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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Jéssica Tabuti



Da cidade ou na cidade?
Parte das calçadas e ruas de São Paulo, os vendedores ambulantes estão, ao mesmo tempo, excluídos da sociedade





Eles estão nas principais ruas de São Paulo. Podem ser encontrados em praças ou próximos a grandes estabelecimentos. Eles vendem doces, filmes, bijuterias, artesanato e até tricô. Seu trabalho é sob uma barraca, mas, às vezes, nem isso. São de todos os cantos do Brasil, alguns de fora. Quem são eles? Eles são os vendedores ambulantes.
Tão próximos da correria do dia a dia, eles assistem milhares de pessoas passarem diante de seus comércios, despercebidas de que, por trás daquela coleção de DVDs ou daquele conjunto de cachecol, há um relato diferente, uma história, que parece estática dentro de uma sociedade cada vez mais acelerada. A experiência de cada um mostra que, na verdade, todos chegaram pelo mesmo motivo: uma vida melhor.
Conhecida como parte de uma arquitetura clássica que domina o centro da cidade, a Praça da República permite que o seu espaço arborizado seja ocupado por dezenas de barracas formando uma feira de artesanato, que acontece todos os finais de semana. A loucura dominante durante a semana é substituída por uma vontade de aproveitar o tempo nos únicos dois dias livres.
Foi em um domingo que Luiza Novaes dos Santos resolveu contar sobre como foi parar no mundo da venda ambulante. Com a atenção constante de quem já está no ramo há muito tempo, Luiza revelou que foi através do marido que começou a vender artesanatos. “Na real, eu era dama de companhia em Porto Alegre, sou gaúcha. Quando eu conheci esse rapaz, que é meu marido hoje, ele trabalhava com artesanato”. Na época, o marido ganhava em apenas uma semana o que Luiza ganhava em um mês, então ela decidiu mudar de profissão.
A barraca repleta de colares de coquinhos, pulseiras, brincos e anéis não esconde a vitalidade da senhora de 60 anos, que se mudou para São Paulo, pois o marido passou a vender seus artesanatos para japoneses e chineses na cidade. E para quem acha que o trabalho dela é apenas durante o final de semana, se engana. Luiza trabalha todos os dias. “A gente tem que ficar em casa para preparar o material e trazer, porque não daria tempo se a gente trabalhasse todos os dias”, afirma a gaúcha.
Há mais de 28 anos na Praça da República, Luiza lamenta a queda das vendas depois que os japoneses e chineses copiaram o artesanato e começaram a vender mais barato, prejudicando o seu comércio. “A gente (Luiza e seu marido) estava querendo parar e abrir uma lojinha, mas não aqui em São Paulo. Queremos voltar para Porto Alegre, porque lá, pelo menos, não pagamos aluguel”.
Não muito distante de Luiza estava um casal, Kumbuyoshi e Mihashi, vendendo imãs e colares com símbolos japoneses há 29 anos na Praça. Mesmo desde 1961 no Brasil, eles mostraram que a cultura oriental ainda é muito forte no seu dia a dia, enquanto falavam uma ou outra palavra em japonês durante a entrevista. Quando perguntado o motivo pelo qual vieram ao Brasil, Kumbuyoshi, de 74 anos, pensa, hesita, conversa em japonês com Mihashi, procura na memória o porquê atravessaram o mundo. Foi para vender artesanato? Não lembra. Assim como Luiza, o casal trabalha durante os dias da semana, confeccionando seus produtos para vendê-los na feira. “Feito à mão, tem que trabalhar em casa, não dá para fazer outro trabalho”, afirma Kumbuyoshi.

Na legalidade:
A feira que ocorre nos finais de semana, na Praça da República, tem permissão da prefeitura, ou seja, todas as barracas precisam pagar uma taxa anual para terem a licença concedida e poderem vender seus artesanatos no local. “Aqui, é uma vez por ano que a gente paga o imposto, porque nós somos credenciados na prefeitura. Nossa credencial está lá, então não temos problema com polícia”, conta Luiza.

Na ilegalidade:
Infelizmente, o comércio popular não está legalizado para todos. Pelo contrário, a maioria dos vendedores ambulantes não tem licença e, por estarem vendendo produtos ilegalmente, possuem muitos problemas com a polícia, como acontece ao redor do Shopping Eldorado. Desde a estação de trem Hebraica-Rebouças até o ponto de ônibus na Rua Eusébio Matoso, as calçadas lembram os corredores do shopping, cheios de lojas, porém ao ar livre e com produtos um pouco menos luxuosos.
Há 12 anos vendendo fones de ouvido e outros produtos eletrônicos na passarela em frente ao Eldorado, Evangelista Batista de Andrade se desdobra todos os dias para despistar a polícia, alternando entre a estação de trem e a passarela. “Eles costumam chegar às 9h da manhã e vão embora às 12h, aí a gente chega aqui (passarela). Às 15h tem outro plantão e nós vamos para a estação, aí eles ficam das 15h até às 20h”. Everson Gonçalves da Silva, que vende doces e salgados, preferiu não comentar muito sobre suas experiências, mas afirmou que a polícia está sempre lá e apreendem qualquer tipo de mercadoria.
Apesar de venderem sem licença, eles não veem o seu trabalho como ilegal e afirmam que é “melhor do que fazer coisa errada por aí”. Por isso, não entendem o tratamento que recebem da polícia e se revoltam com o abuso de poder que alguns usam para repreendê-los. “Eles correm atrás de nós e metem a arma na sua cabeça, chamam você de vagabundo”, conta Evangelista, que já jogou seus produtos em um arbusto abaixo da passarela e se escondeu dentro do elevador para evitar ser pego.
Segundo o vendedor, a fiscalização se intensificou na época do Kassab com a Operação Delegada, quando a Polícia Militar passou a exercer essa função há, mais ou menos, 4 anos. Em tom de denúncia, o vendedor reflete. “A rotina deles era trabalhar com bandido, então eles pensam que nós também somos”. Tanto Evangelista quanto Everson admitiram que, depois do Haddad, a fiscalização diminuiu, mas não estão satisfeitos, pois o prefeito havia prometido que "ia correr atrás dos bandidos, e não dos trabalhadores".
Quando perguntados se pensam em mudar de ramo, os vendedores responderam que a única alternativa é "voltar para a terrinha", Paraíba para Evangelista e Bahia para Everson. "Pensei que ia parar, mas não parei. É uma luta. A gente sai de lá para tentar algo melhor, mas chega aqui e não consegue nada bom". Evangelista reconhece que a falta de estudo impede que ele arranje um emprego. Mesmo assim, ele prefere enfrentar a correria de São Paulo do que a seca do Nordeste. Trabalhando de domingo a domingo na cidade, o vendedor ainda consegue sustentar a família de 2 filhos e esposa, e revela que de final de semana não há fiscalização, porém a venda é menor.

Eles vêm de todos os países:
Do outro lado da passarela, quase em frente a Evangelista e Everson, estava André, vendendo relógios, colares e pulseiras douradas. Seus traços africanos são fáceis de perceber e a sua dificuldade em falar português logo o denuncia. Ele veio do Senegal para conhecer o Brasil e aproveitar para trabalhar também. Isso já faz 1 ano e, por não conseguir nenhum trabalho, André começou a vender produtos ilegalmente. A vontade de conhecer outros países superou a saudade de deixar a família. Ele pensa em voltar para casa no fim do ano, mas logo quer viajar para outros países.
Enquanto isso, um pouco depois da estação de trem, uma esteira repleta de cachecóis, gorros e luvas, todos feitos à mão, é o sustento de Elisa, de 20 anos. Há 1 ano, veio do Equador ao Brasil visitar as irmãs e acabou ficando. Não costuma trabalhar todos os dias e diz que nunca teve problemas com polícia, mas, “quando eles estão olhando, tem que sair”. A equatoriana revela que não pretende ficar no Brasil por muito tempo. “Eu só vou ficar, mais ou menos, esse ano aqui e depois vou voltar para o meu país”.
Tão integrados na cidade quanto qualquer outro comércio, as pessoas não percebem que, na verdade, os vendedores ambulantes são partes excluídas da cidade. Não querem estar ali, muitos estão por falta de opção, outros vieram de fora ou estão apenas de passagem. Em todos os casos, há uma coisa em comum: histórias que fazem cada um se tornarem único.


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