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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Beatriz Coppi



Princesas, príncipes, plebeus e plebeias

Em 2013, o clássico A Princesa e o Plebeu completa 60 anos. A história, porém, não acabou em 1953. Pelo contrário, inspirou histórias reais. Ou será que não?



Nos anos 50, a Paramont produziu filmes inesquecíveis. Mas foi o filme dirigido por William Wyler, A Princesa e o Plebeu que capturou a essência e a magia da época. Essa foi a primeira comédia em 20 anos de carreira do diretor e o primeiro protagonista de Audrey Hepburn, pelo qual já ganhou o Oscar de Melhor Atriz.
O roteiro foi escrito por Dalton Trumbo, um famoso roteirista de Hollywood na época. Nos anos 50, porém, foi acusado de ser comunista pelo Comitê de Atividades Subversivas e entrou na lista negra da indústria cinematográfica; já que um roteirista comunista, em pleno contexto de Guerra Fria, seria prejudicial à publicidade do filme. Assim, apesar de ter trabalhado no longa-metragem, não pôde ter seu trabalho reconhecido. Por isso, assinou com o pseudônimo Ian Hunter. O roteirista apenas foi reconhecido por A Princesa e o Plebeu mais de quatro décadas depois do lançamento, pois o Sindicato dos Escritores decidiu incluir seu nome nos créditos. “Só descobri muito tempo depois que Trumbo tinha escrito o roteiro, porque isso era um grande segredo”, admitiu Catherine Wyler, filha do diretor.
Para a protagonista masculino, o primeiro convidado foi Cary Grant, que rejeitou o papel ao perceber que não seria o grande destaque. Então, o personagem foi oferecido a Gregory Peck, agora responsável por eternizar o plebeu. Enaltecido por ninguém menos que Andrew Craddock Lyles, produtor da Paramont, “Ele era uma fortaleza em tudo o que fazia”. Durante seu discurso no Tributo a Gregory Peck, em 13 de abril de 1992, Audrey Hepburn não conseguiu conter elogios ao ator: “Não podem imaginar o que significou para mim, naquela época, uma atriz completamente desconhecida, estrelar em um filme de Hollywood contracenando com Gregory Peck, o herói lindo, discreto, gentil, de tantos filmes maravilhosos. Ingenuamente, achei que ele seria exatamente assim. E ele era.” Mas ela também era bastante considerada pelo produtor da Paramont. “Ela estava muito acima de nós. Ela era encantadora, maravilhosa. Era muito prestativa. Não era uma atriz típica de Hollywood. E ela sabia representar.”
Apesar dos apesares relacionados ao roteirista, o script, que já era de qualidade inquestionável, teve a cereja do bolo vinda de fora do set de gravação. Pouco antes do lançamento do filme, um drama real entre uma princesa e um plebeu acontecia na Grã Bretanha. A princesa Margaret, irmã de rainha Elizabeth, namorava Peter Towsend, um plebeu divorciado (o que já era, na época, algo condenável). Apesar da vontade que Margaret tinha de casar-se com Peter, o dever com o país foi mais importante, assim como para a personagem de Audrey no filme.
E, enquanto o principal assunto doa jornais era se a princesa deveria ou não terminar o romance com Towsend, o longa-metragem “A Princesa e o Plebeu” era lançado. Uma felicíssima coincidência para o filme. Em declaração ao especial de 50 anos do lençamento do clássico longa-metragem dirigido por Wyler, Lyles chega a anedotizar a enorme coincidência (e sorte) “O romance deles estava em todas as manchetes. Isso funcionava perfeitamente para a nossa campanha, porque era disso que o enredo se tratava. Alguém inclusive me acusou de arranjar o romance real com o plebeu. Mas eu juro que não o fiz”.
Na época em que cancelou o noivado, pode-se dizer que a declaração da princesa para a imprensa foi simples e objetiva: “Tomei esta decisão inteiramente sozinha e, para fazer isso, tenho recebido grande apoio de Peter Towsend”. Assim como a princesa Ann, interpretada por Audrey Hepburn, que se despede do provável amor de sua vida em uma das cenas mais românticas da história do cinema.
Enquanto a história de amor entre a princesa cinematográfica e o jornalista vivido por Gregory Peck começa quando ele a tira da rua deixa que durma em sua casa (sem reconhecer a princesa) após ter tomado uma injeção para dormir antes de fugir do palácio, o quase conto de fadas da realeza inglesa tem um começo diferente. Quando um repórter de um jornal de tabloide foi cobrir a coroação da rainha Elizabeth em 1953, conseguiu ver Margaret tirando uma penugem da jaqueta do Capitão Peter Towsend, o que foi suficiente para que tivessem início rumores sobre um possível relacionamento entre os dois. Na verdade, a Princesa e o Capitão Townsend já tinham planos de se casar, mas a nova rainha pediu-lhes para que esperassem um ano.
Porém, como previsto pelo Ato de Casamentos Reais de 1772, previsto pela Constituição da Inglaterra, para que a princesa pudesse se casar antes do 25 anos, era necessária a permissão de sua irmã mais velha e, depois disso, da aprovação do Parlamento. E, apesar de ter completado 25 anos em agosto do de 1955, dois anos depois do lançamento do filme estrelado por Audrey Hepburn e Gregory Peck, o Parlamento havia deixado claro à princesa que seu casamento com o militar não seria autorizado.  Dessa forma, ela passou a ter apenas duas opções: renunciar a todos os seus direitos e privilégios e se tornar a Sra. Peter Townsend ou desistir de todas as ideias do casamento.
Escolheu a segunda, assim como a princesa Ann, que, apesar de também ter optado pelo dever, o fez em uma versão mais romântica da história, além de que ela nunca chegou a ter planos de casamento com o jornalista de Gregory Peck. Em uma das cenas finais do filme, eles se despedem, e ela o proíbe de acompanha-la até a entrada de casa, pois, caso o fizesse, não conseguiria ir embora. Após passar a maior parte do filme tentando adquirir de Anya informações que usaria para redigir um entrevista exclusiva, nos últimos momentos do longa ele percebe que se apaixonou pela princesa. Ao tentar contar para ela que era um jornalista e a sua real intenção com ela até aquele momento, ela o impede de fazê-lo. “Não, por favor. Não diga nada.” Posteriormente, quando ele vai de carro deixa-la em casa, há a atmosfera pesada de despedida e profunda tristeza por parte de ambos, seguida pelo pedido de que seu amor não a seguisse ou tentasse fazer com que ela ficasse. “A gora vou deixa-lo. Vou andar até a esquina. Depois vou virar. Fique no carro e vá embora. Quero que prometa que não vai olhar depois que eu virar a esquina. Dirija o carro e deixe-me como eu vou deixa-lo.” Depois, vem a cena que enriquece as bilheterias e vende todos os ingressos, a cena pela qual os espectadores aguardam desde o início: a despedida, composta por um abraço caloroso do casal e um beijo singelo, bonito, feito para transbordar o amor da cena.
Na década de 80, foi alvo da mídia internacional o romance entre príncipe Charles e a plebeia Diana. Além da inversão dos gêneros, esta história teve um final mais feliz, do ponto de vista romântico. Se casaram em 29 de julho de 1981. Agora conhecida como Lady Di, a até então plebeia se tornou um ícone de moda e estilo e, além disso, foi muito assediada pela imprensa. Porém, contos de fadas não têm esse nome à toa. Assim, o divórcio aconteceu  e, ainda perseguida pelos jornais, começou outro relacionamento, com Dodi Fayed. Depois, para consolidar o fim do final feliz, Diana faleceu em 31 de agosto de 1997, vítima de um acidente automobilístico, fugindo dos paparazzi.
Voltando ao filme, a princesa Anya não sofreu com a mídia, já que seu romance durou nada mais e nada menos do que um dia. Cansada com a agenda lotada de compromisso sociais, devido sua turnê pela Europa, a personagem de Audrey Hepburn foge do palácio e conhece o jornalista Joe Bradley (Gregory Peck). Ele, a princípio, não reconheceu a realeza da moça que encontrou dormindo na rua, então levou-a para casa e deixou que dormisse no sofá. Ao ver a foto da princesa em um jornal de Roma (que noticiava o cancelamento de todos os compromissos da princesa, por estar se sentindo indisposta), a ficha cai, ele volta pra casa e passa Anya do sofá para a cama. Então decide que irá se aproveitar da chance que tem e produzir uma entrevista exclusiva com perguntas que apenas alguém na posição dele, fingindo não saber que era a princesa, poderia fazer. Leva-a para um passeio pela cidade e faz todas as vontades. Tomar um sorvete, sentar em um café, andar de lambreta. Tudo muito romântico, embora não intencional. Tanto que, Bradley se apaixona por ela, sentimento claramente recíproco.
Apesar de não ser de conhecimento público toda a história de amor entre a princesa Margaret e o Capitão Towsend, ela calhou de acontecer exatamente ao mesmo tempo da campanha publicitário do lançamento de A Princesa e o Plebeu e de Audrey Hepburn no Oscar. Isso fez com que fosse seriamente debatida a questão de relacionamentos entre membros da realeza e reles mortais. Não exatamente por causa do longa metragem, mas, por causa do grande sucesso que já tinha desde antes do lançamento, a história do roteiro de Trumbo inevitavelmente chamou mais atenção do que aconteceria normalmente. Afinal, são ou não prejudiciais à execução do dever por parte das pessoas que já nasceram com obrigações perante a nação? Esse tipo de questionamento retornou ao ápice com o casamento do Príncipe Charles com a plebeia Diana e, três décadas depois, com o do filho mais velho do casal, Príncipe William, e a plebeia Kate Midleton. Ambas as agregadas à Família Real inglesa foram aclamadas pela população mundial e pela mídia.
Mais uma diferença do desfecho da princesa Ann, cujo romance com Joe Bradley não chegou a ser conhecido pelo público. Aliás, nem pelo círculo de pessoas que trabalhavam para ela durante a turnê e tampouco pelo melhor amigo do jornalista, Irving Radovich, o fotógrafo que iria ajuda-lo com fotos para a entrevista. Sendo assim, o par romântico de Audrey sequer teve a chance de aprovação pública ou do Parlamento. Se bem que não é possível saber se Anya deveria cumprir com o Ato de Casamentos Reais de 1772 e o que ele previa, já que o país de origem da princesa não é revelado durante o filme.
Em A Princesa e o Plebeu, uma das maiores atrizes de todos os tempos descobriu por Roma um verdadeiro amor. Sentia-se protegida. Tinha espaço. Tempo. Tudo o que não conseguia encontrar em Hollywood. Até a princesa Ann aparecer, era uma atriz desconhecida. Depois, ganhou o Oscar de Melhor Atriz logo em seu primeiro papel de destaque. Repetindo a declaração do produtor A. C. Lyles, “Ela estava muito acima de nós. Ela era encantadora, maravilhosa. Era muito prestativa. Não era uma atriz típica de Hollywood. E ela sabia representar.” Não é usual a repetição de citações, mas uma lenda no nível de Audrey exige uma quebra de protocolo.
Apesar da nacionalidade desconhecida de sua personagem no filme, além das outras diferenças entre a personagem e as princesas da vida real; ela é, de fato, uma princesa, com todos os medos, inseguranças e (in)certezas. Como ser diferente se tratando de Audrey Hepburn? Tão doce quanto Anya, a lendária atriz também era admirada pela família por seus dotes culinários. Lucas Dotti, filho dela, em entrevista para a edição de maio de 2013 da revista norte-americana Vanity Fair, admitiu: “Meu único grande arrependimento [em relação à mãe] é um que ela também teria. Que é não conhecer os netos. Porque ela teria sido uma avó maravilhosa – fazendo bolos, companhia e contando histórias.”

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