O
PARADOXO DA ADMIRAÇÃO
Qual
é a importância dos ídolos para a formação da personalidade e imagem de um
jovem?
Assim
que as bancas e revistarias abrem já é possível vê-los, aguardando ansiosamente
por um exemplar da revista que, neste mês, leva na capa uma foto da celebridade
que mais admiram. Eles formam filas em todos os lugares: livrarias, bilheterias
de casas de shows, cinemas... E não basta comparecer às exibições normais para
assistir aos filmes: a maioria faz questão de comprar ingressos para as famosas
sessões de pré-estreia, normalmente realizadas à meia-noite. Cada um desses
grupos é um fandom, expressão da
língua inglesa que abrevia os termos Fan
Kingdom (que se refere ao coletivo de fãs e simboliza uma ideia de unidade
entre eles, como uma causa em comum).
Embora
a relação entre fãs e ídolos já fosse comum há muitas décadas, uma faixa etária
específica ganhou uma denominação exclusiva: a geração Harry Potter. O primeiro
livro da série criada por J. K. Rowling foi publicado em junho de 1997, na
Inglaterra. A saga do bruxinho, que se inicia com uma temática infantil e de
leitura leve, logo chamou a atenção da turma nascida principalmente nos anos
90. O universo mágico criado pela escritora britânica (a primeira a ficar
bilionária graças à literatura) incentivou e ajudou a criar o hábito da leitura
em milhões de crianças de países e culturas diferentes. A franquia
cinematográfica rendeu bilhões de dólares em bilheteria e levou crianças e
adolescentes ao cinema (muitas vezes vestindo fantasias, caracterizados como
seus personagens favoritos).
E
foi assim que tudo começou para a universitária alemã Aleli Stephani, de 19
anos. Fã de Harry Potter desde a infância, ela lia os livros e assistia aos
filmes assim que eram lançados. Hoje ela se lembra daquela época com nostalgia
e afirma que não mudou a sua natureza de fã: só adotou novos ídolos.
“Pelos
últimos cinco anos eu fui fã de alguma coisa ou de alguém, e não me arrependo
de um segundo desse tempo. Eu honestamente acho que isso me ajudou a superar e
suportar muitas dificuldades no período escolar e durante momentos estressantes
de forma geral. É algo diferente de todo o resto da minha vida, e eu acho que é
por isso que tantos jovens encontram um porto seguro em um fandom. Porque isso nos dá a chance de conversar com pessoas que
gostam das mesmas coisas que nós e, portanto, não vão nos julgar por isso”,
explica Aleli.
Situação
parecida é a da espanhola Sonia Garcia, também de 19 anos. Ela explicou que ser
fã permite que ela se relacione com muitas pessoas diferentes dela, mas que
idolatram as mesmas coisas. Ou seja, isso ajuda a aceitar e a lidar com a
diversidade cultural. “Você gosta de uma coisa abertamente e fala disso de
forma passional, e isso é bom. É muito mais saudável do que guardar as coisas
para si mesmo”, afirma.
A
ciência explica isso: o cérebro humano mantém-se em formação até os 21 anos.
Para o psicólogo e professor da UNESP Sandro Caramaschi, é normal que o
adolescente busque um ídolo, uma referência fora do ambiente familiar. E isso
costuma acontecer quando os pré-adolescentes deixam de ver os pais como os
únicos modelos de conduta, e é nesse momento que a infância começa a ser
deixada para trás.
O
estudante Caio Fernando tem apenas 16 anos de idade, mas já tem bastante
experiência no assunto. “Quanto mais cresço, passo a admirar mais pessoas e
deixo algumas para trás”, confessa. E esse comportamento é natural, afinal,
trata-se de uma fase de construção da personalidade, e é comum que os jovens
amadureçam e se esqueçam de alguns de seus antigos heróis, adotando novos
ídolos.
A INTERNET
O
fenômeno da idolatria cresceu muito com a popularização da Internet, e,
sobretudo, com a criação das redes sociais. Muitas delas disponibilizam fóruns
para que seus usuários conversem sobre os objetos de sua admiração,
possibilitando empatia e até mesmo amizade entre os membros. A rede social Tumblr foi lançada em 2007 pelo
americano David Karp, e trata-se de uma plataforma na qual os usuários criam
blogs (atualmente, a estimativa é de que já sejam 20 milhões deles). O
artifício inovador do site consiste na possibilidade de seguir outros blogs e
receber as atualizações deles diretamente em seu painel pessoal, e isso fez com
que se tornasse o lar “oficial” de todo fandom.
Fernanda
de Andrade, 19, estuda na Faculdade Cásper Líbero e esclareceu os motivos que
transformaram o Tumblr em uma rede
social quase exclusiva para fãs: “Muita gente lá é parecida, tem os mesmos
problemas e gostos. Acho que um acaba ajudando o outro. Só o fato de ter alguém
para conversar e saber que você não é totalmente maluco por gostar daquilo, já
ajuda”.
E
o fato dos usuários dessa rede terem gostos (ou seja, ídolos) em comum é justamente
o que cria o sentimento de unidade, ou seja, o jovem nunca está sozinho na
admiração a uma celebridade: o Tumblr
lhe apresentará aos seus iguais. A cada episódio novo de um seriado, os blogs
imediatamente publicam análises, fotos e comentários empolgados a respeito.
A OPINIÃO DOS PAIS
Aleli
garante que seus pais apoiam muito. Ela nem precisa de muito trabalho para
convencê-los em relação aos shows. Atualmente ela mora em Passau, mas em maio
seu pai a levará (juntamente com uma amiga) para um show em Berlim, quase do
outro lado do país. “É claro que às vezes eles dizem que eu sou obcecada demais
por algo, ou reclamam que eu passo tempo demais assistindo vídeos no Youtube e que preciso sair de casa com
mais frequência, mas, de modo geral, eles apoiam. Minha mãe canta as músicas da
minha banda favorita, sabe os nomes dos integrantes e até grava os programas de
TV em que eles aparecem quando não estou em casa”, explica.
Sonia
já vive uma situação um pouco diferente: sua mãe se preocupa com o fato de isso
ocupar tanto o tempo de sua filha, mas entende que isso a faz feliz e respeita.
“Todo mundo precisa gostar de alguma coisa, a questão é que algumas pessoas são
mais passionais”, esclarece.
A
mãe de Fernanda demonstra que acha um pouco estranho, mas não reclama. “Ela só
me apoia. Às vezes a gente brinca, ela me chama de macaca de auditório, mas
nunca conversamos de forma séria sobre esse assunto”, destaca a estudante. E
com os meninos também parece não ser diferente. Os pais de Caio concordam com a
admiração, mas não com a idolatria. E ele admite que esse comportamento só pode
ser considerado saudável quando o fã não vive em função do ídolo, mas sim
valoriza seu trabalho.
Mas e quanto aos pais que foram fãs
na adolescência? Márcia Jorge, de 49 anos, foi fã do cantor Elvis Presley desde
os 12 anos de idade, e hoje vive o outro lado da história na convivência com
sua filha adolescente, cheia de ídolos. Ela confirma que a Internet mudou esse
fenômeno, surgindo como ferramenta para tornar tudo mais acessível para os fãs.
Mas
a ausência da World Wide Web não
impediu que seu pai reprovasse o fanatismo: “Tivemos problemas uma vez, e foi
quando o Elvis faleceu. Eu tinha só 13 anos e fiquei muito triste, e lembro do
meu pai dizendo que aquilo tudo era um exagero da minha parte. Por isso tento
agir de forma diferente com meus filhos”, conta Márcia.
PONTOS NEGATIVOS
Definitivamente,
eles existem. Existe uma fronteira que separa a admiração saudável e a obsessão
doentia. Esse limite é ultrapassado quando o jovem se esquece das coisas em sua
própria vida por estar focado demais no fandom.
Ou seja, deixar de sair com os amigos, estudar, perder noites de sono e reagir
mal quando seu ídolo é criticado.
“A
partir do momento em que a pessoa deixa de apenas admirar uma pessoa e passa a
idolatrá-la e torná-la sua razão de viver, o fanatismo é prejudicial”, diz
Caio. Márcia menciona o fato de que John Lennon (vocalista dos Beatles) foi
assassinado por um fã, e assinala esse caso como o exemplo mais negativo de
como a admiração pode se transformar em doença.
A
psicanalista Elisa Miranda afirma que o fanatismo deve ser tratado com cautela:
“Algumas pessoas começam a perder os limites entre sua personalidade e a do artista.
Pode ser muito prejudicial”, esclarece.
PONTOS POSITIVOS
Sonia
afirma que seu inglês melhorou muito e se tornou fluente a partir do momento em
que se tornou fã: “eu percebi que a melhor maneira de me manter sempre
atualizada era aprendendo inglês, então eu fiz um esforço extra”, diz ela.
Aleli
concorda, e acrescenta que a amizade que tem com algumas pessoas cresceu muito
quando descobriram que gostam das mesmas coisas e com a mesma intensidade.
Fernanda destaca mais pontos positivos do que negativos, pois o fandom lhe dá a possibilidade de
conversar com pessoas do mundo inteiro. “Sei de coisas que acontecem do outro
lado do planeta e que provavelmente nunca saberia de outra forma”, afirma.
E,
de fato, a lista de pontos positivos é extensa: “Nada disso se baseia somente
na admiração pelo ídolo ou pela obra dessa pessoa, mas em um conjunto. Ou seja,
saber mais sobre as pessoas e relacionar-se melhor com elas. Um fandom é uma comunidade e um exemplo da
convivência em sociedade em torno de um ideal”, justifica Caio.
Esses
são alguns dos pontos importantes de se ter um ídolo, principalmente durante a
adolescência. Essa fase da vida pede um alicerce, e a principal função do ídolo
é ser o referencial e a base da construção da personalidade de nossos jovens.
O
trabalho deles? Levantar nosso senso crítico, auxiliar na formação de nossas
opiniões, influenciar na nossa imagem e identidade visual. Além disso, caminhar
ao nosso lado e ajudar na fase de transição para a vida adulta.
Mas
não são somente os ídolos que tem a sua importância nessa história. O foco e o
principal personagem dessa reportagem é o fandom.
Os fãs são a corrente que liga o objeto de sua admiração ao resto do mundo.
Ou
seja, o fã é o ícone que mantém os ídolos vivos.
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