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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Catherine Debelack


Profissão Blogueira
Quando seu hobby paga suas contas e te convida à Paris




“Mercúrio das Senhoras”, a primeira revista feminina de que se tem conhecimento, foi criada no final do século XVII, na França. Crônicas da corte e poesias eram as grandes responsáveis pelas vendas, além disso, as edições traziam desenhos,  moldes de roupas e bordados à suas leitoras. Várias décadas se passaram e cá estamos hoje, século XXI, mercado editorial feminino consolidado e, de repente, mais um “boom” na história da imprensa: surgem os blogs especificamente voltados para o mercado da moda, ou, como algumas gostam de chamá-los, o fenômeno das “ego-bloggers”.
            Geralmente belas e vestidas de grifes famosas como Chanel, Gucci, Valentino, Louis Vuitton, Hermès, Dolce & Gabbana, cabelos lisos ou perfeitamente ondulados e sempre bem tratados, rosto saudável e maquiado por profissionais, as blogueira estão sempre impecáveis – até mesmo na hora da academia – causando furor por onde passam, seguidas por sua legião de fãs.
            Com o intuito de explorarmos este universo, é necessário que antes tenhamos uma pequena noção a respeito do campo da moda.
A Moda: império do efêmero e do individualismo
O conceito de moda se origina no final da Idade Média, como um diferenciador social e sexual, na busca pela individualidade do ser. Nem sempre efêmera, a partir do capitalismo se aprimorou e hoje temos coleções e mais coleções com “prazos de validade” de quatro meses, o equivalente a uma estação do ano. Esta curta duração determinou sua efemeridade e é neste ponto em que o filósofo francês Gilles Lipovetsky, em seu livro “Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas”, defende que “a necessidade tornou-se fonte de valor mundano, marca de excelência social; é preciso seguir ‘o que se faz’ de novo e adotar as últimas mudanças do momento: o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face superficial, mas prestigiosa da vida das elites”.
A eterna busca por uma identidade que nos individualize na massa é alimentada por esta característica passageira da moda. As roupas, as imagens, os lançamentos, estimulam o consumidor a se transformar em si mesmo todos os dias. Encorajados pelos meios de comunicação, devemos criar uma identidade e, ao mesmo, tempo usar o que o sistema nos impõe. Lipovetsky diz que “é preciso ser como os outros e não inteiramente como eles”. Trata-se do caráter ambíguo deste campo. Em contrapartida, é comum que o lado manipulador do universo fashion atinja o consumidor conjunto, aquele que não pretende criar uma identidade através de suas roupas. É característico deste tipo de indivíduo apenas digerir o que é imposto pela mídia sem grandes reflexões a respeito, absorver e se considerar inserido no sistema da moda.
E os blogs, onde ficam?
            Dentro de todos estes conceitos, a “blogsfera” fashion carrega implicitamente consigo o individualismo e efemeridade importados da moda. O “Blog da Thássia”, que leva o nome da mineira Thássia Naves, de 24 anos, começou de maneira despretensiosa, com o intuito de “compartilhar experiências e me divertir muito com tudo isso!”, nas palavras da blogueira, e hoje soma aproximadas 120 mil visitas por dia. Como todo veículo de comunicação, possui mídia kit, espaço para anunciantes (cujas propagandas podem chegar a 7 mil reais por um mês), os famosos e polêmicos publieditoriais – os posts publicitários – e, inclusive, quando perguntam sua profissão ela responde que é blogueira e publicitária.
            Não é para menos! Um blog de sucesso e de grandes dimensões como o da Thássia, demanda tempo e dedicação de sua autora. Convidada de festas vips, coquetéis de lançamento de novas coleções, inaugurações de lojas, semanas de moda nos quatro cantos do planeta, as blogueiras mais famosas podem chegar a cobrar um cachê equivalente a dez mil reais por uma aparição de algumas horas e sempre estão com suas agendas cheias de compromissos.
            Quando nãose trata de nenhuma data especial, os publieditoriais são uma alternativa para quem deseja atrelar o prestígio da blogueira ao produto que se pretende vender. Uma determinada marca procura pelo blog com o qual seu público alvo mais se identifique. Então, a partir de uma negociação, cujo valor inicial é de 7 mil reais no Blog da Thássia, por exemplo, se estabelece um preço para que a blogueira elabore uma postagem vestindo uma roupa da marca, cedendo os créditos do look à ela e, consequentemente, fazendo publicidade. Trata-se de uma prática bastante contestável: será que aquela blogueira realmente usaria determinada peça mesmo sem ser paga para isto? A assessora de imprensa responsável pela imagem de Helena Bordon, outra blogueira crèm de la crèm, Mariana Carreira, de 26 anos, afirma que o perfil das publicações muda sim quando a matéria é comprada. “Toda blogueira deve ter discernimento na hora de aceitar uma proposta de publicidade. Vale a pena dosar e analisar o que, de fato, usariam e o que não se encaixa no perfil do blog. Corre-se, inclusive, o risco de se passar por patética quando o que fala mais alto é o cash.”, complementa a assessora.
            Helena Bordon já nasceu filha de Donata Meirelles, ex-diretora da marca brasileira de luxo Daslu e atual diretora de estilo da revista Vogue. A jovem traçou sua carreira como empresaria e sócia da fast-fashion nacional “284” até que abriu seu próprio blog, o HelenaBordon.com. Com o público alvo parecido com o “Blog da Thássia”, apenas as classes mais elevadas, Heleninha, como é conhecida, posta seus looks, escolhe as roupas que mais gostou nos desfiles, conta sobre experiências, indica restaurantes e divide fotos de suas viagens, tudo isso sem escrever uma sequer palavra do que é postado. Isto porque ela conta com a ajuda de uma “mini-redação” para seu blog.
Tornando-se uma blogueira profissional
            A equipe de Helena – que tem um escritório, localizado no Shopping Cidade Jardim, especialmente pensado para as necessidades do blog e inaugurado com festa e toda pompa no final do ano passado – conta com duas estagiárias e um jornalista, considerado o editor do blog.
            Segundo o que disse Mariana Carreira, responsável pela assessoria de Heleninha, “o jornalista contratado tem, na verdade, o cargo de editor. Assim, ele apenas edita os posts. Não pode e não escreve nada sem falar com a Helena, que compõe o texto com todas as ideias que pretende passar aos seus leitores”.
            A jornalista Camila Yahn, que trabalhou por quatro anos na edição do caderno de moda do jornal Folha de S. Paulo e hoje é editora-chefe do portal FFW, constata que os blogs estão se tornando pequenas redações, mas alerta para o fato de que “se existe a intenção de se profissionalizar, não se pode escrever com uma vírgula errada”. Ela também chama a atenção dos leitores para o fato de que, a partir do momento em que se adquire uma equipe para a redação dos posts, o blog deixa de ser pessoal: “Se o blog leva o seu nome, ele tem de ser pessoal. É a sua visão do mundo que está contida ali, o jeito que você escreve faz total diferença em como a pessoa vai te interpretar. Quando você contrata alguém aquilo deixa de ser um blog e vira um negócio.”.
            Existe, no entanto, uma consequência advinda de toda esta profissionalização de um hobby: a essência do ato de blogar, que consiste em colocar em palavras e dividir com seus leitores seus gostos, preferencias, visões de mundo, acaba se perdendo em meio às propostas comerciais.
            Lalá Noleto, que escreve para o “Blog da Lalá Noleto”, foi convidada pelo luxuoso hotel Ponta dos Ganchos a passar um final de semana com um acompanhante e todas as despesas inclusas sob a condição de dedicar um post inteiro ao hotel e, ao longo dos dias que passou por lá, publicar em suas redes sociais fotos e frases que fizessem a publicidade do local. Este acordo foi estabelecido, porém em nenhum momento a blogueira sequer citou a parceria formada com o hotel. Foi notório que a viagem se tratou de uma barganha por posts, suas leitoras passaram a comentar o quão indignadas estavam com o fato: “Leio o blog todos os dias, mas achei um absurdo esse tipo de publicação. Poderia ao menos ter falado que era ‘publipost’!”, alarmou a leitora Cassinha Lynn em um dos 45 comentários da publicação.
            Foi inspirada nesta falta de polidez e transparência que surgiu a blogueira “Shame”, pseudônimo de Priscilla Rezende, de 37 anos, quem passou a expor o que aparentemente está errado neste mundo de cortesias e “looks-equivocados-do-dia”. Ela busca mostrar em seu blog a verdade que um post esconde, seja ela uma montagem no photoshop ou um publipost disfarçado de dica. Foi esta a maneira que encontrou de “desmascarar” o falso glamour que permeia certos blogs e ela consegue retorno: mais de 43 milhões de visualizações desde que o “Shame on you, blogueira!” foi criado. O irônico é perceber que no blog de Priscilla também existe espaço para possíveis anunciantes.
Antes da fama
            Antes de serem convidadas especiais para a semana de moda de Nova York, por exemplo, todas estas blogueiras passaram por dificuldades e tiveram de se dedicar à seus objetivos para que pudessem fazer única e exclusivamente o que gostam: blogar. É o caso de Pedro Steinmann, de 27 anos, que criou seu blog há dez meses e luta pelo sucesso, pois está decidido de que esta é a área em que quer atuar.
            Formado em design de moda pela Belas Artes, ele foi colunista do site Homem Moderno por seis meses até que decidiu deixar de colaborar para abrir seu blog independente. “Hoje, esse é o meu trabalho. Eu quis abrir um blog bacana voltado para o mercado masculino: trabalhar a moda, que muda o tempo todo, de uma maneira que os homens possam entendê-la, melhorar o visual, ler sobre comportamento, dicas de beleza e produtos, viagens, entrevistas e outros.”.
            A fórmula do sucesso não se esconde em lugar nenhum. Na verdade, ela é composta pelos elementos básicos já conhecidos de qualquer profissão: trabalho, dedicação, investimento, tempo e paciência. “Como um bom blogueiro, você tem sempre que investir tempo, energia e dinheiro para ter sucesso. Muitas pessoas ficam afoitas por resultados antes da hora.”.
            Para que seu hobby pague suas contas e ainda te leve como convidado à semana de moda de Paris, demanda-se muito trabalho e dedicação. A profissão blogueira dominou as redes e criou novas estrelas midiáticas, mas nem todos tem capacidade de tocar um blog em seu princípio, quando ele ainda não traz retorno financeiro. Porém, uma vez ultrapassada a área de arrebentação das ondas, torna-se mais fácil vislumbrar o horizonte sem se afogar.

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