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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Priscila Kesselring



Pequenos conectados

O contato com aplicativos, jogos eletrônicos e sites acontece desde a primeira infância; resta saber se as crianças estão aprendendo mais com eles





“Vovó, o seu celular está quebrado”, disse Nínive, de 3 anos, quando tentou mexer em um celular que não era touch screen. Sabe-se que isto é um fato: desde os primeiros anos de vida, as crianças estão cada vez mais conectadas a smartphones, androids ou tablets. Antes de chegar à escola, elas já brincam com jogos eletrônicos e aplicativos, principalmente nos celulares e computadores dos pais. Mas, afinal, isso é bom ou ruim?

Uma pesquisa da AVG Technologies de setembro de 2011 revelou que 69% das crianças aprendem a usar um computador antes de atividades comuns como amarrar um sapato. Além disso, o mesmo estudo mostrou que uma criança de menos de 5 anos tem o dobro de chances de usar um aplicativo no celular dos pais, quando comparado à sua capacidade de montar um brinquedo.

Quando permitir os primeiros cliques?

Por se tratar de um fenômeno muito recente, saber quando começa a “geração touch screen” ainda é uma incógnita entre especialistas. Alguns acreditam que os pais devem sempre deixar a criança acessar a internet, pois proibir seria como impedir que ela falasse ao telefone. Outros são favoráveis a adiar ao máximo esse contato, por entenderem que a internet seria artificial e desestimularia a troca interpessoal.

Entretanto, é consenso que o equilíbrio é a palavra-chave da questão. “Não há como proibir o uso de tecnologias pelas crianças, a grande questão é saber dosar, proporcionar atividades fora do ambiente virtual, e esse papel é da família”, afirma Simone de Carvalho, pedagoga pesquisadora em Educação Infantil na UNICAMP, e mãe de Rafael e Rebeca.

Será que as crianças podem aprender sozinhas?

Uma das contribuições que o mundo virtual traz para adultos e crianças é a capacidade de nos ensinar muitas coisas novas, com a facilidade de um simples toque na tela. A pesquisa Another Way to Think about Learning (Outra Forma de Pensar sobre a Aprendizagem, em tradução livre) traz uma reflexão sobre o tema, ao contar o caso de crianças na Etiópia que usam um tablet para brincar, ler e jogar, sem nunca terem visto uma palavra escrita na vida. A ação faz parte do projeto de inclusão digital e educacional One Laptop Per Child (Um Laptop por Criança), que lançou o computador XO, em 2005 – modelo barato que tem como objetivo difundir o conhecimento e novas tecnologias a crianças de todo o mundo.

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A tecnologia pode contribuir para a educação de crianças, mas a inclusão digital ainda é um nó social no Brasil. No País, apesar do aumento significativo no acesso a computadores, muitos jovens ainda estão distantes das telas. Dados do IBGE de 2010 revelam que apenas 27% dos domicílios têm internet.



Com o mesmo objetivo de experimentar e comprovar o uso das tecnologias, o engenheiro indiano Sugata Mitra pendurou alguns tablets em muros na periferia de seu país. Os resultados foram surpreendentes; muitas crianças que ainda não haviam sido alfabetizadas começaram a interagir com os dispositivos, sem a intervenção de adultos.

A experiência de Mitra, conhecida internacionalmente como “O Furo na Parede”, permite a compreensão por educadores de que sim, as novas tecnologias vieram para mudar a cognição de todos, desde os primeiros dias de vida. Mãe de João, de 4 anos, Fernanda Tso conta que o filho aprendeu sozinho os caminhos virtuais para acessar o Youtube. “Acho fascinante a maneira como ele está adquirindo autonomia, ele tem 4 anos, mas parece muito mais velho”.

“Sob o ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, os jogos eletrônicos proporcionam novas estratégias de construção do conhecimento, como o pensamento não-linear, convergente, a simulação e a multimídia (texto, imagem e som), que são de fato o caminho para uma educação do futuro”, diz Isabel Orofino,  professora doutora no Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A mãe de João conta que o filho adora entrar em um aplicativo que ensina inglês por meio de brincadeiras; um quebra-cabeça digital treina o vocabulário dos pequenos iniciantes em línguas estrangeiras. Somente arrastando o dedo na tela, é possível deslocar figuras, encaixá-las no lugar correspondente e falar em voz alta a palavra que diz respeito ao objeto. Assim, João aprendeu que, em inglês, carro é car e flor é flower, de um jeito lúdico e com a ajuda das novas tecnologias.

Preocupações

Porém, a internet e os aplicativos não trazem apenas benefícios para o desenvolvimento infantil. “Quando a criança fica horas e horas jogando sozinha, há ganhos em aspectos de conhecimento, mas perda em questões de socialização com outras pessoas”, ressalta Isabel Orofino. Por isso, é importante sempre dialogar com os filhos, não de modo autoritário, mas com o objetivo de estabelecer uma confiança mútua dentro da família.

Fernanda Tso diz João tem acesso ao iPad dela há um ano.  Ele gosta tanto dos jogos, que seus pais precisaram estabelecer algumas regras em casa para que o uso do tablet não se tornasse excessivo. Fernanda e Leopoldo, pai do menino, decidiram que João só teria permissão para brincar online uma ou duas vezes por semana. “Se deixarmos, ele deixa de fazer outras atividades, porque entra no aplicativo, depois no Youtube, e não tem fim”, conta a mãe.

Inevitável nos tempos atuais, o contato com iPhone e iPad pode gerar algumas preocupações que vão além do tempo na frente das telas. “O que me preocupa no mundo virtual é a pedofilia, por isso estou sempre de olho”, conta Cássia Simão, mãe de Nínive e Cailane. “A Cailane tem e-mail, mas não tem a senha, sou eu que controlo tudo”. 

“A grande questão é o que significa o conceito do ambiente virtual, pois para os aplicativos educativos funcionarem, é necessário acesso à internet, mas há também conteúdos impróprios”, afirma a pedagoga Simone de Carvalho. Para ela, o pai atento deve criar um mecanismo de filtrar essa busca, lendo e pesquisando a faixa etária de cada conteúdo.

Essa supervisão dos pais é muito defendida por profissionais que estudam o uso de novas mídias por crianças. “Assim como é necessário que os adultos ensinem as regras de convivência social para os filhos, também é assim no mundo virtual”, afirma Nívea Fabrício, psicóloga psicopedagoga, conselheira da Sociedade Brasileira de Psicopedagogia e avó de Gabriela e Ricardo.

Outra preocupação de pais e educadores é o abandono da caligrafia. Em 2011, 40 estados nos Estados Unidos aboliram o ensino da escrita nas escolas, algo que causou controvérsias em todo o mundo. O argumento dos defensores desta lei é de que hoje as crianças não necessitam mais escrever as letras com caneta ou lápis no papel. Os opositores afirmam que a letra representa em parte a personalidade das pessoas. “A linguagem está se transformando, temos que refletir sobre essa transformação de uma forma madura, e não nostálgica”, defende Isabel Orofino.

Brincadeiras offline

Outra pesquisa realizada pela AVG Technologies revelou que, atualmente, 58% das crianças sabem jogar jogos no computador, porém apenas 20% sabem nadar ou andar de bicicleta. O estudo foi feito no final de 2010, a partir de entrevistas com 2200 mães de filhos de 2 a 5 anos, com acesso à internet.

Mesmo assim, pula-pula, amarelinha, casinha e futebol de botão continuarão presentes no universo infantil, mesmo com a difusão dos apps. Estudos têm demonstrado que brincar continua sendo a atividade preferida das crianças. Ou seja, nem tudo o que vivemos está nas telas eletrônicas.

Como as coisas estão caminhando juntas e as brincadeiras ainda têm seu espaço, elas precisam ser estimuladas pelos adultos. “Além de dosar o tempo, é preciso proporcionar outras atividades concretas, criativas e educativas para os filhos, e isso depende da observação e dedicação dos pais”, defende Simone de Carvalho.

De acordo com a psicóloga Nívea Fabrício, as atividades fora do computador devem preencher a maior parte do dia das crianças, mas os pais podem negociar o tempo de permanência delas no mundo virtual, caso elas tenham rotinas com horas de sono suficientes, estudo, e, principalmente, convívio social. Como sempre, é tudo um questão de equilíbrio.

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Na hora de selecionar os aplicativos para o seu filho, é importante atentar para a faixa etária a que eles se dirigem.  
O aplicativo Macaco das Letras, da Fisher-Price, oferece 4 modos de brincar: com letras, números, formas e cores. Gratuito na plataforma iTunes do Brasil.
Histórias de embalar traz a versão digital de contos de fada de Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e O Príncipe Sapo, com recursos de áudio (narração) e legendas. Gratuito na plataforma iTunes do Brasil.


 


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