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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Vinicius Pessoa



UniverCIDADE

As universidades públicas do Brasil movimentam as pequenas cidades onde são instaladas. Em Minas Gerais, algumas delas têm sua economia praticamente voltada para programas com as instituições privadas ou públicas.




Pode até parecer, mas nossa reportagem não trata de um projeto municipal para estudantes. O texto fala sobre a importância que algumas instituições de ensino têm no desenvolvimento social, cultural e, principalmente, econômico de pequenos municípios no sul de Minas Gerais. O estado tem se destacado pelas cidades de universitários, como Ouro Preto ou Alfenas. A educação em Minas é assunto sério e, apesar das greves dos professores por vários meses, os índices do MEC apontam que dentre alguns cursos, as instituições de Minas ocupam o ranking de melhores cursos do país. É o caso da UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá) em Engenharia Civil e Mecânica e da UNIFAL (Universidade Federal de Alfenas) em odontologia e química.
É importante concentrarmos nossos olhares para esses pólos que, na verdade, demonstram o desenvolvimento da educação no país. Quais as dificuldades dos estudantes? Como é morar longe da família para poder ter uma educação melhor? Crescer e começar a administrar o próprio dinheiro pode ser um desafio bastante grande. Porém para alguns estudantes, o esforço vale à pena e os infortúnios de morar longe da comida da mãe são superáveis e servem de boas experiências.
Gustavo Sérgio, estudante de química da UNIFAL nos mostrou como é a sua rotina em dias de aula e também em semana de provas, pode parecer que não, mas tudo é diferente. “Em dias normais eu acordo às seis da manhã, para fazer café e tudo mais. A diferença é que agora eu escolho o meu cardápio da refeição.” E a escolha não foi muito saudável, mas o estudante garante que o sustenta até a hora do almoço: Pão francês com Bacon, queijo e filé de frango acompanhado de suco de laranja. Para defender o seu café da manhã caro e pouco saudável, Gustavo disse que custa menos comer bacon em casa do que ficar comprando salgados assados ou fritos no intervalo entre as aulas, o que acaba acontecendo se ele não come bem antes de sair. Um ônibus até o Campus da UNIFAL e mais um dia letivo começa. Hoje as aulas são de Cálculo I, matéria que o Gusp, como é chamado pelos amigos, está encrencado. Melhor não ficarmos muito em cima dele.
Enquanto o Gustavo estava em aula, fomos procurar outras pessoas pela faculdade e encontramos, perto do prédio de odontologia, a Maria. Extrovertida, a moça de 21 anos topou contar um pouco da rotina dela, que é bastante diferente do dia-a-dia do Gustavo. “Eu moro com a minha avó, é um pouco longe daqui, mas eu prefiro, porque não como muito bem se fico sozinha. O curso não me deixa parar em casa para fazer comida, e eu acabo passando dias só com pacotes de bolacha”. Então, tendo o privilégio de morar com a vovó, quais foram as dificuldades que a Maria encontrou na hora de se mudar? Ela conta que administrar a grana não é fácil. Apesar de a comida estar liberada, ela compra muito lanchinho na faculdade, “porque o curso é integral e eu fico o dia todo por aqui”. Além disso, voltar para a casa dos pais (coisa que faz a cada quinze dias) também custa caro, mesmo com todo o esquema de caronas que rola na faculdade.
E a carona é coisa séria também no Campus da UNIFEI, em Itajubá. “Antes nós tínhamos uma comunidade no Orkut onde tudo era muito organizado. Agora migramos para um grupo do Facebook e a coisa funciona muito bem também”, conta Thomaz, que estuda engenharia mecânica na cidade. A reputação de quem dá e de quem pega carona é avaliada o tempo todo no grupo. “Se alguém fura na hora de pagar pela carona ou na hora de buscar um ‘caroneiro’, essa pessoa logo posta no grupo sobre o ocorrido, para que os outros fiquem espertos com fulano ou ciclano”. Espera aí, essas caronas são pagas? E qual é a vantagem? O próprio Thommy (o Thomaz também tem apelido lá na UNIFEI) nos respondeu “sim! A vantagem é que você paga menos do que num ônibus, não precisa ir até a rodoviária, vai direto para a sua cidade... Ah, custa menos. Eu não preciso dizer mais nada (risos)”.
Dinheiro é realmente importante para os universitários, principalmente porque estágio em algumas cidades é muito complicado, defende Thaís, que estuda farmácia na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto). “Eu tive que estagiar nas férias, na cidade onde moro (com a minha família), porque em Ouro Preto eu não encontrei nada”, nos contou a garota de vinte anos que já está no terceiro ano da faculdade. Também para Maria, a estudante de odontologia da UNIFAL os estágios ficaram para as férias, mas no caso dela, porque o curso é em período integral e ela pode acompanhar o tio, que é dentista e a deu essa oportunidade.
Mas não tem jeito, a forma mais eficaz de conseguir uma grana extra no final do mês é ligando para casa. Gustavo considera a atitude humilhante, “é gritar que você está fracassando em administrar o dinheiro com que vive todo mês. Eu evito, mas já aconteceu”. Para todos eles o problema é que os pais já estão investindo em aluguel, transporte e comida. “São gastos que não existiam até o terceiro ano acabar, nem sempre os pais têm dinheiro para nos dar conforto. Tem gente na minha sala que vende salgado para ajudar um pouco. Ou atrapalhar menos, no caso”, contou a estudante Verônica, que estuda Letras na UFOP. O Gustavo gasta cerca de R$700,00 por mês com alimentação, moradia e transporte. “Xerox também. Parece que não, mas o pessoal da química também tem muita coisa para ler (risos).”, contou o rapaz para esquecer os custos da faculdade pública.
Os gastos são vários, mas o aluguel é a principal despesa dos universitários que se mudam para longe da família. Até a Maria, que mora com a avó: “Na verdade, eu alugo o quarto de hospedes (risos). Ajudamos como meus pais podem. Eles dão R$200,00, pagam a conta de luz e a cesta básica da minha mãe vem para cá todo mês”.
Do outro lado da moeda, está a formação da cidade. Como ela se organiza em volta desses alunos e quais os benefícios de ter tantos estudantes de fora morando ali? Para padarias e supermercados perto dos campi, os estudantes são fundamentais para manter o negócio. Porém, entre dezembro e fevereiro e também no mês de julho, os alunos desaparecem. “Fica tudo calmo demais, quieto demais, a gente tem que e fazer um pé de meia durante o semestre para agüentar as férias”, contou o Sr. Carlos, dono de uma pequena padaria em Itajubá. Para Eliangela, moradora da cidade sede da UNIFEI, as férias são os meses do ano em que a cidade fica parecendo uma casa mal assombrada, vazia. “É um silêncio só, não tem ninguém na rodoviária, nos mercados. Eu acho triste”.
Para o gerente da Imobiliária do Waguinho, Marcos, o ritmo das cidades universitárias é favorável. “Sempre tem gente chegando, gente indo embora. Para fechar negócio com os apartamentos é bem mais fácil”. Os meses de férias são de bastante trabalho para quem tem casas e pensões nas cidades, por causa do fluxo de pessoas saindo e entrando nos apartamentos. O aluguel de imóveis é uma das formas mais claras de trazer dinheiro para o município, declarou o empresário. “Os estudantes que alugam apartamentos ou casas aqui não ganham dinheiro, só gastam. Então, o aluguel vem da renda dos pais deles, que moram fora. Daí o dinheiro vem de outras cidades e nós, empresários da região, gastamos o dinheiro aqui. Isso acontece com quarenta por cento dos imóveis que alugamos”.
Também por esse fator, podemos citar que o desenvolvimento econômico da cidade está atrelado ao dinheiro vindo de fora. Segundo o projeto de pesquisa do estudante Fernando Augusto Vilela Tavares, 86,7% dos empresários do setor privado de Alfenas consideram a integração com as universidades essencial para o desenvolvimento econômico das cidades. Além disso, eles apontaram o perfil de consumo dos estudantes como muito relevante para as decisões de negócios. Por exemplo, os bares das faculdades, as empresas gráficas que fazem panfletos. Apesar do pouco dinheiro, os estudantes freqüentam os mais diversos bares da cidade. Thomaz gosta de experimentar vários tipos de cerveja. Ele e seus amigos encontraram uma cervejaria que vende itens importados. Para eles, vale a pena sair de uma prova de cálculo e gastar R$150,00 em algumas garrafas por ali. “É bom, porque alivia a tensão da prova e nós nos preparamos para o resultado, que pode ser bom ou ruim (risos)”. Então, com atividades bem semelhantes, festas gigantescas (o Carnalfenas, festa que acontece na cidade e é organizada por e para universitários é a maior micareta fechada do país), padrões de alimentação bem básicos, os universitários formam um perfil de consumidor bem simples, o que torna as cidades universitárias pólos de produtos desenvolvidos para esse grupo específico.
No entanto, não é só de consumir que esses jovens vivem. O entusiasmo com o início dos estudos e o tempo livre que alguns têm cria projetos que ajudam no desenvolvimento social do município. Por exemplo, em Ouro Preto, os alunos dos cursos de Letras, Filosofia e Direito formaram uma turma de professores de música clássica. Crianças entre oito e treze anos aprendem a tocar instrumentos como violino e saxofone. Thiago, que estudou letras e agora cursa direito na cidade é quem encabeça o projeto. Para ele, foi um prazer começar uma atividade que fizesse tão bem para crianças que não tinham acesso à cultura: “Fica difícil conciliar as aulas dos garotos quando eu tenho um livro mais complicado para ler, mas o comportamento deles mudou tanto com as horas que já passamos juntos que eu vejo a orquestra como um adendo à minha formação humana”. Em Alfenas, a UNIFAL tem os projetos sociais com a comunidade. Por exemplo, na faculdade, há um pronto-socorro dos dentes. Para emergências que ocorram com pessoas que não possam pagar um dentista particular nem esperar pelo da prefeitura. “A iniciativa é muito boa, porque muita coisa nós aprendemos na prática no PS”, defende Maria.
Esses projetos são recebidos de braços abertos pela população. Para Marli, mãe de dois meninos, um de nove e outro de onze anos, a orquestra é uma forma de ocupar os meninos, que antes ficavam brincando na rua. “Eles mudaram tanto desde que começaram a ir para o teatro, ver os músicos... As notas na escola melhoraram e eles estão muito educados, nem gritam mais”. Ela se emociona quando fala da apresentação que os meninos prepararam para o Dia das Mães no ano passado: “No ano passado eu vi o meu filho começar a tocar a música do Roberto Carlos. Eu fico até arrepiada! Foi uma emoção muito grande para mim!”, contou a senhora de 35 anos que tem uma lanchonete para sustentar a família. Para os meninos, a música clássica é a maior diversão. “Vamos toda semana. Eu pedi um violino de aniversário para meus pais. Já está chegando, né mãe? É mês que vem, né?” - perguntou o menino empolgado pelo instrumento. E a mãe sorriu. O esforço para pagar o instrumento dos meninos estava guardando na satisfação que era vê-los tão envolvidos com o projeto. É importante vermos como tal atitude pode ajudar o desenvolvimento humano de todos os envolvidos. 
As cidades universitárias têm muito a colaborar com a região mineira, principalmente porque a economia de muitas delas gira em torno de poucas grandes empresas que se instalam pela mão-de-obra barata e isenções que as municipalidades oferecem, em busca de campanhas políticas. Quando uma instituição como essa chega, movimenta toda a cidade para que oportunidades de emprego indiretas sejam também criadas. É uma forma diferente de investir nos negócios, mas para os pequenos empresários das cidades, é um modo para ter seus próprios rendimentos.  

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