Old
is cool: direto do
século passado, o retorno dos LPs
A relação entre os discos de vinil e os apaixonados
por música no século XXI
Entre as
décadas de 1940 e 1980 eles foram a grande febre mundial: adultos os
colecionavam, jovens guardavam cada moeda que ganhavam para comprá-los e muitas
vezes eles eram tão aguardados que sumiam das prateleiras minutos após seu
lançamento. Depois, com o surgimento dos CDs, foram condenados ao confinamento,
esquecidos em sebos e tratados como velharia até mesmo por aqueles que diziam
adorá-los. Estamos falando, claro, dos discos de vinil – os conhecidíssimos
LPs, que após um longo período de ostracismo parecem ter voltado às graças dos
amantes da música, mostrando que sim, o antigo pode ser legal.
Depois
de anos obsoleta, a mania de colecionar LPs parece estar voltando com tudo, não
só aqui no Brasil como no mundo. Mas quais são os motivos disso? O que leva uma
pessoa que poderia adquirir músicas gratuitamente via internet a comprar esses
“bolachões” grandes e espaçosos? Para a publicitária Karina Cavalcante, de 28
anos, não se trata de comprar por comprar, mas sim de uma paixão. “A verdade é
que quem compra LPs realmente tem pelo menos simpatia por eles, mesmo que não
vá ouvir de verdade. O fato de ter um LP do seu cantor ou banda favorito é
muito legal, parece que faz com que você seja mais fã, mais próximo... É uma
relação engraçada!”.
Saudosismo, mania ou fanatismo?
Segundo
Mauricio Silva, atendente de um sebo na região central de São Paulo, não existe
um motivo exato para o consumo de LPs – frase que endossa, indiretamente, a
afirmação de Karina sobre as compras. No entanto, Mauricio diz perceber que
três características andam juntas: o saudosismo, a mania e o fanatismo. “O
saudosismo eu acho que é auto-explicativo... A pessoa tem várias opções para
ouvir música e acaba escolhendo uma do século passado, que não é lá muito
barata nem muito menos prática. O fanatismo porque geralmente compram discos de
bandas das quais são muito fãs... E é aí que entra a mania também: comprar vira
um hábito, uma necessidade, um estilo de vida... Acho que é aí que vira mania,
quando a pessoa para de comprar só aqueles das bandas que curte e começa a
comprar outros de bandas que conhece pouco mas sabe que são influentes... Vira
um status”, diz.
Ainda
sobre os motivos da escolha das “bolachas”, Karina diz que “alguém que ache
‘coisa de velho’ ou bugiganga não leva. Isso porque LP é um amor caro, sabe?
(risos) Por mais que você descubra sebos e meios de barganhar, dá pra perceber
que muitas vezes a gente se deixa levar pela emoção de ter um disco raro de
alguma banda (que goste ou não – nesse caso o que vale é ter o disco, e não
ouvi-lo) e acaba pagando, literalmente, por isso”. Novamente a questão do status surge.
Percebe-se
que grande parte dos compradores, em especial os mais jovens, escolhe os discos
como uma forma de se auto-afirmar, de ter um estilo que consideram fora do
padrão. Muitos deles são chamados de hipsters,
palavra que designa um grupo de pessoas que se afasta dos modismos impostos e
tenta ir contra eles, vestindo-se, comportando-se e gostando de formas e coisas
incomuns. São aquilo que nossos avós chamariam de “moderninhos”. No entanto,
esses não são, de forma alguma, o único mercado consumidor da área, e é certo
dizer que o fato de os discos serem tidos como objeto de status envolve
questões bem mais profundas do que meros estereótipos.
Um amor caro
Os
custos dos discos não existem apenas na hora da compra, mas sim a longo prazo.
Quem os compra certamente tem uma vitrola, toca-discos ou algo do gênero, que
por sua vez exige uma agulha para reproduzir o som – agulha esta que se
desgasta com o tempo. Também é necessário um armário, estante ou prateleira
onde eles possam ficar na posição vertical, um ao lado do outro, já que a
horizontal é altamente prejudicial ao vinil, podendo envergá-lo a ponto de
inutilizá-lo. Mas o maior problema está, com certeza, no preço dessa
mercadoria.
Enquanto
em países europeus, como a França, é possível encontrar vinis novos a bons
preços, aqui no Brasil isso é praticamente uma missão impossível. O conhecidíssimo
álbum Abbey Road, dos Beatles, custa cerca
de €17,00, o que convertendo em
reais seria R$44,93. Entretanto, esse não é o preço praticado. O disco custa
incríveis R$149,90 – mais que o triplo do preço convertido. Fica fácil
perceber, então, o porquê do status,
e é importante explicar como acontece esse aumento quase inacreditável.
Após o
lançamento dos CDs, entre as décadas de 1980 e 1990, as fábricas brasileiras de
discos encerraram suas produções, focando-se apenas na novidade que era bem
mais barata e lucrativa por poder ser fabricada em maior escala. Assim,
atualmente quase todos os LPs vendidos por aqui são importados, e sobre eles
são cobrados US$10,00 de taxa alfandegária, um ICMS (Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Prestação de Serviços) de 18% variáveis de acordo com o estado
e 60% de imposto de importação. Esses valores fazem do disco de vinil um bem
cultural taxado como nenhum outro no cenário nacional. As informações do site
avaaz.org, onde é possível que interessados assinem uma petição pelo fim das
taxas consideradas abusivas.
E como comprar com pouco dinheiro?
Nem tudo são espinhos na vida dos
colecionadores. Não se pode esquecer que estes impostos estão relacionados aos
discos novos, que vão direto das fábricas às lojas convencionais, como
livrarias de shoppings e especializadas em música, mas que grande parte dos
consumidores adquire mesmo seus discos em sebos. “Sebo é bom porque dá pra
barganhar bastante e encontrar muita coisa bacana perdida”, diz Karina. Mas a
novidade que vem agitando mesmo o mercado são as feiras independentes de
discos, que acontecem em grandes centros urbanos como São Paulo.
A feira da “Locomotiva Discos” é um bom
exemplo disso. Organizada por Márcio Custódio, ela surgiu primeiramente como um
meio de divulgar a loja que intitula a feira. “Comecei em 2009 pra divulgar
minha loja, mas hoje em dia as pessoas conhecem mais a feira do que ela
(risos)”. Desde então o evento acontece uma vez a cada dois meses, e sempre em
lugares diferentes – essa é, alias uma das preocupações do organizador:
escolher lugares diferentes, mas sempre com boa estrutura e de fácil acesso.
A maior prova do sucesso do evento é a
quantidade de pessoas, não só de compradores mas também de vendedores, que
cresce exponencialmente a cada edição. “Olha, a cada evento nós recebemos umas
mil pessoas, e sempre tem gente me perguntando como faz pra expor aqui... Então
a cada feira nós temos também cerca de dez expositores novos”.
A grande vantagem de feiras como essa é, além
do ambiente agradável e da troca de experiências, a possibilidade de adquirir
diferentes álbuns com preços pra todos os bolsos. Do mesmo jeito que se
encontra produtos por R$5,00 também é possível ver um por R$500,00 – tudo
dependendo, claro, de peculiaridades como o peso em gramas (quanto mais espesso
e pesado o vinil, mais caro ele é), a cor (sim, é possível adquirir vinis
coloridos), a raridade, ano, etc.
Público consumidor
Quando perguntado sobre a faixa-etária do
público, Marcio responde que “tem gente de todas as idades, sem exagero. Vem
bastante gente nova, um pessoal de uns 50 anos também, famílias, pais com seus
filhos... Não tem restrição”. E, realmente, Marcio parece estar certo – que o
diga Pedro Silva, de apenas 14 anos, que se esbaldava entre as cestas repletas
de discos. “Eu amo LPs... Tenho vários em casa. Acho que dá pra ter mais
contato com o cantor, ver as fotos, letras... Ouvir na ordem que ele gostaria
que fosse ouvida, que ele pensou. Acho muito legal!”, diz.
O atendente da unidade na Av. Paulista da
Livraria Cultura Ricardo Watanabe diz que, só naquela loja, são vendidos em
torno de cem LPs por mês, e que o público ali também é variado. “Não dá pra
determinar, sabe? A pessoa gosta de música, gosta de LP, vem aqui, compra e é
isso”.
O futuro do vinil
Sendo oriundo de um recente esquecimento,
muitos questionam a durabilidade do sucesso reconquistado pelo vinil. Será
mesmo que ele conseguirá competir com o MP3? Para o DJ Luis Augusto, de 21
anos, uma coisa não tem nada a ver com a outra. “O vinil não está aí pra brigar
com o MP3, mesmo porque essa seria uma batalha injusta. MP3 é um outro jeito de
ouvir música, o foco é outro... O vinil é mais centralizado, tem uma barreira
que estabelece um grupo de pessoas que gostam dele e tal... O MP3 é mais
praticidade, o vinil é mais pra curtir a música pelo o que ela é”, diz.
Muitos artistas atuais, percebendo o potencial
desses mercados, passaram não só a gravar CDs como disponibilizar para download
seus trabalhos e gravar discos. Isso indica que realmente a indústria
fonográfica está reconquistando seu espaço – claro que não da mesma maneira que
fez no século passado, mesmo porque seria impossível frente à quantidade de
possibilidades diferentes de consumo musical existente nos dias de hoje – mas,
sem dúvidas, de maneira significativa.
“A paixão pelos LPs passa de geração para
geração”, disse Márcio Custódio. Até quando ela será difundida? Isso só o tempo
dirá.
Quem ouve discos de vinil não acredita que
esse seja um simples modismo, mas sim um meio de aproximar-se do artista e de
sua obra, visto que na vitrola não é possível fazer coisas que a correria do
dia a dia nos impõe, como pular músicas que não gostamos muito, avançar para o
refrão, anexar letras para cantar junto. Ouvir um disco significa entrar em
contato com uma música em níveis profundos, se deixar levar, apreciar até mesmo
o chiado que a agulha faz quando encontra uma poeira em seu caminho. É esse
tipo de pequenez que acelera o coração dos colecionadores, e certamente é ele
também o responsável por esse amor não ter morrido totalmente e se perdido na
história.
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