Profissão Blogueira
“Mercúrio
das Senhoras”, a primeira revista feminina de que se tem conhecimento, foi
criada no final do século XVII, na França. Crônicas da corte e poesias eram as
grandes responsáveis pelas vendas, além disso, as edições traziam desenhos, moldes de roupas e bordados à suas leitoras. Várias
décadas se passaram e cá estamos hoje, século XXI, mercado editorial feminino
consolidado e, de repente, mais um “boom” na história da imprensa: surgem os
blogs especificamente voltados para o mercado da moda, ou, como algumas gostam
de chamá-los, o fenômeno das “ego-bloggers”.
Geralmente belas e vestidas de
grifes famosas como Chanel, Gucci, Valentino, Louis Vuitton, Hermès, Dolce
& Gabbana, cabelos lisos ou perfeitamente ondulados e sempre bem tratados,
rosto saudável e maquiado por profissionais, as blogueira estão sempre
impecáveis – até mesmo na hora da academia – causando furor por onde passam,
seguidas por sua legião de fãs.
Com o intuito de explorarmos este
universo, é necessário que antes tenhamos uma pequena noção a respeito do campo
da moda.
A
Moda: império do efêmero e do individualismo
O
conceito de moda se origina no final da Idade Média, como um diferenciador
social e sexual, na busca pela individualidade do ser. Nem sempre efêmera, a
partir do capitalismo se aprimorou e hoje temos coleções e mais coleções com
“prazos de validade” de quatro meses, o equivalente a uma estação do ano. Esta
curta duração determinou sua efemeridade e é neste ponto em que o filósofo francês
Gilles Lipovetsky, em seu livro “Império do Efêmero: a moda e seu destino nas
sociedades modernas”, defende que “a necessidade tornou-se fonte de valor
mundano, marca de excelência social; é
preciso seguir ‘o que se faz’ de novo e adotar as últimas mudanças do momento:
o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face superficial, mas
prestigiosa da vida das elites”.
A eterna busca por uma identidade que nos
individualize na massa é alimentada por esta característica passageira da moda.
As roupas, as imagens, os lançamentos, estimulam o consumidor a se transformar
em si mesmo todos os dias. Encorajados pelos meios de comunicação, devemos
criar uma identidade e, ao mesmo, tempo usar o que o sistema nos impõe.
Lipovetsky diz que “é preciso ser como os outros e não inteiramente como eles”.
Trata-se do caráter ambíguo deste campo. Em contrapartida, é comum que o lado
manipulador do universo fashion atinja o consumidor conjunto, aquele que
não pretende criar uma identidade através de suas roupas. É característico
deste tipo de indivíduo apenas digerir o que é imposto pela mídia sem grandes
reflexões a respeito, absorver e se considerar inserido no sistema da moda.
E os blogs, onde ficam?
Dentro de todos estes conceitos, a “blogsfera” fashion carrega
implicitamente consigo o individualismo e efemeridade importados da moda. O
“Blog da Thássia”, que leva o nome da mineira Thássia Naves, de 24 anos,
começou de maneira despretensiosa, com o intuito de “compartilhar experiências
e me divertir muito com tudo isso!”, nas palavras da blogueira, e hoje soma
aproximadas 120 mil visitas por dia. Como todo veículo de comunicação, possui
mídia kit, espaço para anunciantes (cujas propagandas podem chegar a 7 mil
reais por um mês), os famosos e polêmicos publieditoriais – os posts
publicitários – e, inclusive, quando perguntam sua profissão ela responde que é
blogueira e publicitária.
Não
é para menos! Um blog de sucesso e de grandes dimensões como o da Thássia,
demanda tempo e dedicação de sua autora. Convidada de festas vips, coquetéis de
lançamento de novas coleções, inaugurações de lojas, semanas de moda nos quatro
cantos do planeta, as blogueiras mais famosas podem chegar a cobrar um cachê equivalente
a dez mil reais por uma aparição de algumas horas e sempre estão com suas
agendas cheias de compromissos.
Quando
nãose trata de nenhuma data especial, os publieditoriais são uma alternativa
para quem deseja atrelar o prestígio da blogueira ao produto que se pretende
vender. Uma determinada marca procura pelo blog com o qual seu público alvo
mais se identifique. Então, a partir de uma negociação, cujo valor inicial é de
7 mil reais no Blog da Thássia, por exemplo, se estabelece um preço para que a
blogueira elabore uma postagem vestindo uma roupa da marca, cedendo os créditos
do look à ela e, consequentemente, fazendo publicidade. Trata-se de uma prática
bastante contestável: será que aquela blogueira realmente usaria determinada
peça mesmo sem ser paga para isto? A assessora de imprensa responsável pela
imagem de Helena Bordon, outra blogueira crèm de la crèm, Mariana
Carreira, de 26 anos, afirma que o perfil das publicações muda sim quando a
matéria é comprada. “Toda blogueira deve ter discernimento na hora de aceitar
uma proposta de publicidade. Vale a pena dosar e analisar o que, de fato,
usariam e o que não se encaixa no perfil do blog. Corre-se, inclusive, o risco
de se passar por patética quando o que fala mais alto é o cash.”,
complementa a assessora.
Helena
Bordon já nasceu filha de Donata Meirelles, ex-diretora da marca brasileira de
luxo Daslu e atual diretora de estilo da revista Vogue. A jovem traçou sua
carreira como empresaria e sócia da fast-fashion nacional “284” até que
abriu seu próprio blog, o HelenaBordon.com. Com o público alvo parecido com o “Blog
da Thássia”, apenas as classes mais elevadas, Heleninha, como é conhecida,
posta seus looks, escolhe as roupas que mais gostou nos desfiles, conta sobre
experiências, indica restaurantes e divide fotos de suas viagens, tudo isso sem
escrever uma sequer palavra do que é postado. Isto porque ela conta com a ajuda
de uma “mini-redação” para seu blog.
Tornando-se uma blogueira
profissional
A
equipe de Helena – que tem um escritório, localizado no Shopping Cidade Jardim,
especialmente pensado para as necessidades do blog e inaugurado com festa e
toda pompa no final do ano passado – conta com duas estagiárias e um jornalista,
considerado o editor do blog.
Segundo o que disse
Mariana Carreira, responsável pela assessoria de Heleninha, “o jornalista
contratado tem, na verdade, o cargo de editor. Assim, ele apenas edita os
posts. Não pode e não escreve nada sem falar com a Helena, que compõe o texto
com todas as ideias que pretende passar aos seus leitores”.
A jornalista Camila Yahn, que
trabalhou por quatro anos na edição do caderno de moda do jornal Folha de S.
Paulo e hoje é editora-chefe do portal FFW, constata que os blogs estão se
tornando pequenas redações, mas alerta para o fato de que “se existe a intenção
de se profissionalizar, não se pode escrever com uma vírgula errada”. Ela
também chama a atenção dos leitores para o fato de que, a partir do momento em
que se adquire uma equipe para a redação dos posts, o blog deixa de ser
pessoal: “Se o blog leva o seu nome, ele tem de ser pessoal. É a sua visão do
mundo que está contida ali, o jeito que você escreve faz total diferença em
como a pessoa vai te interpretar. Quando você contrata alguém aquilo deixa de
ser um blog e vira um negócio.”.
Existe, no entanto, uma consequência
advinda de toda esta profissionalização de um hobby: a essência do ato de
blogar, que consiste em colocar em palavras e dividir com seus leitores seus
gostos, preferencias, visões de mundo, acaba se perdendo em meio às propostas
comerciais.
Lalá Noleto, que escreve para o “Blog
da Lalá Noleto”, foi convidada pelo luxuoso hotel Ponta dos Ganchos a passar um
final de semana com um acompanhante e todas as despesas inclusas sob a condição
de dedicar um post inteiro ao hotel e, ao longo dos dias que passou por lá,
publicar em suas redes sociais fotos e frases que fizessem a publicidade do
local. Este acordo foi estabelecido, porém em nenhum momento a blogueira sequer
citou a parceria formada com o hotel. Foi notório que a viagem se tratou de uma
barganha por posts, suas leitoras passaram a comentar o quão indignadas estavam
com o fato: “Leio o blog todos os dias, mas achei
um absurdo esse tipo de publicação. Poderia ao menos ter falado que era ‘publipost’!”,
alarmou a leitora Cassinha Lynn em um dos 45 comentários da publicação.
Foi inspirada nesta falta de polidez
e transparência que surgiu a blogueira “Shame”, pseudônimo de Priscilla
Rezende, de 37 anos, quem passou a expor o que aparentemente está errado neste
mundo de cortesias e “looks-equivocados-do-dia”. Ela busca mostrar em seu blog
a verdade que um post esconde, seja ela uma montagem no photoshop ou um
publipost disfarçado de dica. Foi esta a maneira que encontrou de “desmascarar”
o falso glamour que permeia certos blogs e ela consegue retorno: mais de 43
milhões de visualizações desde que o “Shame on you, blogueira!” foi criado. O
irônico é perceber que no blog de Priscilla também existe espaço para possíveis
anunciantes.
Antes da fama
Antes de serem convidadas especiais
para a semana de moda de Nova York, por exemplo, todas estas blogueiras
passaram por dificuldades e tiveram de se dedicar à seus objetivos para que
pudessem fazer única e exclusivamente o que gostam: blogar. É o caso de Pedro
Steinmann, de 27 anos, que criou seu blog há dez meses e luta pelo sucesso,
pois está decidido de que esta é a área em que quer atuar.
Formado em design de moda pela Belas
Artes, ele foi colunista do site Homem Moderno por seis meses até que decidiu deixar
de colaborar para abrir seu blog independente. “Hoje, esse é o meu trabalho. Eu
quis abrir um blog bacana voltado para o mercado masculino: trabalhar a moda,
que muda o tempo todo, de uma maneira que os homens possam entendê-la, melhorar
o visual, ler sobre comportamento, dicas de beleza e produtos, viagens, entrevistas
e outros.”.
A fórmula do sucesso não se esconde
em lugar nenhum. Na verdade, ela é composta pelos elementos básicos já
conhecidos de qualquer profissão: trabalho, dedicação, investimento, tempo e
paciência. “Como um bom blogueiro, você tem sempre que investir tempo, energia
e dinheiro para ter sucesso. Muitas pessoas ficam afoitas por resultados antes
da hora.”.
Para que seu hobby pague suas contas
e ainda te leve como convidado à semana de moda de Paris, demanda-se muito
trabalho e dedicação. A profissão blogueira dominou as redes e criou novas
estrelas midiáticas, mas nem todos tem capacidade de tocar um blog em seu
princípio, quando ele ainda não traz retorno financeiro. Porém, uma vez
ultrapassada a área de arrebentação das ondas, torna-se mais fácil vislumbrar o
horizonte sem se afogar.
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