BANCANDO A PAULISTA
A aparente
contradição existente na Avenida Paulista pode ser encontrada a cada 100 m, o
grande número de bancas de jornal em meio a um ambiente que se pretende
moderno. Tudo pode ser resolvido com um toque pessoal e sociológico.
A Avenida
Paulista tem aproximadamente 2,8 km de extensão, nos quais existem 27 bancas de
jornal, ou seja, aproximadamente uma banca a cada 100m. Quando as pessoas se
dão conta desse fenômeno, logo são levadas a pensar que é uma grande
contradição: a Paulista é vista com símbolo de modernização, inovação e
novidade, já o jornal impresso é um símbolo quase arcaico, e muitos acreditam
que está fadado ao desaparecimento, então como todas essas bancas sobrevivem na
região? Mas um olhar mais atento pode negar essa contradição.
PAULISTA x BAIRRO
As diferenças
entre as bancas da Avenida Paulista e as bancas de bairro são gritantes. As da
Paulista são praticamente lojas de conveniência, além de títulos e publicações
importadas que só são encontradas na região, são vendidos doces, cigarros,
óculos de grau, chaveiros, isqueiros, pacotes promocionais, livros de bolso,
Cds e Dvds. As bancas de bairro ficam mais restritas aos jornais e revistas
convencionais.
Essa característica
comercial explica em parte a permanência das bancas da Paulista, algumas vendem
mais cigarros do que jornais por dia. Pedro, de 17 anos, trabalha na banca
Trianon MASP aos domingos e afirma que a maioria das pessoas compra balas,
maços de cigarros e aproveitam para colocar crédito no celular e carregar o
Bilhete Único. Além de ser quase uma loja de conveniência, a banca agora também
presta serviços. “É muito mais fácil para quem tá com pressa para o trabalho,
passar aqui e carregar o bilhete ao invés de enfrentar as filas da lotérica”
explica Pedro.
As bancas de
bairro ficam à mercê de uma clientela muito restrita e específica, os vizinhos.
A partir do momento em que todos os moradores da região adotarem os sites de
notícia, a venda de jornais ficará inexpressiva e essas bancas terão que se
adaptar. Já os jornaleiros da Paulista têm a vantagem de atender um público
muito variado, diariamente circulam 1,5 milhão de pessoas na avenida que
eventualmente precisam de alguma coisa da banca, é um público quase infinito.
A tendência
das bancas de bairro é se adaptar à nova sociedade, assim como as da Avenida
Paulista, mas há um fator limitante: o espaço. Na Paulista, o tamanho máximo
permitido das bancas é de 30m, suficiente para acomodar as mais diversas
mercadorias. As calçadas dos bairros não comportam bancas tão grandes, e por
conseqüência possuem menos produtos.
REFORMA NA BANCA
Há vinte anos
trabalhando na banca Bruno (em frente ao número 2202), Valdecir Fernandes concluiu
que as mudanças ocorridas nas bancas da Avenida Paulista nos últimos anos
aconteceram principalmente por dois motivos. O grande número de turistas na
região levou a uma reforma nas bancas no sentido de dar mais conforto para os
clientes e turistas, “A Avenida Paulista é um cartão postal de São Paulo, por
isso precisamos ter uma banca bonita”, avaliou Valdecir. O tamanho da banca
possibilita uma maior variedade de produtos. A Internet é a outra responsável
pelas mudanças, devido aos sites de notícias a vendagem de jornais e revistas
caiu muito nos últimos dez anos. Para não perder espaço e não ter prejuízos, os
produtos da banca tiveram que passar por reformulações, ao invés de vender
apenas as publicações comuns, os donos de bancas tiveram que correr atrás de
títulos internacionais, produtos promocionais, livros e todos os produtos que
podemos encontrar nas bancas hoje.
Zilda, que
trabalha na banca Milênio há dois anos já percebeu que o que mais atrai os
clientes são as promoções de alguns jornais e revistas, como coleções de
música, bonecas de porcelana e relógios antigos. São estratégias das
publicações que acabam beneficiando as bancas também. Os horários de pico de
movimento durante a semana são os horários de almoço, por volta das 12h30 e da
saída dos escritórios, das 18h30 às 20h, Zilda calcula que nesses horários,
passem mais de 200 pessoas na banca.
Durante os
finais de semana, os jovens ainda são um público bem presente nas bancas.
Segundo Pedro, a maioria deles compra cigarros e doces, mas alguns ainda vão
atrás de revistas, principalmente revistas de moda e cultura. “Essa CULT não
sai tanto, mas a Bravo vende muito. Geralmente é um pessoal meio alternativo
que vem comprar, acho que é vintage”.
Por mais que
pareça, as bancas da Paulista não são padronizadas e não há nenhum acordo entre
elas. A distância mínima entre as bancas é de 50m, isso explica a incrível
proximidade. Em alguns casos, basta atravessar a rua para passar de uma banca à
outra. Essa proximidade estimula a concorrência e faz os jornaleiros buscarem
artifícios que os diferencie, como por exemplo, a banca Milênio que vende
livros de coleções antigas e até raridades. Para esse propósito, é preciso até
resignificar o espaço da banca, Valdecir conta que a banca Bruno e outras da
mesma região da Paulista abrem espaço para “lançamentos” de revistas masculinas,
nos quais as mulheres que posaram nuas dão autógrafos e conversam com seus fãs.
Ô JORNALEIRO!
A Paulista,
apesar de movimentada e corrida durante a semana, se transforma aos domingos.
Vira uma grande praça, onde se concentram ciclistas, turistas, skatistas,
grupos de música de rua, e famílias. É nesse dia atípico que as bancas da
avenida passam a se parecer com as bancas de bairro.
As entrevistas
feitas aos domingos tiveram uma dinâmica totalmente diferente. Os jornaleiros
não eram interrompidos por executivos com pressa, que queriam pagar seu cigarro
logo, mas sim por velhos amigos que queriam apenas conversar e criancinhas
querendo saber o preço do gibi. “Ô tio, esse novo da Mônica tá quanto?”, Sofia
de cinco anos perguntou a seu Valdecir enquanto tentava se equilibrar em seus
patins rosa. Paulo, o pai de Sofia, conta que faz parte da rotina dominical
sair para andar de patins e passar na “banca do tio” para comprar histórias em
quadrinhos.
Em quase todas
as bancas foi assim, de certa forma a banca ainda é um lugar tradicional, que
se revela completamente diferente no horário comercial. As entrevistas feitas
nesse horário foram transpostas para caminhos diferentes. Fábio, gerente
executivo de uma empresa na avenida, se interessou pelo o que estava
perguntando ao Valdecir, enquanto este cobrava seu chocolate. Formado em
comunicação, logo quis entrar na conversa e afirmou: “Se as bancas saírem da
Paulista, ela para”. Explicou que as bancas são serviços essenciais para região
e para as milhares de pessoas que nela circulam diariamente.
SOCIOLOGIA DE BANCA
Analisando sob
uma ótica sociológica a possível contradição da existência das bancas na
Avenida Paulista, percebemos que ela não é legítima. Hebert Blumer, sociólogo
americano do século XX, aborda em suas obras o fenômeno do Interacionismo
Simbólico. Em linhas gerais, ele afirma que o significado é produzido a partir
de processos de interação humana, são produtos sociais. Assim, o objeto pode
possuir diferentes significados de acordo com as criações sociais e interações
humanas que o cercam, ele não possui um status fixo, é passível de mudanças.
Considerando a
banca como esse objeto em constante transformação acompanhando a sociedade,
percebemos que seu papel social se ajusta às novas condições e essa
“elasticidade” permite que seu papel nunca acabe. As bancas já se adaptaram ao
crescimento editorial, às publicações especializadas e agora, por que não à
internet?
ADEUS BANCA?
A Paulista não
está pronta para abandonar as bancas de jornal. Enquanto ainda houver famílias,
Sofias, Paulos e Valdecirs para manter a tradição de ir à banca. Enquanto ainda
houver Pedros, para assegurar a presença dos jovens nesse espaço. Enquanto
ainda houver trabalhadores interessados em carregar o Bilhete Único sem
enfrentar filas. Enquanto houver cigarros, doces e Cds para suprir a baixa
vendagem dos jornais. Enquanto houver pessoas dispostas a resignificar as bancas
e reiterar seu papel social, não haverá espaço para adeus, só para: “Olá! Como
você mudou!”.
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