Da cidade ou na cidade?
Parte das calçadas e ruas de São Paulo, os vendedores ambulantes estão,
ao mesmo tempo, excluídos da sociedade
Eles estão nas principais ruas de São Paulo. Podem ser
encontrados em praças ou próximos a grandes estabelecimentos. Eles vendem
doces, filmes, bijuterias, artesanato e até tricô. Seu trabalho é sob uma
barraca, mas, às vezes, nem isso. São de todos os cantos do Brasil, alguns de
fora. Quem são eles? Eles são os vendedores ambulantes.
Tão próximos da correria do dia a dia, eles assistem milhares
de pessoas passarem diante de seus comércios, despercebidas de que, por trás
daquela coleção de DVDs ou daquele conjunto de cachecol, há um relato diferente,
uma história, que parece estática dentro de uma sociedade cada vez mais
acelerada. A experiência de cada um mostra que, na verdade, todos chegaram pelo
mesmo motivo: uma vida melhor.
Conhecida como parte de uma arquitetura clássica que domina o
centro da cidade, a Praça da República permite que o seu espaço arborizado seja
ocupado por dezenas de barracas formando uma feira de artesanato, que acontece
todos os finais de semana. A loucura dominante durante a semana é substituída
por uma vontade de aproveitar o tempo nos únicos dois dias livres.
Foi em um domingo que Luiza Novaes dos Santos resolveu contar
sobre como foi parar no mundo da venda ambulante. Com a atenção constante de
quem já está no ramo há muito tempo, Luiza revelou que foi através do marido
que começou a vender artesanatos. “Na real, eu era dama de companhia em Porto
Alegre, sou gaúcha. Quando eu conheci esse rapaz, que é meu marido hoje, ele
trabalhava com artesanato”. Na época, o marido ganhava em apenas uma semana o
que Luiza ganhava em um mês, então ela decidiu mudar de profissão.
A barraca repleta de colares de coquinhos, pulseiras, brincos
e anéis não esconde a vitalidade da senhora de 60 anos, que se mudou para São
Paulo, pois o marido passou a vender seus artesanatos para japoneses e chineses
na cidade. E para quem acha que o trabalho dela é apenas durante o final de semana,
se engana. Luiza trabalha todos os dias. “A gente tem que ficar em casa para
preparar o material e trazer, porque não daria tempo se a gente trabalhasse
todos os dias”, afirma a gaúcha.
Há mais de 28 anos na Praça da República, Luiza lamenta a
queda das vendas depois que os japoneses e chineses copiaram o artesanato e
começaram a vender mais barato, prejudicando o seu comércio. “A gente (Luiza e
seu marido) estava querendo parar e abrir uma lojinha, mas não aqui em São
Paulo. Queremos voltar para Porto Alegre, porque lá, pelo menos, não pagamos
aluguel”.
Não muito distante de Luiza estava um casal, Kumbuyoshi e
Mihashi, vendendo imãs e colares com símbolos japoneses há 29 anos na Praça.
Mesmo desde 1961 no Brasil, eles mostraram que a cultura oriental ainda é muito
forte no seu dia a dia, enquanto falavam uma ou outra palavra em japonês durante
a entrevista. Quando perguntado o motivo pelo qual vieram ao Brasil,
Kumbuyoshi, de 74 anos, pensa, hesita, conversa em japonês com Mihashi, procura
na memória o porquê atravessaram o mundo. Foi para vender artesanato? Não
lembra. Assim como Luiza, o casal trabalha durante os dias da semana,
confeccionando seus produtos para vendê-los na feira. “Feito à mão, tem que
trabalhar em casa, não dá para fazer outro trabalho”, afirma Kumbuyoshi.
Na legalidade:
A feira que ocorre nos finais de semana, na Praça da República,
tem permissão da prefeitura, ou seja, todas as barracas precisam pagar uma taxa
anual para terem a licença concedida e poderem vender seus artesanatos no
local. “Aqui, é uma vez por ano que a gente paga o imposto, porque nós somos
credenciados na prefeitura. Nossa credencial está lá, então não temos problema
com polícia”, conta Luiza.
Na ilegalidade:
Infelizmente, o comércio popular não está legalizado para
todos. Pelo contrário, a maioria dos vendedores ambulantes não tem licença e,
por estarem vendendo produtos ilegalmente, possuem muitos problemas com a
polícia, como acontece ao redor do Shopping Eldorado. Desde a estação de trem
Hebraica-Rebouças até o ponto de ônibus na Rua Eusébio Matoso, as calçadas
lembram os corredores do shopping, cheios de lojas, porém ao ar livre e com
produtos um pouco menos luxuosos.
Há 12 anos vendendo fones de ouvido e outros produtos
eletrônicos na passarela em frente ao Eldorado, Evangelista Batista de Andrade
se desdobra todos os dias para despistar a polícia, alternando entre a estação
de trem e a passarela. “Eles costumam chegar às 9h da manhã e vão embora às
12h, aí a gente chega aqui (passarela). Às 15h tem outro plantão e nós vamos
para a estação, aí eles ficam das 15h até às 20h”. Everson Gonçalves da Silva,
que vende doces e salgados, preferiu não comentar muito sobre suas
experiências, mas afirmou que a polícia está sempre lá e apreendem qualquer
tipo de mercadoria.
Apesar de venderem sem licença, eles não veem o seu trabalho
como ilegal e afirmam que é “melhor do que fazer coisa errada por aí”. Por
isso, não entendem o tratamento que recebem da polícia e se revoltam com o
abuso de poder que alguns usam para repreendê-los. “Eles correm atrás de nós e
metem a arma na sua cabeça, chamam você de vagabundo”, conta Evangelista, que
já jogou seus produtos em um arbusto abaixo da passarela e se escondeu dentro
do elevador para evitar ser pego.
Segundo o vendedor, a fiscalização se intensificou na época
do Kassab com a Operação Delegada, quando a Polícia Militar passou a exercer
essa função há, mais ou menos, 4 anos. Em tom de denúncia, o vendedor reflete. “A
rotina deles era trabalhar com bandido, então eles pensam que nós também
somos”. Tanto Evangelista quanto Everson admitiram que, depois do Haddad, a
fiscalização diminuiu, mas não estão satisfeitos, pois o prefeito havia
prometido que "ia correr atrás dos bandidos, e não dos
trabalhadores".
Quando perguntados se pensam em mudar de ramo, os vendedores responderam
que a única alternativa é "voltar para a terrinha", Paraíba para
Evangelista e Bahia para Everson. "Pensei que ia parar, mas não parei. É
uma luta. A gente sai de lá para tentar algo melhor, mas chega aqui e não
consegue nada bom". Evangelista reconhece que a falta de estudo impede que
ele arranje um emprego. Mesmo assim, ele prefere enfrentar a correria de São
Paulo do que a seca do Nordeste. Trabalhando de domingo a domingo na cidade, o
vendedor ainda consegue sustentar a família de 2 filhos e esposa, e revela que
de final de semana não há fiscalização, porém a venda é menor.
Eles vêm de todos os
países:
Do outro lado da passarela, quase em frente a Evangelista e
Everson, estava André, vendendo relógios, colares e pulseiras douradas. Seus
traços africanos são fáceis de perceber e a sua dificuldade em falar português
logo o denuncia. Ele veio do Senegal para conhecer o Brasil e aproveitar para
trabalhar também. Isso já faz 1 ano e, por não conseguir nenhum trabalho, André
começou a vender produtos ilegalmente. A vontade de conhecer outros países
superou a saudade de deixar a família. Ele pensa em voltar para casa no fim do
ano, mas logo quer viajar para outros países.
Enquanto isso, um pouco depois da estação de trem, uma
esteira repleta de cachecóis, gorros e luvas, todos feitos à mão, é o sustento
de Elisa, de 20 anos. Há 1 ano, veio do Equador ao Brasil visitar as irmãs e
acabou ficando. Não costuma trabalhar todos os dias e diz que nunca teve
problemas com polícia, mas, “quando eles estão olhando, tem que sair”. A
equatoriana revela que não pretende ficar no Brasil por muito tempo. “Eu só vou
ficar, mais ou menos, esse ano aqui e depois vou voltar para o meu país”.
Tão integrados na cidade quanto qualquer outro comércio, as
pessoas não percebem que, na verdade, os vendedores ambulantes são partes
excluídas da cidade. Não querem estar ali, muitos estão por falta de opção,
outros vieram de fora ou estão apenas de passagem. Em todos os casos, há uma
coisa em comum: histórias que fazem cada um se tornarem único.
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