O PODER JOVEM
Para o autor Eduardo
Galeano,"Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações
Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de
sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede”
Mas será que os jovens de hoje em dia
continuam tão sonhadores quanto antes? É cada vez mais evidente que se vive um
período de desmobilização política causado pelo individualismo e descrença no
poder de transformação através da organização coletiva – sintomas do sistema
capitalista que podem ser percebidos na conjuntura nacional.
Para
José Carlos, 22, que participou ativamente do movimento estudantil de Medicina,
a DENEM (Diretoria Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina), “hoje em
dia, ao contrário do final da década de 1960, vivemos um processo de
desmobilização e de refluxo das lutas sociais, que reflete na fragilidade das
reivindicações realizadas nos diferentes movimentos sociais, entre eles está o
movimento estudantil.”
Apesar
do enfraquecimento do movimento estudantil nos dias atuais, a luta coletiva dos
estudantes pela defesa de bandeiras como os 10% do PIB para a educação continua
essencial ao desenvolvimento do país. “o crescimento intenso do processo de
privatização das universidades tira da educação seu papel de transformação
social, considerando que valores como lucratividade e formação para o mercado
de trabalho colocam-se como orientadores da graduação.” acrescenta José Carlos.
De
acordo com Carolina Figueiredo, militante do movimento estudantil Domínio
Público e integrante do Diretório Central dos Estudantes da Unicamp – DCE, “a
ofensiva da política neoliberal está ancorada a um ideário de reforço à lógica
da competitividade, do individualismo, da apatia generalizada, coroadas com
toda a força entre os universitários, o que traz consigo maior fragilidade e
fragmentação entre o ME.”
Movimento social
dos estudantes
Um
dos maiores desafios do movimento estudantil hoje é a tentativa de não se
isolar da realidade enquanto movimento social que deve levantar as bandeiras
por uma sociedade livre de opressões, o que só é possível quando os estudantes
não se distanciam das lutas pautadas por outros movimentos sociais como a
Marcha da Maconha, o MST, o Fórum Popular de Sáude e a Frente Nacional Drogas e
Direitos Humanos – organizações da sociedade civil que agem sobre a realidade a
fim de libertá-la de suas amarras.
"Ou
os estudantes se identificam com o destino de seu povo, com ele sofrendo a
mesma luta, ou se dissociam do seu povo e, nesse caso, serão aliados daqueles
que exploram o povo." Nesse contexto, a frase de Florestan Fernandes nunca
permaneceu tão atual.
A
importância do movimento estudantil enquanto movimento social está na
capacidade crítica e transformadora de agir como vanguarda nos momentos políticos
turbulentos da sociedade. Assim como outros movimentos sociais, a desvantagem
da cooptação do movimento estudantil pelo governo faz com que as entidades que
o representam possam perder a independência e autonomia crítica tão necessárias
para se manter como um organizações combativas na defesa de interesses
populares.
Segundo
José Carlos, “esse processo só é realmente inovador quando não tem caráter
eleitoreiro, uma vez que as experiências partidárias vitoriosas acabam por
manter a máquina estatal funcionando de acordo com os interesses das grandes
corporações, em detrimento dos interesses da coletividade dos trabalhadores”
A privatização
do ensino
A
conjuntura neoliberal foi responsável pelo sucateamento da educação brasileira
através da privatização do ensino. Tal conjuntura desfavorece o movimento
estudantil, já que a inserção de campos de movimento estudantil nas universidades
privadas é mínima.
Perguntado
sobre as dificuldades que alunos das faculdades privadas enfrentam para se
organizar, José Carlos comenta sobre o espaço pouco propício para um ambiente
universitário democrático. “Acredito que seja muito difícil para o estudante da
universidade privada promover reivindicações em seu espaço de atuação, pois há
maior chance de punições por parte das diretorias, uma vez que a exigência de
manter a organização da vida acadêmica de forma conservadora é essencial para a
sobrevivência do modelo privatista”.
UNE - um passado de lutas
O
movimento estudantil tem uma importância histórica inegável na luta por mudanças
e conquistas sociais. No Brasil, exerceu sua influência na luta contra a
ditadura militar, na defesa das diretas já e marcou presença na campanha dos
"caras pintadas" pela saída de Collor. Mas para falar sobre movimento
estudantil, é necessário retomar a história da UNE – intimamente ligada ao
passado das reivindicações estudantis.
A
vontade de transformar a realidade continua mobilizando muitos estudantes que
lutam, entre outras bandeiras, para enfrentar as sérias contradições da
educação no Brasil e reconstruir a base do sistema social a fim de construir
uma sociedade pautada pelo respeito aos direitos humanos.
A
história da UNE é feita de um passado de conquistas alcançadas com a luta
incessante de inúmeros estudantes que arriscaram suas vidas pelo bem coletivo.
Curiosamente, a UNE se originou de um órgão que surgiu desvinculado da defesa
de bandeiras políticas e só se efetivou como entidade que representa os
interesses dos estudantes pela insistência de universitários que desafiaram as
regras da Casa do Estudante do Brasil, presidida por Ana Amélia, organização
estudantil que tinha a pretensão de ser apolítica e desautorizava pautar seu
trabalho por questões que estimulassem a politização acadêmica. Hoje,
ironicamente, a UNE volta a ser apenas uma organização de representação formal
dos estudantes e deixa de ser uma entidade de luta com poder combativo e
autonomia crítica perante o governo federal.
Ficou
famoso o episódio do Congresso da UNE que ocorreu em Ibiúna, na ditadura
militar. O Congresso, que acontecia de maneira clandestina, terminou com os delegados
presos por soldados da Força Pública e policiais do DOPS. As principais lideranças
do movimento universitário foram presas, entre eles estava José Dirceu,
presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira,
presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antonio Guilherme Ribeiro
Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundarios.
A
história mostra que não foi sem luta que alguns universitários conquistaram o
direito dos estudantes de hoje serem representados na UNE através da tiragem de
delegados e não é sem esforço que o movimento estudantil atual tenta reconquistar
essa entidade como espaço de reivindicação dos direitos estudantis,
reacendendo, entre os jovens, a vontade de participação.
A UNE hoje
Em
tempos de “cada um por si” o CONUNE, Congresso Nacional da Une que acontecerá
em julho de 2013, se aproxima e estudantes de diversos coletivos que atuam no
movimento estudantil começam a cumprir uma agenda de encontros em diversas
faculdades para mostrar a relevância da participação no Congresso e conseguir a
adesão de novos estudantes nos espaços de movimento estudantil que disputam a
Une.
Com
o governo Lula, a majoritária da UNE, ligada ao PC do B, base aliada do
governo, passa a ter as medidas de precarização do ensino legitimadas pelo governo.
Bruno
Modesto e Carolina Figueiredo, do coletivo Domínio Público e Felipe Moda, do
campo Rompendo Amarras de movimento estudantil ajudam a construir a Oposição de
Esquerda, espaço composto por diversos coletivos que fazem oposição ao bloco
majoritário da entidade.
“A
realidade está muito difícil e, em última análise, precisamos mudar o mundo.
Mas se a gente acredita que é possível mudar o mundo, eu tenho certeza de que é
possível mudar a UNE”, diz Modesto, um dos integrantes do Diretório Central dos
Estudantes da UNICAMP e militante do campo estudantil Domínio Público.
Para
Carolina Figueiredo “o papel que a direção majoritária da UNE - centrada na UJS
(União da Juventude Socialista) - vem desempenhando desde o governo FHC é o de
reprodução de vários problemas e vícios da entidade. Também comenta as
arbitrariedades que acontecem no processo de tiragem de delegados, “não são
elementos novos as fraudes na eleição de delegados, os CAs, DAs e DCEs fundados
um dia antes do credenciamento aos congressos, o aparelhamento abusivo da
estrutura da UNE para fins próprios ao grupo que a dirige, a crescente
burocratização das instâncias da entidade e a extrema despolitização dos
espaços puxados pela UJS”.
A
oposição de Esquerda
Em
relação ao papel que a oposição de esquerda representa para a realidade social brasileira,
Modesto diz: “a tarefa de mudar a Une é importante para o cenário que a gente
tem no país hoje, mas só é possível de acontecer se tiver alinhada com os
movimentos sociais em todas as lutas que acontecem, sejam as lutas pela melhora
da educação ou pela garantia dos direitos humanos. Acho que a oposição de
esquerda representa isso.”
Na
Paulista, número 900, era 26 de março quando alguns estudantes se reúnem em
frente ao auditório da Faculdade Cásper Líbero para debater a relevância da
participação no Congresso da Une. Felipe Moda, estudante de ciências sociais da
Usp e integrante do coletivo de movimento estudantil Rompendo Amaras, fala dos principais
problemas enfrentados pelos estudantes atualmente e sobre a importância de
disputar o espaço da Une.
Felipe
explica aos estudantes as principais bandeiras da Oposição de Esquerda como a
defesa dos 10% do PIB para a educação, as cotas para negros, investimentos para
permanência estudantil e a luta pelo investimento nas universidades públicas. Segundo
ele, a majoritária, ligada ao PC do B, deixou de representar os interesses
estudantis há algum tempo, aceitando passivamente as decisões do governo
federal. De acordo com ele, hoje a entidade é cooptada pelo
governo federal e foi transformada em uma entidade burocrática e distanciada
dos alunos, lembrada apenas por ser a organização responsável pela carteirinha
estudantil.
Conta
também como a atitude de descaso da direção majoritária pode ser vista na prática
na segregação que acontece no próprio Congresso, com os piores e mais distantes
alojamentos destinados aos estudantes que fazem parte da oposição.
ANEL
O
Movimento Estudantil passa por diversas crises sobre qual a melhor política a
ser pautada com o objetivo de representar o interesse dos estudantes. A criação
da ANEL como organização de ruptura com a UNE representa a crise de
legitimidade e de direção pela qual passa a maior entidade dos estudantes.
Para
Carolina, “os grupos que defendem a ruptura com a UNE compartilham de uma
análise equivocada que subestima tanto a força das políticas do governo, quanto
a legitimidade lastro da UJS e do conjunto dos setores governistas entre o
movimento estudantil.” De acordo com ela, “ qualquer ruptura, hoje, acaba por
ser meramente formal e burocrática e não possibilita avançar no processo de
superação dos dilemas do ME, além de contribuir para enfraquecer a unidade
entre os setores de esquerda”, enfatiza.
Para
Modesto, a fundação de novas entidades de esquerda no movimento estudantil
apenas enfraqueceria o poder dos estudantes, “a pior coisa que poderia
acontecer seria cada grupo da Oposição de Esquerda sair fundando uma nova
entidade.” De acordo com ele, “a partir deste pólo de organização, o importante
é conseguir chegar em novas sínteses conjuntas de um projeto de enfrentamento a
esse modelo de educação.”
Um
futuro incerto
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