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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Nathália Giordano



Pedagogia Waldorf: a arte pode ser a solução
A metodologia alternativa ameniza alguns problemas da falta de humanização que 
vivemos




Já imaginou uma escola sem provas? Aprender gastronomia e astrologia no fundamental? E ainda construir a maquete de uma casa aos oito anos? Apresentada pela UNESCO como a solução para o mundo, capaz de responder aos desafios educacionais, a pedagogia Waldorf criada por Rudolf Steiner em 1919 têm como principais características o embasamento na concepção de desenvolvimento do ser humano, as características das crianças são consideradas e não há nenhum modo de pressão. Os alunos não são sobrecarregados, mas desafiados.
Afastadas das áreas centrais da cidade de São Paulo, com cheiro de casa de avó e quintal para brincar, as escolas Waldorf fazem do mundo um lugar melhor para se viver. As crianças são envolvidas por afeto dos professores que ficam em média oito anos com a mesma classe e por isso aprendem lidar com as dificuldades individuais dos alunos, passam a conhecê-los o suficiente para poder escolher a melhor maneira de ensinar a matéria para cada um.
O universo educacional da pedagogia Waldorf é baseado na curiosidade das crianças, elas sentem vontade em estudar e tem sede para descobrir coisas novas. Cada aspecto do currículo, apresentado em cada ano escolar, é trazido com base no conhecimento de como a vida interior da criança está se desdobrando naquele momento. Carolina Neumann, professora da Waldorf, explica que no terceiro ano os alunos constroem uma casa. E existe todo um significado atrás desse projeto, nessa fase as crianças se sentem inseguras, tendem a perguntar se são adotadas e têm medo de se perderem dos pais. A construção de uma casa pode trazer segurança e confortá-las de algum modo.
Todas as fases da criança foram estudadas e cada ano a matéria varia de acordo com o que o interior da criança sente e precisa. A infância precisa de imaginação, como Zezé do clássico “Meu Pé de Laranja Lima”, não precisava de internet, ele tinha uma árvore incrível que brincava com ele o tempo todo. As estórias que o menino peralta criava não eram compreendidas e ele apanhava por viver fazendo bagunça, mas na verdade ele só estava exercendo o papel da criança: criar, rir e brincar. É esse o estímulo da pedagogia Waldorf, o método incentiva por meio de contos, lendas e mitos exatamente o que a infância pede: imaginação, fantasias. Por isso, não cabe exigir de uma criança o pensamento abstrato, intelectual nessa fase. O saber rigorosamente científico só é solicitado do Ensino Médio (colegial).
E na hora do vestibular?
Na teoria tudo parece maravilhoso, mas algumas dúvidas surgem a respeito da entrada dos ex alunos Waldorf no “mundo real”. Como eles lidam com a pressão do mercado de trabalho? Será que não prejudicados na hora do vestibular e passados para trás na disputa pelas vagas das melhores universidades do país? E ainda, se a pedagogia Waldorf preza por um enorme contato com a arte, os alunos não são, de alguma forma, influenciados a seguir por uma carreira artística ou humana?
Ingra Ribeiro Garcia, de 19 anos, é ex aluna da Escolas Waldorf Francisco de Assis e do Colégio Waldorf Micael de São Paulo. Além de não se sentir prejudicada no vestibular, Ingra comenta que um bom estudante nas escolas Waldorf consegue ingressar em boas faculdades no curso que escolher. “Em longo prazo, a metodologia Waldorf ajuda a desenvolver uma maneira de pensar diferente, isso nos ajuda a lidar com situações de maneira diferente dos demais, estimula a criatividade”. A estudante de culinária ainda afirma: “A Waldorf pode ter me influenciado na escolha do curso, tive muitas vivências com culinária no decorrer dos anos.”
Wanda Ribeiro (socióloga) e Juan Pablo de Jesus Pereira (engenheiro civil e empresário) desenvolveram uma pesquisa que investiga e relata a trajetória de vida de ex-alunos Waldorf. Foram entrevistados 135 pessoas e a conclusão desvenda sete mitos que envolvem a pedagogia Waldorf:
1.    “Os ex-alunos têm muita dificuldade em passar no vestibular”, 100% dos que prestaram vestibular passaram, sendo 91% na primeira tentativa.
2.    Só passam em vestibular de faculdades de segunda expressão” 68% entraram em faculdades de primeira expressão (segundo classificação do "Provão" do MEC).
3.    Não têm capacidade para cursar uma faculdade, 92% completaram com êxito o ensino superior.
4.    A Pedagogia Waldorf só forma artistas” , Apenas 12% formaram-se em carreiras artísticas.
5.    A Pedagogia Waldorf não prepara para o mercado de trabalho, 99% estão atuando no mercado de trabalho.
6.    A Pedagogia Waldorf não prepara para o mundo da competição profissional, 84% não se sentiram prejudicados.
7.    A Pedagogia Waldorf é de doutrinação religiosa, 100% não perceberam nenhum tipo de doutrinação religiosa.
A pesquisa, portanto, esclarece que essa metologia alternativa não fica para trás na corrida em busca das melhores universidades e em longo prazo parece cumprir o prometido. Mariana Severo Bonetti, também de 19 anos, ex aluna da Escola Waldorf Francisco de Assis, acredita que a experiência nessa escola trouxe auteridade em sua vida. Palavra que define o “olhar o outro com os olhos do outro. Desejo de se aproximar do outro, tentando sentir como este sente. Quebra de preconceito”. Mariana cursa administração na faculdade Inper – Instituto de Ensino e Pesquisa – uma das mais reconhecidas do país nesse curso. Mariana não acha que foi lesada quando prestou vestibular e acredita que com cursinho um aluno Waldorf tem sustância para passar em qualquer universidade.  
Layssa comenta que a preocupação com o vestibular foi muito discutida no nono ano, tanto entre os alunos quanto entre os pais. Por não ter prestado vestibular para faculdades federais, a estudante sentiu dificuldade na avaliação do tema: “De forma geral, não acredito que escolas Waldorf deixem a desejar em conteúdo de forma a prejudicar alguém no vestibular e mesmo que deixe, seria uma defasagem fácil de resolver com cursos preparatórios que tem essa finalidade, já o desenvolvimento pessoal adquirido em ano dentro dessa pedagogia não se adquire tão facilmente assim de outras formas.”
Por que Waldorf?
A abordagem é artística, mas não deixa de ser rigorosa. Nas escolas Waldorf não existem comandos: “faça isso”, são apresentados possibilidades a ser seguidas. Nunca é mostrado apenas um ponto de vista. Dessa forma, as crianças se tornam criativas e são incentivadas a pensarem alem do padrão, no futuro poderão criar novas formas, novas possibilidades.
A maior diferença consiste no modo que você enxerga o mundo e as coisas ao seu redor: como resultado de suas ações, e não como algo que simplesmente “nasceu” daquela maneira, você compreende o processo das coisas. Além disso, os alunos ficam muito próximos de seus professores, colegas, pais e pais dos colegas, o que cria um vinculo extremamente forte”, disse Mariana Bonetti.
De toda a experiência, a ex estudante só não gostou da pressão dos amigos e familiares que não confiavam no método da escola e tinham medo de que não a preparassem para a vida. “Hoje percebo que não esqueço das coisas que aprendi na escola, e aprendi de uma maneira muito melhor do que “decorar pra prova”, completou.
Comparando a metodologia alternativa com as tradicionais, Ingra afirma: “A escola Waldorf acompanha o ritmo natural de amadurecimento e aprendizagem do ser humano, possui muitas aulas de artes (pintura, desenho, argila, música, coral ... ), ela procura formar o indivíduo para atuar no mundo, formá-lo enquanto ser humano e não apenas mais um vestibulando”. A estudante elogia a pedagogia por não tê-la forçado a aprender muito conteúdo em curto tempo e sim absorvê-lo aos poucos e também estima o contato com a arte. Em longo prazo, se vê mais humanizada do que as pessoas ao seu redor.
Layssa Pascher, cursa Rádio e TV na faculdade Cásper Líbero e conta que por ter saído de um colégio tradicional, teve dificuldade de se adaptar a metodologia Waldorf no início. Mas comenta que se deu muito bem com a pedagogia ao longo de sua experiência na Waldorf.
A estudante não se arrepende de ter estudado na Waldorf São Paulo e comenta que essa metodologia alternativa vale a pena, hoje preza seus aprendizados artísticos: “Lá eu tive o primeiro contato de verdade com meu lado artístico e desenvolvi muitas habilidades que nem sabia que tinha. Acho que esses três anos que estudei em escola waldorf foram muito refletiram muito na pessoa que eu me tornei, mesmo tendo passado pouco tempo lá”.
As crianças se sentem em casa, as escolas Waldorf são aconchegantes e fazem do momento de aprendizado uma brincadeira gostosa. Na Waldorf São Paulo, fisicamente a escola é pequena, mas atende a todas às necessidades. Tem quadra, biblioteca, salão, cantina, sala de marcenaria e laboratórios. Layssa adorou a experiência: “O que eu mais gostei de lá foi ter entrado em contato com um mundo que até então eu não conhecia, tanto através das aulas de música, dança, artes manuais e desenho, quanto pela ênfase que tinham as matérias tradicionais, também lecionadas de forma diferente em comparação aos outros colégios onde eu havia estudado”, afirmou.

Além de todas essas características, a metologia de Steiner avalia cada aluno particularmente. Layssa conta que recebia, no fim de cada ano, um texto da professora que acompanhava a classe sobre o seu desempenho, pontos bons e pontos a melhorar, características pessoais. A avaliação comparava o aluno a ele mesmo, estimulando-o a crescer e ser a melhor versão de si mesmo.

E no futuro?
Ouvimos muito a pergunta “que esporte você pratica?”, mas raramente as pessoas perguntam qual é nosso hobby artístico. São tantas coisas para estudar e se profissionalizar para o mercado de trabalho que, atualmente, as pessoas não sabem mais pregar um botão em uma camisa. Nos ônibus e metro, um empurra-empurra. Nas placas escrito: “Dê passagem para as pessoas saírem do metro”. Para atravessar a rua na faixa de pedestre ficamos aflitos, os carros não nos dão passagem. Criar objetos de madeira parece impossível. As compras não têm mais fim, estragou jogamos fora, nossas habilidades artísticas estão escondidas. Uma calça de marca vale mais, mesmo sendo de um tecido igual às outras.
Não que seja definitivo, mas certamente ex alunos da pedagogia Waldorf tendem a ser mais humanizados. Aprendem o valor da vida e passam anos cercados em uma política afetiva. Desenvolvem o amor pelo outro e sabem compreendê-lo. Aprendem tricô, crochê e muito mais. Para que jogar fora se posso consertar? Criam objetos de sua necessidade, sabem cozinhar e explicar muitas constelações estrelar.
A arte pode ser a solução. Desde o nosso nascimento, buscamos o sentido da vida, essa procura permitiu ao homem que transgredisse de sua condição animal e instintiva. A arte foi a ferramenta que auxiliou essa transformação. Somos um ser dual, só a comida não nos basta, precisamos consumir cultura.
Um hobby artístico pode resolver muitos anseios e crise da humanidade. Síndrome do pânico, distúrbios de alimentação, falta de atenção...  Muitos de nossos problemas se dão pela falta de conexão com nossa própria mente.
Na origem da humanidade, a arte foi confundida com o conceito de Deus. Ambos traziam a compreensão do próprio ser e do universo. O medo de não saber os motivos de nossa existência – quem somos? Para onde vamos? – é amenizado com a arte.

Mesmo que seja necessário um cursinho para conseguir ingressar em uma faculdade pública de medicina, a experiência nas escolas Waldorf vale a pena. De que adianta saber de cor a tabela periódica e não conhecer suas habilidades artísticas? Passar direto do colegial na melhor universidade do país e passar a vida com distúrbio de alimentação? E ainda saber tantos conhecimentos científicos e não saber respeitar o outro?

São as pessoas que fazem o mundo ser como ele é, se elas forem mais humanizadas e souberem compreender a situação do outro, realmente o mundo se tornará um lugar melhor para se viver.

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