UniverCIDADE
As universidades públicas
do Brasil movimentam as pequenas cidades onde são instaladas. Em Minas Gerais,
algumas delas têm sua economia praticamente voltada para programas com as
instituições privadas ou públicas.
Pode até
parecer, mas nossa reportagem não trata de um projeto municipal para
estudantes. O texto fala sobre a importância que algumas instituições de ensino
têm no desenvolvimento social, cultural e, principalmente, econômico de
pequenos municípios no sul de Minas Gerais. O estado tem se destacado pelas
cidades de universitários, como Ouro Preto ou Alfenas. A educação em Minas é
assunto sério e, apesar das greves dos professores por vários meses, os índices
do MEC apontam que dentre alguns cursos, as instituições de Minas ocupam o ranking
de melhores cursos do país. É o caso da UNIFEI (Universidade Federal de
Itajubá) em Engenharia Civil e Mecânica e da UNIFAL (Universidade Federal de
Alfenas) em odontologia e química.
É importante
concentrarmos nossos olhares para esses pólos que, na verdade, demonstram o
desenvolvimento da educação no país. Quais as dificuldades dos estudantes? Como
é morar longe da família para poder ter uma educação melhor? Crescer e começar
a administrar o próprio dinheiro pode ser um desafio bastante grande. Porém
para alguns estudantes, o esforço vale à pena e os infortúnios de morar longe
da comida da mãe são superáveis e servem de boas experiências.
Gustavo Sérgio,
estudante de química da UNIFAL nos mostrou como é a sua rotina em dias de aula
e também em semana de provas, pode parecer que não, mas tudo é diferente. “Em
dias normais eu acordo às seis da manhã, para fazer café e tudo mais. A diferença
é que agora eu escolho o meu cardápio da refeição.” E a escolha não foi muito
saudável, mas o estudante garante que o sustenta até a hora do almoço: Pão
francês com Bacon, queijo e filé de frango acompanhado de suco de laranja. Para
defender o seu café da manhã caro e pouco saudável, Gustavo disse que custa
menos comer bacon em casa do que ficar comprando salgados assados ou fritos no
intervalo entre as aulas, o que acaba acontecendo se ele não come bem antes de
sair. Um ônibus até o Campus da UNIFAL e mais um dia letivo começa. Hoje as
aulas são de Cálculo I, matéria que o Gusp, como é chamado pelos amigos, está
encrencado. Melhor não ficarmos muito em cima dele.
Enquanto o
Gustavo estava em aula, fomos procurar outras pessoas pela faculdade e
encontramos, perto do prédio de odontologia, a Maria. Extrovertida, a moça de
21 anos topou contar um pouco da rotina dela, que é bastante diferente do
dia-a-dia do Gustavo. “Eu moro com a minha avó, é um pouco longe daqui, mas eu
prefiro, porque não como muito bem se fico sozinha. O curso não me deixa parar
em casa para fazer comida, e eu acabo passando dias só com pacotes de bolacha”.
Então, tendo o privilégio de morar com a vovó, quais foram as dificuldades que
a Maria encontrou na hora de se mudar? Ela conta que administrar a grana não é
fácil. Apesar de a comida estar liberada, ela compra muito lanchinho na
faculdade, “porque o curso é integral e eu fico o dia todo por aqui”. Além
disso, voltar para a casa dos pais (coisa que faz a cada quinze dias) também
custa caro, mesmo com todo o esquema de caronas que rola na faculdade.
E a carona é
coisa séria também no Campus da UNIFEI, em Itajubá. “Antes nós tínhamos uma
comunidade no Orkut onde tudo era
muito organizado. Agora migramos para um grupo do Facebook e a coisa funciona muito bem também”, conta Thomaz, que
estuda engenharia mecânica na cidade. A reputação de quem dá e de quem pega
carona é avaliada o tempo todo no grupo. “Se alguém fura na hora de pagar pela
carona ou na hora de buscar um ‘caroneiro’, essa pessoa logo posta no grupo
sobre o ocorrido, para que os outros fiquem espertos com fulano ou ciclano”.
Espera aí, essas caronas são pagas? E qual é a vantagem? O próprio Thommy (o
Thomaz também tem apelido lá na UNIFEI) nos respondeu “sim! A vantagem é que
você paga menos do que num ônibus, não precisa ir até a rodoviária, vai direto
para a sua cidade... Ah, custa menos.
Eu não preciso dizer mais nada (risos)”.
Dinheiro é
realmente importante para os universitários, principalmente porque estágio em
algumas cidades é muito complicado, defende Thaís, que estuda farmácia na UFOP
(Universidade Federal de Ouro Preto). “Eu tive que estagiar nas férias, na
cidade onde moro (com a minha família), porque em Ouro Preto eu não encontrei
nada”, nos contou a garota de vinte anos que já está no terceiro ano da
faculdade. Também para Maria, a estudante de odontologia da UNIFAL os estágios
ficaram para as férias, mas no caso dela, porque o curso é em período integral
e ela pode acompanhar o tio, que é dentista e a deu essa oportunidade.
Mas não tem
jeito, a forma mais eficaz de conseguir uma grana extra no final do mês é
ligando para casa. Gustavo considera a atitude humilhante, “é gritar que você
está fracassando em administrar o dinheiro com que vive todo mês. Eu evito, mas
já aconteceu”. Para todos eles o problema é que os pais já estão investindo em
aluguel, transporte e comida. “São gastos que não existiam até o terceiro ano
acabar, nem sempre os pais têm dinheiro para nos dar conforto. Tem gente na
minha sala que vende salgado para ajudar um pouco. Ou atrapalhar menos, no
caso”, contou a estudante Verônica, que estuda Letras na UFOP. O Gustavo gasta
cerca de R$700,00 por mês com alimentação, moradia e transporte. “Xerox também.
Parece que não, mas o pessoal da química também tem muita coisa para ler (risos).”, contou o rapaz para esquecer
os custos da faculdade pública.
Os gastos são vários,
mas o aluguel é a principal despesa dos universitários que se mudam para longe
da família. Até a Maria, que mora com a avó: “Na verdade, eu alugo o quarto de
hospedes (risos). Ajudamos como meus
pais podem. Eles dão R$200,00, pagam a conta de luz e a cesta básica da minha mãe
vem para cá todo mês”.
Do outro lado da
moeda, está a formação da cidade. Como ela se organiza em volta desses alunos e
quais os benefícios de ter tantos estudantes de fora morando ali? Para padarias
e supermercados perto dos campi, os estudantes são fundamentais para manter o
negócio. Porém, entre dezembro e fevereiro e também no mês de julho, os alunos
desaparecem. “Fica tudo calmo demais, quieto demais, a gente tem que e fazer um
pé de meia durante o semestre para agüentar as férias”, contou o Sr. Carlos,
dono de uma pequena padaria em Itajubá. Para Eliangela, moradora da cidade sede
da UNIFEI, as férias são os meses do ano em que a cidade fica parecendo uma
casa mal assombrada, vazia. “É um silêncio só, não tem ninguém na rodoviária,
nos mercados. Eu acho triste”.
Para o gerente
da Imobiliária do Waguinho, Marcos, o
ritmo das cidades universitárias é favorável. “Sempre tem gente chegando, gente
indo embora. Para fechar negócio com os apartamentos é bem mais fácil”. Os
meses de férias são de bastante trabalho para quem tem casas e pensões nas
cidades, por causa do fluxo de pessoas saindo e entrando nos apartamentos. O
aluguel de imóveis é uma das formas mais claras de trazer dinheiro para o
município, declarou o empresário. “Os estudantes que alugam apartamentos ou
casas aqui não ganham dinheiro, só gastam. Então, o aluguel vem da renda dos
pais deles, que moram fora. Daí o dinheiro vem de outras cidades e nós,
empresários da região, gastamos o dinheiro aqui. Isso acontece com quarenta por
cento dos imóveis que alugamos”.
Também por esse
fator, podemos citar que o desenvolvimento econômico da cidade está atrelado ao
dinheiro vindo de fora. Segundo o projeto de pesquisa do estudante Fernando
Augusto Vilela Tavares, 86,7% dos empresários do setor privado de Alfenas
consideram a integração com as universidades essencial para o desenvolvimento
econômico das cidades. Além disso, eles apontaram o perfil de consumo dos
estudantes como muito relevante para as decisões de negócios. Por exemplo, os
bares das faculdades, as empresas gráficas que fazem panfletos. Apesar do pouco
dinheiro, os estudantes freqüentam os mais diversos bares da cidade. Thomaz
gosta de experimentar vários tipos de cerveja. Ele e seus amigos encontraram
uma cervejaria que vende itens importados. Para eles, vale a pena sair de uma
prova de cálculo e gastar R$150,00 em algumas garrafas por ali. “É bom, porque
alivia a tensão da prova e nós nos preparamos para o resultado, que pode ser
bom ou ruim (risos)”. Então, com
atividades bem semelhantes, festas gigantescas (o Carnalfenas, festa que
acontece na cidade e é organizada por e para universitários é a maior micareta
fechada do país), padrões de alimentação bem básicos, os universitários formam
um perfil de consumidor bem simples, o que torna as cidades universitárias
pólos de produtos desenvolvidos para esse grupo específico.
No entanto, não
é só de consumir que esses jovens vivem. O entusiasmo com o início dos estudos
e o tempo livre que alguns têm cria projetos que ajudam no desenvolvimento
social do município. Por exemplo, em Ouro Preto, os alunos dos cursos de
Letras, Filosofia e Direito formaram uma turma de professores de música
clássica. Crianças entre oito e treze anos aprendem a tocar instrumentos como
violino e saxofone. Thiago, que estudou letras e agora cursa direito na cidade é
quem encabeça o projeto. Para ele, foi um prazer começar uma atividade que
fizesse tão bem para crianças que não tinham acesso à cultura: “Fica difícil
conciliar as aulas dos garotos quando eu tenho um livro mais complicado para
ler, mas o comportamento deles mudou tanto com as horas que já passamos juntos
que eu vejo a orquestra como um adendo à minha formação humana”. Em Alfenas, a
UNIFAL tem os projetos sociais com a comunidade. Por exemplo, na faculdade, há
um pronto-socorro dos dentes. Para emergências que ocorram com pessoas que não
possam pagar um dentista particular nem esperar pelo da prefeitura. “A
iniciativa é muito boa, porque muita coisa nós aprendemos na prática no PS”,
defende Maria.
Esses projetos
são recebidos de braços abertos pela população. Para Marli, mãe de dois
meninos, um de nove e outro de onze anos, a orquestra é uma forma de ocupar os
meninos, que antes ficavam brincando na rua. “Eles mudaram tanto desde que
começaram a ir para o teatro, ver os músicos... As notas na escola melhoraram e
eles estão muito educados, nem gritam mais”. Ela se emociona quando fala da
apresentação que os meninos prepararam para o Dia das Mães no ano passado: “No
ano passado eu vi o meu filho começar a tocar a música do Roberto Carlos. Eu
fico até arrepiada! Foi uma emoção muito grande para mim!”, contou a senhora de
35 anos que tem uma lanchonete para sustentar a família. Para os meninos, a
música clássica é a maior diversão. “Vamos toda semana. Eu pedi um violino de
aniversário para meus pais. Já está chegando, né mãe? É mês que vem, né?” -
perguntou o menino empolgado pelo instrumento. E a mãe sorriu. O esforço para
pagar o instrumento dos meninos estava guardando na satisfação que era vê-los
tão envolvidos com o projeto. É importante vermos como tal atitude pode ajudar
o desenvolvimento humano de todos os envolvidos.
As cidades
universitárias têm muito a colaborar com a região mineira, principalmente
porque a economia de muitas delas gira em torno de poucas grandes empresas que
se instalam pela mão-de-obra barata e isenções que as municipalidades oferecem,
em busca de campanhas políticas. Quando uma instituição como essa chega,
movimenta toda a cidade para que oportunidades de emprego indiretas sejam
também criadas. É uma forma diferente de investir nos negócios, mas para os
pequenos empresários das cidades, é um modo para ter seus próprios rendimentos.
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