Princesas, príncipes, plebeus e plebeias
Em 2013, o clássico A Princesa e o Plebeu completa 60 anos. A história, porém, não acabou em 1953. Pelo contrário, inspirou histórias reais. Ou será que não?
Nos
anos 50, a Paramont produziu filmes inesquecíveis. Mas foi o filme dirigido por
William Wyler, A Princesa e o Plebeu
que capturou a essência e a magia da época. Essa foi a primeira comédia em 20
anos de carreira do diretor e o primeiro protagonista de Audrey Hepburn, pelo
qual já ganhou o Oscar de Melhor Atriz.
O
roteiro foi escrito por Dalton Trumbo, um famoso roteirista de Hollywood na
época. Nos anos 50, porém, foi acusado de ser comunista pelo Comitê de
Atividades Subversivas e entrou na lista negra da indústria cinematográfica; já
que um roteirista comunista, em pleno contexto de Guerra Fria, seria
prejudicial à publicidade do filme. Assim, apesar de ter trabalhado no
longa-metragem, não pôde ter seu trabalho reconhecido. Por isso, assinou com o
pseudônimo Ian Hunter. O roteirista apenas foi reconhecido por A Princesa e o Plebeu mais de quatro
décadas depois do lançamento, pois o Sindicato dos Escritores decidiu incluir
seu nome nos créditos. “Só descobri muito tempo depois que Trumbo tinha escrito
o roteiro, porque isso era um grande segredo”, admitiu Catherine Wyler, filha
do diretor.
Para
a protagonista masculino, o primeiro convidado foi Cary Grant, que rejeitou o
papel ao perceber que não seria o grande destaque. Então, o personagem foi
oferecido a Gregory Peck, agora responsável por eternizar o plebeu. Enaltecido por
ninguém menos que Andrew Craddock Lyles,
produtor da Paramont, “Ele era uma fortaleza em tudo o que fazia”. Durante seu
discurso no Tributo a Gregory Peck, em 13 de abril de 1992, Audrey Hepburn não
conseguiu conter elogios ao ator: “Não podem imaginar o que significou para
mim, naquela época, uma atriz completamente desconhecida, estrelar em um filme
de Hollywood contracenando com Gregory Peck, o herói lindo, discreto, gentil,
de tantos filmes maravilhosos. Ingenuamente, achei que ele seria exatamente
assim. E ele era.” Mas ela também era bastante considerada pelo produtor da
Paramont. “Ela estava muito acima de nós. Ela era encantadora, maravilhosa. Era
muito prestativa. Não era uma atriz típica de Hollywood. E ela sabia
representar.”
Apesar
dos apesares relacionados ao roteirista, o script, que já era de qualidade
inquestionável, teve a cereja do bolo vinda de fora do set de gravação. Pouco
antes do lançamento do filme, um drama real entre uma princesa e um plebeu
acontecia na Grã Bretanha. A princesa Margaret, irmã de rainha Elizabeth,
namorava Peter Towsend, um plebeu divorciado (o que já era, na época, algo
condenável). Apesar da vontade que Margaret tinha de casar-se com Peter, o
dever com o país foi mais importante, assim como para a personagem de Audrey no
filme.
E,
enquanto o principal assunto doa jornais era se a princesa deveria ou não
terminar o romance com Towsend, o longa-metragem “A Princesa e o Plebeu” era
lançado. Uma felicíssima coincidência para o filme. Em declaração ao especial
de 50 anos do lençamento do clássico longa-metragem dirigido por Wyler, Lyles
chega a anedotizar a enorme coincidência (e sorte) “O romance deles estava em
todas as manchetes. Isso funcionava perfeitamente para a nossa campanha, porque
era disso que o enredo se tratava. Alguém inclusive me acusou de arranjar o
romance real com o plebeu. Mas eu juro que não o fiz”.
Na
época em que cancelou o noivado, pode-se dizer que a declaração da princesa
para a imprensa foi simples e objetiva: “Tomei esta decisão inteiramente
sozinha e, para fazer isso, tenho recebido grande apoio de Peter Towsend”.
Assim como a princesa Ann, interpretada por Audrey Hepburn, que se despede do
provável amor de sua vida em uma das cenas mais românticas da história do
cinema.
Enquanto
a história de amor entre a princesa cinematográfica e o jornalista vivido por
Gregory Peck começa quando ele a tira da rua deixa que durma em sua casa (sem
reconhecer a princesa) após ter tomado uma injeção para dormir antes de fugir
do palácio, o quase conto de fadas da realeza inglesa tem um começo diferente.
Quando um repórter de um jornal de tabloide foi cobrir a coroação da rainha
Elizabeth em 1953, conseguiu ver Margaret tirando uma penugem da jaqueta do
Capitão Peter Towsend, o que foi suficiente para que tivessem início rumores
sobre um possível relacionamento entre os dois. Na verdade, a Princesa e o
Capitão Townsend já tinham planos de se casar, mas a nova rainha pediu-lhes
para que esperassem um ano.
Porém,
como previsto pelo Ato de Casamentos Reais de 1772, previsto pela Constituição
da Inglaterra, para que a princesa pudesse se casar antes do 25 anos, era
necessária a permissão de sua irmã mais velha e, depois disso, da aprovação do
Parlamento. E, apesar de ter completado 25 anos em agosto do de 1955, dois anos
depois do lançamento do filme estrelado por Audrey Hepburn e Gregory Peck, o
Parlamento havia deixado claro à princesa que seu casamento com o militar não
seria autorizado. Dessa forma, ela
passou a ter apenas duas opções: renunciar a todos os seus direitos e
privilégios e se tornar a Sra. Peter Townsend ou desistir de todas as ideias do
casamento.
Escolheu
a segunda, assim como a princesa Ann, que, apesar de também ter optado pelo
dever, o fez em uma versão mais romântica da história, além de que ela nunca
chegou a ter planos de casamento com o jornalista de Gregory Peck. Em uma das
cenas finais do filme, eles se despedem, e ela o proíbe de acompanha-la até a
entrada de casa, pois, caso o fizesse, não conseguiria ir embora. Após passar a
maior parte do filme tentando adquirir de Anya informações que usaria para
redigir um entrevista exclusiva, nos últimos momentos do longa ele percebe que
se apaixonou pela princesa. Ao tentar contar para ela que era um jornalista e a
sua real intenção com ela até aquele momento, ela o impede de fazê-lo. “Não,
por favor. Não diga nada.” Posteriormente, quando ele vai de carro deixa-la em
casa, há a atmosfera pesada de despedida e profunda tristeza por parte de
ambos, seguida pelo pedido de que seu amor não a seguisse ou tentasse fazer com
que ela ficasse. “A gora vou deixa-lo. Vou andar até a esquina. Depois vou
virar. Fique no carro e vá embora. Quero que prometa que não vai olhar depois
que eu virar a esquina. Dirija o carro e deixe-me como eu vou deixa-lo.”
Depois, vem a cena que enriquece as bilheterias e vende todos os ingressos, a
cena pela qual os espectadores aguardam desde o início: a despedida, composta
por um abraço caloroso do casal e um beijo singelo, bonito, feito para
transbordar o amor da cena.
Na
década de 80, foi alvo da mídia internacional o romance entre príncipe Charles e a plebeia Diana. Além da inversão dos
gêneros, esta história teve um final mais feliz, do ponto de vista romântico.
Se casaram em 29 de julho de 1981. Agora conhecida como Lady Di, a até então
plebeia se tornou um ícone de moda e estilo e, além disso, foi muito assediada
pela imprensa. Porém, contos de fadas não têm esse nome à toa. Assim, o
divórcio aconteceu e, ainda perseguida pelos
jornais, começou outro relacionamento, com Dodi Fayed. Depois, para consolidar o fim
do final feliz, Diana faleceu em 31 de agosto de 1997, vítima de um acidente
automobilístico, fugindo dos paparazzi.
Voltando ao filme, a princesa Anya não sofreu com a mídia, já que
seu romance durou nada mais e nada menos do que um dia. Cansada com a agenda
lotada de compromisso sociais, devido sua turnê pela Europa, a personagem de
Audrey Hepburn foge do palácio e conhece o jornalista Joe Bradley (Gregory Peck). Ele, a
princípio, não reconheceu a realeza da moça que encontrou dormindo na rua,
então levou-a para casa e deixou que dormisse no sofá. Ao ver a foto da
princesa em um jornal de Roma (que noticiava o cancelamento de todos os
compromissos da princesa, por estar se sentindo indisposta), a ficha cai, ele
volta pra casa e passa Anya do sofá para a cama. Então decide que irá se
aproveitar da chance que tem e produzir uma entrevista exclusiva com perguntas
que apenas alguém na posição dele, fingindo não saber que era a princesa,
poderia fazer. Leva-a para um passeio pela cidade e faz todas as vontades. Tomar
um sorvete, sentar em um café, andar de lambreta. Tudo muito romântico, embora
não intencional. Tanto que, Bradley se apaixona por ela, sentimento claramente recíproco.
Apesar de não ser de
conhecimento público toda a história de amor entre a princesa Margaret e o
Capitão Towsend, ela calhou de acontecer exatamente ao mesmo tempo da campanha
publicitário do lançamento de A Princesa
e o Plebeu e de Audrey Hepburn no Oscar. Isso fez com que fosse seriamente
debatida a questão de relacionamentos entre membros da realeza e reles mortais.
Não exatamente por causa do longa metragem, mas, por causa do grande sucesso
que já tinha desde antes do lançamento, a história do roteiro de Trumbo
inevitavelmente chamou mais atenção do que aconteceria normalmente. Afinal, são
ou não prejudiciais à execução do dever por parte das pessoas que já nasceram
com obrigações perante a nação? Esse tipo de questionamento retornou ao ápice com
o casamento do Príncipe Charles com a plebeia Diana e, três décadas depois, com
o do filho mais velho do casal, Príncipe William, e a plebeia Kate Midleton.
Ambas as agregadas à Família Real inglesa foram aclamadas pela população
mundial e pela mídia.
Mais uma diferença do
desfecho da princesa Ann, cujo romance com Joe Bradley não
chegou a ser conhecido pelo público. Aliás, nem pelo círculo de pessoas que
trabalhavam para ela durante a turnê e tampouco pelo melhor amigo do jornalista, Irving Radovich, o fotógrafo que iria ajuda-lo com fotos para a entrevista.
Sendo assim, o par romântico de Audrey sequer teve a chance de aprovação
pública ou do Parlamento. Se bem que não é possível saber se Anya deveria
cumprir com o Ato de
Casamentos Reais de 1772 e o que ele previa, já que o país de origem da
princesa não é revelado durante o filme.
Em
A Princesa e o Plebeu, uma das
maiores atrizes de todos os tempos descobriu por Roma um verdadeiro amor.
Sentia-se protegida. Tinha espaço. Tempo. Tudo o que não conseguia encontrar em
Hollywood. Até a princesa Ann aparecer, era uma atriz desconhecida. Depois,
ganhou o Oscar de Melhor Atriz logo em seu primeiro papel de destaque.
Repetindo a declaração do produtor A. C. Lyles, “Ela estava muito acima de nós.
Ela era encantadora, maravilhosa. Era muito prestativa. Não era uma atriz
típica de Hollywood. E ela sabia representar.” Não é usual a repetição de
citações, mas uma lenda no nível de Audrey exige uma quebra de protocolo.
Apesar
da nacionalidade desconhecida de sua personagem no filme, além das outras
diferenças entre a personagem e as princesas da vida real; ela é, de fato, uma
princesa, com todos os medos, inseguranças e (in)certezas. Como ser diferente
se tratando de Audrey Hepburn? Tão doce quanto Anya, a lendária atriz também
era admirada pela família por seus dotes culinários. Lucas Dotti, filho dela,
em entrevista para a edição de maio de 2013 da revista norte-americana Vanity Fair, admitiu: “Meu único grande
arrependimento [em relação à mãe] é um que ela também teria. Que é não conhecer
os netos. Porque ela teria sido uma avó maravilhosa – fazendo bolos, companhia
e contando histórias.”
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