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sábado, 20 de abril de 2013

Reportagem Temática - Ana Paula Sanches


Old is cool: direto do século passado, o retorno dos LPs
A relação entre os discos de vinil e os apaixonados por música no século XXI




Entre as décadas de 1940 e 1980 eles foram a grande febre mundial: adultos os colecionavam, jovens guardavam cada moeda que ganhavam para comprá-los e muitas vezes eles eram tão aguardados que sumiam das prateleiras minutos após seu lançamento. Depois, com o surgimento dos CDs, foram condenados ao confinamento, esquecidos em sebos e tratados como velharia até mesmo por aqueles que diziam adorá-los. Estamos falando, claro, dos discos de vinil – os conhecidíssimos LPs, que após um longo período de ostracismo parecem ter voltado às graças dos amantes da música, mostrando que sim, o antigo pode ser legal.
Depois de anos obsoleta, a mania de colecionar LPs parece estar voltando com tudo, não só aqui no Brasil como no mundo. Mas quais são os motivos disso? O que leva uma pessoa que poderia adquirir músicas gratuitamente via internet a comprar esses “bolachões” grandes e espaçosos? Para a publicitária Karina Cavalcante, de 28 anos, não se trata de comprar por comprar, mas sim de uma paixão. “A verdade é que quem compra LPs realmente tem pelo menos simpatia por eles, mesmo que não vá ouvir de verdade. O fato de ter um LP do seu cantor ou banda favorito é muito legal, parece que faz com que você seja mais fã, mais próximo... É uma relação engraçada!”.
Saudosismo, mania ou fanatismo?
Segundo Mauricio Silva, atendente de um sebo na região central de São Paulo, não existe um motivo exato para o consumo de LPs – frase que endossa, indiretamente, a afirmação de Karina sobre as compras. No entanto, Mauricio diz perceber que três características andam juntas: o saudosismo, a mania e o fanatismo. “O saudosismo eu acho que é auto-explicativo... A pessoa tem várias opções para ouvir música e acaba escolhendo uma do século passado, que não é lá muito barata nem muito menos prática. O fanatismo porque geralmente compram discos de bandas das quais são muito fãs... E é aí que entra a mania também: comprar vira um hábito, uma necessidade, um estilo de vida... Acho que é aí que vira mania, quando a pessoa para de comprar só aqueles das bandas que curte e começa a comprar outros de bandas que conhece pouco mas sabe que são influentes... Vira um status”, diz.
Ainda sobre os motivos da escolha das “bolachas”, Karina diz que “alguém que ache ‘coisa de velho’ ou bugiganga não leva. Isso porque LP é um amor caro, sabe? (risos) Por mais que você descubra sebos e meios de barganhar, dá pra perceber que muitas vezes a gente se deixa levar pela emoção de ter um disco raro de alguma banda (que goste ou não – nesse caso o que vale é ter o disco, e não ouvi-lo) e acaba pagando, literalmente, por isso”. Novamente a questão do status surge.
Percebe-se que grande parte dos compradores, em especial os mais jovens, escolhe os discos como uma forma de se auto-afirmar, de ter um estilo que consideram fora do padrão. Muitos deles são chamados de hipsters, palavra que designa um grupo de pessoas que se afasta dos modismos impostos e tenta ir contra eles, vestindo-se, comportando-se e gostando de formas e coisas incomuns. São aquilo que nossos avós chamariam de “moderninhos”. No entanto, esses não são, de forma alguma, o único mercado consumidor da área, e é certo dizer que o fato de os discos serem tidos como objeto de status envolve questões bem mais profundas do que meros estereótipos.
Um amor caro
Os custos dos discos não existem apenas na hora da compra, mas sim a longo prazo. Quem os compra certamente tem uma vitrola, toca-discos ou algo do gênero, que por sua vez exige uma agulha para reproduzir o som – agulha esta que se desgasta com o tempo. Também é necessário um armário, estante ou prateleira onde eles possam ficar na posição vertical, um ao lado do outro, já que a horizontal é altamente prejudicial ao vinil, podendo envergá-lo a ponto de inutilizá-lo. Mas o maior problema está, com certeza, no preço dessa mercadoria.
Enquanto em países europeus, como a França, é possível encontrar vinis novos a bons preços, aqui no Brasil isso é praticamente uma missão impossível. O conhecidíssimo álbum Abbey Road, dos Beatles, custa cerca de 17,00, o que convertendo em reais seria R$44,93. Entretanto, esse não é o preço praticado. O disco custa incríveis R$149,90 – mais que o triplo do preço convertido. Fica fácil perceber, então, o porquê do status, e é importante explicar como acontece esse aumento quase inacreditável.
Após o lançamento dos CDs, entre as décadas de 1980 e 1990, as fábricas brasileiras de discos encerraram suas produções, focando-se apenas na novidade que era bem mais barata e lucrativa por poder ser fabricada em maior escala. Assim, atualmente quase todos os LPs vendidos por aqui são importados, e sobre eles são cobrados US$10,00 de taxa alfandegária, um ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) de 18% variáveis de acordo com o estado e 60% de imposto de importação. Esses valores fazem do disco de vinil um bem cultural taxado como nenhum outro no cenário nacional. As informações do site avaaz.org, onde é possível que interessados assinem uma petição pelo fim das taxas consideradas abusivas.
E como comprar com pouco dinheiro?
Nem tudo são espinhos na vida dos colecionadores. Não se pode esquecer que estes impostos estão relacionados aos discos novos, que vão direto das fábricas às lojas convencionais, como livrarias de shoppings e especializadas em música, mas que grande parte dos consumidores adquire mesmo seus discos em sebos. “Sebo é bom porque dá pra barganhar bastante e encontrar muita coisa bacana perdida”, diz Karina. Mas a novidade que vem agitando mesmo o mercado são as feiras independentes de discos, que acontecem em grandes centros urbanos como São Paulo.
A feira da “Locomotiva Discos” é um bom exemplo disso. Organizada por Márcio Custódio, ela surgiu primeiramente como um meio de divulgar a loja que intitula a feira. “Comecei em 2009 pra divulgar minha loja, mas hoje em dia as pessoas conhecem mais a feira do que ela (risos)”. Desde então o evento acontece uma vez a cada dois meses, e sempre em lugares diferentes – essa é, alias uma das preocupações do organizador: escolher lugares diferentes, mas sempre com boa estrutura e de fácil acesso.
A maior prova do sucesso do evento é a quantidade de pessoas, não só de compradores mas também de vendedores, que cresce exponencialmente a cada edição. “Olha, a cada evento nós recebemos umas mil pessoas, e sempre tem gente me perguntando como faz pra expor aqui... Então a cada feira nós temos também cerca de dez expositores novos”.
A grande vantagem de feiras como essa é, além do ambiente agradável e da troca de experiências, a possibilidade de adquirir diferentes álbuns com preços pra todos os bolsos. Do mesmo jeito que se encontra produtos por R$5,00 também é possível ver um por R$500,00 – tudo dependendo, claro, de peculiaridades como o peso em gramas (quanto mais espesso e pesado o vinil, mais caro ele é), a cor (sim, é possível adquirir vinis coloridos), a raridade, ano, etc.
Público consumidor
Quando perguntado sobre a faixa-etária do público, Marcio responde que “tem gente de todas as idades, sem exagero. Vem bastante gente nova, um pessoal de uns 50 anos também, famílias, pais com seus filhos... Não tem restrição”. E, realmente, Marcio parece estar certo – que o diga Pedro Silva, de apenas 14 anos, que se esbaldava entre as cestas repletas de discos. “Eu amo LPs... Tenho vários em casa. Acho que dá pra ter mais contato com o cantor, ver as fotos, letras... Ouvir na ordem que ele gostaria que fosse ouvida, que ele pensou. Acho muito legal!”, diz.
O atendente da unidade na Av. Paulista da Livraria Cultura Ricardo Watanabe diz que, só naquela loja, são vendidos em torno de cem LPs por mês, e que o público ali também é variado. “Não dá pra determinar, sabe? A pessoa gosta de música, gosta de LP, vem aqui, compra e é isso”.
O futuro do vinil
Sendo oriundo de um recente esquecimento, muitos questionam a durabilidade do sucesso reconquistado pelo vinil. Será mesmo que ele conseguirá competir com o MP3? Para o DJ Luis Augusto, de 21 anos, uma coisa não tem nada a ver com a outra. “O vinil não está aí pra brigar com o MP3, mesmo porque essa seria uma batalha injusta. MP3 é um outro jeito de ouvir música, o foco é outro... O vinil é mais centralizado, tem uma barreira que estabelece um grupo de pessoas que gostam dele e tal... O MP3 é mais praticidade, o vinil é mais pra curtir a música pelo o que ela é”, diz.
Muitos artistas atuais, percebendo o potencial desses mercados, passaram não só a gravar CDs como disponibilizar para download seus trabalhos e gravar discos. Isso indica que realmente a indústria fonográfica está reconquistando seu espaço – claro que não da mesma maneira que fez no século passado, mesmo porque seria impossível frente à quantidade de possibilidades diferentes de consumo musical existente nos dias de hoje – mas, sem dúvidas, de maneira significativa.
“A paixão pelos LPs passa de geração para geração”, disse Márcio Custódio. Até quando ela será difundida? Isso só o tempo dirá.
Quem ouve discos de vinil não acredita que esse seja um simples modismo, mas sim um meio de aproximar-se do artista e de sua obra, visto que na vitrola não é possível fazer coisas que a correria do dia a dia nos impõe, como pular músicas que não gostamos muito, avançar para o refrão, anexar letras para cantar junto. Ouvir um disco significa entrar em contato com uma música em níveis profundos, se deixar levar, apreciar até mesmo o chiado que a agulha faz quando encontra uma poeira em seu caminho. É esse tipo de pequenez que acelera o coração dos colecionadores, e certamente é ele também o responsável por esse amor não ter morrido totalmente e se perdido na história.


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