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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Júlia Faria


BANCANDO A PAULISTA
A aparente contradição existente na Avenida Paulista pode ser encontrada a cada 100 m, o grande número de bancas de jornal em meio a um ambiente que se pretende moderno. Tudo pode ser resolvido com um toque pessoal e sociológico.


A Avenida Paulista tem aproximadamente 2,8 km de extensão, nos quais existem 27 bancas de jornal, ou seja, aproximadamente uma banca a cada 100m. Quando as pessoas se dão conta desse fenômeno, logo são levadas a pensar que é uma grande contradição: a Paulista é vista com símbolo de modernização, inovação e novidade, já o jornal impresso é um símbolo quase arcaico, e muitos acreditam que está fadado ao desaparecimento, então como todas essas bancas sobrevivem na região? Mas um olhar mais atento pode negar essa contradição.
PAULISTA x BAIRRO
As diferenças entre as bancas da Avenida Paulista e as bancas de bairro são gritantes. As da Paulista são praticamente lojas de conveniência, além de títulos e publicações importadas que só são encontradas na região, são vendidos doces, cigarros, óculos de grau, chaveiros, isqueiros, pacotes promocionais, livros de bolso, Cds e Dvds. As bancas de bairro ficam mais restritas aos jornais e revistas convencionais.
Essa característica comercial explica em parte a permanência das bancas da Paulista, algumas vendem mais cigarros do que jornais por dia. Pedro, de 17 anos, trabalha na banca Trianon MASP aos domingos e afirma que a maioria das pessoas compra balas, maços de cigarros e aproveitam para colocar crédito no celular e carregar o Bilhete Único. Além de ser quase uma loja de conveniência, a banca agora também presta serviços. “É muito mais fácil para quem tá com pressa para o trabalho, passar aqui e carregar o bilhete ao invés de enfrentar as filas da lotérica” explica Pedro.
As bancas de bairro ficam à mercê de uma clientela muito restrita e específica, os vizinhos. A partir do momento em que todos os moradores da região adotarem os sites de notícia, a venda de jornais ficará inexpressiva e essas bancas terão que se adaptar. Já os jornaleiros da Paulista têm a vantagem de atender um público muito variado, diariamente circulam 1,5 milhão de pessoas na avenida que eventualmente precisam de alguma coisa da banca, é um público quase infinito.
A tendência das bancas de bairro é se adaptar à nova sociedade, assim como as da Avenida Paulista, mas há um fator limitante: o espaço. Na Paulista, o tamanho máximo permitido das bancas é de 30m, suficiente para acomodar as mais diversas mercadorias. As calçadas dos bairros não comportam bancas tão grandes, e por conseqüência possuem menos produtos.
REFORMA NA BANCA
Há vinte anos trabalhando na banca Bruno (em frente ao número 2202), Valdecir Fernandes concluiu que as mudanças ocorridas nas bancas da Avenida Paulista nos últimos anos aconteceram principalmente por dois motivos. O grande número de turistas na região levou a uma reforma nas bancas no sentido de dar mais conforto para os clientes e turistas, “A Avenida Paulista é um cartão postal de São Paulo, por isso precisamos ter uma banca bonita”, avaliou Valdecir. O tamanho da banca possibilita uma maior variedade de produtos. A Internet é a outra responsável pelas mudanças, devido aos sites de notícias a vendagem de jornais e revistas caiu muito nos últimos dez anos. Para não perder espaço e não ter prejuízos, os produtos da banca tiveram que passar por reformulações, ao invés de vender apenas as publicações comuns, os donos de bancas tiveram que correr atrás de títulos internacionais, produtos promocionais, livros e todos os produtos que podemos encontrar nas bancas hoje.
Zilda, que trabalha na banca Milênio há dois anos já percebeu que o que mais atrai os clientes são as promoções de alguns jornais e revistas, como coleções de música, bonecas de porcelana e relógios antigos. São estratégias das publicações que acabam beneficiando as bancas também. Os horários de pico de movimento durante a semana são os horários de almoço, por volta das 12h30 e da saída dos escritórios, das 18h30 às 20h, Zilda calcula que nesses horários, passem mais de 200 pessoas na banca.
Durante os finais de semana, os jovens ainda são um público bem presente nas bancas. Segundo Pedro, a maioria deles compra cigarros e doces, mas alguns ainda vão atrás de revistas, principalmente revistas de moda e cultura. “Essa CULT não sai tanto, mas a Bravo vende muito. Geralmente é um pessoal meio alternativo que vem comprar, acho que é vintage”.
Por mais que pareça, as bancas da Paulista não são padronizadas e não há nenhum acordo entre elas. A distância mínima entre as bancas é de 50m, isso explica a incrível proximidade. Em alguns casos, basta atravessar a rua para passar de uma banca à outra. Essa proximidade estimula a concorrência e faz os jornaleiros buscarem artifícios que os diferencie, como por exemplo, a banca Milênio que vende livros de coleções antigas e até raridades. Para esse propósito, é preciso até resignificar o espaço da banca, Valdecir conta que a banca Bruno e outras da mesma região da Paulista abrem espaço para “lançamentos” de revistas masculinas, nos quais as mulheres que posaram nuas dão autógrafos e conversam com seus fãs.
Ô JORNALEIRO!
A Paulista, apesar de movimentada e corrida durante a semana, se transforma aos domingos. Vira uma grande praça, onde se concentram ciclistas, turistas, skatistas, grupos de música de rua, e famílias. É nesse dia atípico que as bancas da avenida passam a se parecer com as bancas de bairro. 
As entrevistas feitas aos domingos tiveram uma dinâmica totalmente diferente. Os jornaleiros não eram interrompidos por executivos com pressa, que queriam pagar seu cigarro logo, mas sim por velhos amigos que queriam apenas conversar e criancinhas querendo saber o preço do gibi. “Ô tio, esse novo da Mônica tá quanto?”, Sofia de cinco anos perguntou a seu Valdecir enquanto tentava se equilibrar em seus patins rosa. Paulo, o pai de Sofia, conta que faz parte da rotina dominical sair para andar de patins e passar na “banca do tio” para comprar histórias em quadrinhos.
Em quase todas as bancas foi assim, de certa forma a banca ainda é um lugar tradicional, que se revela completamente diferente no horário comercial. As entrevistas feitas nesse horário foram transpostas para caminhos diferentes. Fábio, gerente executivo de uma empresa na avenida, se interessou pelo o que estava perguntando ao Valdecir, enquanto este cobrava seu chocolate. Formado em comunicação, logo quis entrar na conversa e afirmou: “Se as bancas saírem da Paulista, ela para”. Explicou que as bancas são serviços essenciais para região e para as milhares de pessoas que nela circulam diariamente.
SOCIOLOGIA DE BANCA
Analisando sob uma ótica sociológica a possível contradição da existência das bancas na Avenida Paulista, percebemos que ela não é legítima. Hebert Blumer, sociólogo americano do século XX, aborda em suas obras o fenômeno do Interacionismo Simbólico. Em linhas gerais, ele afirma que o significado é produzido a partir de processos de interação humana, são produtos sociais. Assim, o objeto pode possuir diferentes significados de acordo com as criações sociais e interações humanas que o cercam, ele não possui um status fixo, é passível de mudanças.
Considerando a banca como esse objeto em constante transformação acompanhando a sociedade, percebemos que seu papel social se ajusta às novas condições e essa “elasticidade” permite que seu papel nunca acabe. As bancas já se adaptaram ao crescimento editorial, às publicações especializadas e agora, por que não à internet?
ADEUS BANCA?
A Paulista não está pronta para abandonar as bancas de jornal. Enquanto ainda houver famílias, Sofias, Paulos e Valdecirs para manter a tradição de ir à banca. Enquanto ainda houver Pedros, para assegurar a presença dos jovens nesse espaço. Enquanto ainda houver trabalhadores interessados em carregar o Bilhete Único sem enfrentar filas. Enquanto houver cigarros, doces e Cds para suprir a baixa vendagem dos jornais. Enquanto houver pessoas dispostas a resignificar as bancas e reiterar seu papel social, não haverá espaço para adeus, só para: “Olá! Como você mudou!”. 

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