna, que ela falou que era para eu fazer um exame neurológico, aí eu fui fazer o exame e deu Esclerose Múltipla”.
A piora do quadro clínico da EM causa surtos que podem deixar sequelas incuráveis. O surto caracteriza-se por um episódio de alterações neurológicas, que é variável de pessoa para pessoa. Por isso, a necessidade de tratamento com os remédios adequados, pois o tratamento indevido pode aumentar a frequência dos surtos. Eliane é um caso em que os surtos deixaram sequelas severas. O lado esquerdo de seu corpo foi paralisado e como consequência disso toda essa parte não tem força e às vezes não responde a seu comando, inclusive a metade da língua, causando muitos engasgos. Devido o tratamento com quimioterapia, teve seu coração “queimado”, e por este motivo teve que dar início a uma longa e forte luta. Ela teve seu coração transplantado no dia 1 de janeiro de 2008, houve algumas complicações e hoje já consegue viver melhor. Apesar de todos os transtornos Lili ainda consegue ler, mesmo sem a visão do olho esquerdo e com 20% de capacidade do direito, cozinha e ajuda os outros. Nenhum médico conseguiu descobrir como isso é possível.
Existem quatro tipos de Esclerose Múltipla. A Surto Remissão, que é caracterizada por surtos de duração variável, seguido de um período de remissão, melhora, e sua recuperação pode ser total ou parcial. A Progressiva Secundária que é a progressão da Surto Remissão, mas o paciente no período de remissão pode demonstrar uma leve progressão da doença. A Progressiva Primária em que a doença já começa de forma progressiva, com pouca ou nenhuma melhora dos sintomas. E a Progressiva Recorrente em que a EM é caracterizada por uma progressão da incapacidade desde o início dos sintomas, que poderão ou não melhorar.
É claro que exceções existem, e este é o caso da Bruna Rocha Silveira, uma gaúcha de 26 anos que descobriu ser portadora da doença aos 14 anos. Ela conta, “eu não sei como é encarar essa doença em outras fases da vida, mas, independente da idade, é muito difícil tomar consciência de que você tem uma doença incurável, que vai te acompanhar para o resto da vida e que não tem previsibilidade de como ela irá se comportar. Na época ainda havia poucos tratamentos e se conhecia muito pouco sobre a evolução da EM em pessoas muito jovens como eu, então era mais difícil ainda. Para minha família, assim como para mim, foi um grande choque. Ninguém está preparado para um diagnóstico desses. A gente sabe que essas doenças existem, mas nunca espera que vá acontecer na nossa casa. Fora isso, a adolescência já é uma fase de incertezas e transições. Não sei se a EM piorou ou facilitou essa fase. Afinal, eu construí minha vida adulta sabendo que eu tinha a doença. Talvez seja mais fácil para um jovem se adaptar à doença já que está passando por uma fase de mudanças do que para uma pessoa que já tem a vida ‘planejada’, digamos assim”.
O preconceito assola a maioria dos portadores de Esclerose Múltipla, e Bruna faz um desabafo, “sofri sim e, infelizmente continuo sofrendo, só que hoje acho mais fácil de lidar. Não que seja menos doloroso, mas hoje, ao invés de eu voltar pra casa chorando, eu brigo por aquilo que eu acho certo. Ter uma doença que tem no nome a palavra esclerose já é motivo de preconceito, porque as pessoas julgam que você perdeu suas faculdades mentais, como na esclerose senil. E como é uma doença que não aparece, você é taxada de preguiçosa, folgada na maior parte do tempo pela maioria das pessoas. É difícil para as pessoas olharem para uma jovem feliz, bonita e sorridente e acreditarem que o corpo inteiro dela está doendo ou que ela não tem força pra subir uma escada sozinha. Isso causa inúmeras situações de preconceito e descrença”.  
A gaúcha de Porto Alegre é dona do blog esclerosemultiplaeeu.blogspot.com, lá fala sobre suas experiências pessoais com a EM. Ela ainda estuda, trabalha e convive muito bem com a doença, realmente é um exemplo a ser seguido. Bruna contou um pouco de como é ter um blog, falando justamente de um problema que é tão complicado e tão pouco discutido, “logo que descobri a doença, fiz o que todo mundo faz hoje em dia: coloquei o nome da doença no Google e fui ler o que tinha por lá. Fiquei apavorada. Era quase que uma sentença de morte o que tinha naqueles textos. Aquilo me incomodou muito. Mas na época não tinha essa facilidade de blog e tal. E eu também não tinha maturidade suficiente para contar histórias tão íntimas minhas, afinal, as pessoas julgam você sempre, e quando você se expõe num blog, está sujeito a todo tipo de julgamento. No início eu pensava que seria difícil falar da doença todo dia. Pensava que ter de escrever sobre ela todos os dias podia ser um processo doloroso. Mas era bobagem, afinal, a EM está comigo 24h por dia todos os dias. Os sintomas e as dores não somem só porque eu não falo nelas. E também pensei: se quando eu descobri a doença existisse um blog em que uma pessoa com EM contasse suas histórias do dia-a-dia, seria tão mais fácil. Teria evitado algum sofrimento. Aí vi que, se ninguém tinha feito esse diário de bordo para quem embarcava na vida com EM, esse alguém podia ser eu. Já tinha uma coleção de histórias para contar, e como a EM está comigo sempre, as histórias só aumentam. O blog tem sido uma terapia para mim e tem ajudado pessoas que passam pelas mesmas coisas que eu. É bom saber que não se está sozinho no mundo. E também ajuda os familiares de portadores de EM a entender o que eles estão passando. Porque nem toda pessoa com EM fala sobre ela”.
A convivência com um portador da doença não é fácil, precisa-se de muita paciência e cuidados especiais, muitas famílias acabam sendo destruídas e as mulheres deixadas por seus maridos deixam suas mulheres justamente por esse convívio tão difícil. Glaydson expõe as dificuldades que teve em cuidar da mulher e dos dois filhos, que eram crianças quando a doença foi detectada, “não é só cuidar por cuidar, é o cuidado psicológico, dela, dos filhos e do meu. Foi o desafio mais recorrente na época, eu tinha que me manter estável psicologicamente, principalmente para as crianças, que tiveram várias reações, por exemplo, o João, que me ajudou inicialmente e a Carol, que me causou problemas. Eu passei a ter quatro vidas efetivamente”. Ele ainda completa, “até hoje eu tenho o meu dia, faço o que eu quiser, o sábado é meu, ponto. É uma válvula de escape. A outra válvula é o serviço, porque se eu ficar em casa cuidando da Lili eu piro, afinal minha vida tem que continuar”.
Bruna ainda aconselha, “sua vida vai mudar e vai mudar muito. Então, não tenha vergonha de ter medo, de chorar, de ficar triste, porque é uma ruptura e toda ruptura é dolorosa. Mas não esqueça que, toda mudança pode proporcionar novas formas de ver a vida, que você vai ter que se adaptar, se reinventar e que isso pode ser muito bom. Ah, e que, definitivamente, não ligue para o que os outros dizem, porque só quem sabe o que você está passando é você mesmo.”
A Esclerose Múltipla ainda não tem cura, mas pode ser muito bem controlada com o devido tratamento e cuidado. A boa relação com a família e os amigos é essencial, a boa alimentação, a prática de exercícios físicos e a autoestima também. A doença não é uma patologia mental, não é contagiosa, não é hereditária e não é fatal. Temos exemplos de que é possível ter uma vida normal sendo portador de Esclerose Múltipla. O que se precisa é de mais oportunidades para essas pessoas que só querem ter uma vida normal como a de todo mundo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário