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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Especial - Victor Puia


O renascimento das bolachas: a salvação?
O que está por trás do “revival” dos discos de vinil e por que ele é essencial para a indústria fonográfica

Por Victor Puia

Caixas lotadas de vinis dominavam todos os cantos daquele espaço, que não era tão amplo. Na entrada, algumas vitrolas, que podiam estar sendo expostas por vendedores ou apenas funcionando como ornamento. Alguns poucos CD’s ocupavam pequenas prateleiras espalhadas por ali. Ao fundo um jovem de braços tatuados, vestindo uma camiseta do Pearl Jam e um par de tênis surrados manejava um toca-discos. Em pouco tempo, o ambiente foi tomado pelo som pesado do Black Sabbath. Ele pegou o encarte do álbum Master of Reality, da banda inglesa, e examinava-o meticulosamente, enquanto outros jovens corriam os dedos por suas pilhas de vinis de artistas nacionais e internacionais.
Esta cena fez parte da “Feira de Discos”, uma feira de LP’s que ocorreu no bairro Pinheiros, em São Paulo, em março deste ano. Promovida pela loja Locomotiva Discos, o evento é organizado bimestralmente, em bairros diversos da capital. “São 50 expositores no total; entre vendedores, sebos e outras lojas”, afirmou Marcio Custodio, proprietário da loja e organizador da feira, que ocorre desde junho de 2011. Apesar de ser uma feira de, na maioria, discos antigos e usados, era, no mínimo, curioso a faixa etária predominante: jovens, na faixa dos 18 aos 25, adolescentes e mesmo crianças.
Feiras como esta veem ocorrendo com frequência maior na cidade e, apesar de não serem novas, chamam a atenção para um fato: os discos de vinil estão voltando. Os dados dos últimos anos provam. Em 2012, 4.6 milhões de unidades foram vendidas, nos EUA. As vendas subiram 17.7% desde 1993, segundo a agência Nielsen Soundscan, sendo que o maior pulo foi de 2007 para 2008. Já no Reino Unido, 15.3% mais LP’s foram vendidos de 2011 para 2012, segundo a Entertainment Retailers Association (ERA).
No Brasil, a febre dos discos não é tão alta, porém, desde 2008, as vendas têm sustentado uma decadência significativa de CD’s nas lojas especializadas. Carlos Calanca, vendedor da loja Baratos Afins, localizada no centro de São Paulo, diz que seu grande acervo de vinis foi fundamental. “Vendo muito mais vinil do que CD. E a maioria dos clientes é jovem.”
O que muitos devem se perguntar é por que um formato tão antigo, que requer tanto espaço, cuidado e equipamento pesado ainda conquista tantas pessoas, em meio a uma era em que o compartilhamento de arquivos é algo tão comum.
“Eu acho que a mídia, quanto mais tangível, mais é respeitável. Vendo a agulha extrair aquele som do vinil faz com que aquilo pareça mais genuíno. O mp3, por exemplo, não segue um padrão, as informações são desencontradas. E o som do vinil, com uma aparelhagem boa, é algo muito bonito”, diz Fabio Marques, 24, mineiro.
Já Felipe Martins, 23, carioca, estudante de Cinema, declara sua paixão pelos vinis destacando três motivos principais. “A arte das capas; o som, que considero mais "denso"; e toda a jornada que você passa para encontrar um disco e conseguir comprá-lo. Até o cheiro me atrai”.
Os dois jovens resumem os principais atrativos do vinil, mais usados para justificar a preferência. Mas a volta dos “bolachões” vai muito mais além disso. Desde sua invenção, o sucesso durou pelo menos três décadas, até os anos 1980, quando chegaram próximo a seu fim. Nessa época, o CD foi introduzido no mercado pela Sony e a Philips, que usaram a desculpa da tecnologia digital para forçar os consumidores a aderir ao novo formato. O CD ameaçava o vinil pela sua maior durabilidade, segurança e portabilidade. Na verdade, a mais significante era esta última, fator que guiou praticamente toda a história da indústria fonográfica.
No inicio do milênio, o CD entrou em decadência, relacionada diretamente à invenção do mp3. Patenteado em 1995 pelo instituto alemão de áudio Fraunhofer, este formato é a compressão do áudio digital. Junto à popularização da internet, o mp3 revolucionou a indústria musical, com o crescimento de softwares de compartilhamento de arquivos. Apesar do obstáculo das gravadoras, que processaram seus clientes pela livre circulação de arquivos na internet, hoje, é possível baixar discografias inteiras.
“Mas que graça tem isso?”, indaga o designer e estudioso do vinil Fabio Marques, 33, sobre a facilidade e rapidez de acesso à música, proporcionada pelo mp3. Fabio é colecionador de vinis, importava-os para sua coleção e passou a vendê-los para amigos e no site Mercado Livre. “As pessoas querem mais, querem ver sentido nas coisas, querem sentir-se parte das coisas mais do que nunca. E o vinil proporciona isso”.
A questão é que os vinis estão de volta, mas não apenas pela juventude estar comprando. Existem tipos diferentes consumidores de vinil. Muitas pessoas que, hoje estão na meia idade, conservaram seu gosto pelos discos desde sua juventude. São aqueles que nunca pararam de comprar ou compravam e, agora, com a alta, voltaram a investir. Há os jovens, que passaram a comprar vinis depois do boom, incitados pela mídia e pelas redes sociais. E, por último, existem os que prezam pelo melhor áudio, sempre, sendo assim, é mais provável que o encontre no vinil.
“O vinil tem esse lado “cool”, nostálgico. Os jovens lembram-se do que o tio ouvia, a mãe tem guardado, ou mesmo os que não tiveram esta experiência quando crianças, hoje, motivados pela mídia, ficam curiosos para saber por que esse formato resistiu”, diz Fabio.
Outro fator que pode ser levado em conta pra justificar a volta dos LP’s é uma possível valorização maior da música, visto que os consumidores destacam seu som como melhor que os de outros formatos, mais natural. Contudo, os especialistas não concordam. “Essa febre do vinil acabou se transformando em uma ‘modinha’, só mais uma das estratégias do mercado. No Brasil, as pessoas querem ter apenas por ter, não buscam conhecer, nem estudar, não se interessam por nada. E acabam pagando caro por isso”.
Marcelo Costa, jornalista, editor do site de cultura pop Scream&Yell e colecionador, também discorda que o fato de a juventude colecionar LP’s tenha aumentado o valor dado à música, pois ele nunca foi perdido, seja qual for o formato. “O período da história da humanidade em que mais se ouve música é hoje, porque o transporte, o acesso, está mais fácil. Há um charme na dificuldade que faz com que a pessoa valorize aquilo que é mais difícil obter”.
Sobre os diferentes formatos, Marcelo defendeu que a variedade é importante. “Tudo é música. Acho que cada formato atende a uma necessidade. Nunca cairia nessa de dizer que o som do vinil é melhor e tal. Meu ouvido não é tão preparado pra isso. Claro, quando você ouve um mp3 qualidade ruim é perceptível a diferença”. Contudo, há casos e casos.
“90% do que eu ouço é nas mídias tradicionais. O vinil especificamente tem um ritual: em todas as sextas feiras à noite, eu os ouço, sozinho. Isso é algo que eu sigo sempre”, revela Ricardo Marques, aficionado por k-7 e vinil. Aos 15 anos, ele começou a garimpar à procura de amplificadores, mesas de som e outros elementos que compõem a aparelhagem necessária para rodar essas mídias mais antigas. Depois de conseguir sua tape-desk, um bom toca discos e caixas de som de qualidade, deu início à coleção de vinis. Sua reserva em mp3 está no computador, mas nunca mais baixou música nesse tipo de formato.
“Tem sido um grande exercício de personalidade também, porque o bullying é forte”, brinca Ricardo. O rapaz diz que os amigos acham seu hobby interessante, mas não concordam no uso contínuo que faz de mídias que consideram ultrapassadas. “O fato da busca pela música ser mais complicada e do armazenamento ser limitado são os pontos que eles mais questionam. Mas também há dias em que eu os recebo em casa e automaticamente, ao chegar, eles veem o pick up na sala e pedem pra colocar algum disco”.
Reunir a família ou os amigos em casa para ouvir discos na vitrola é um hábito que se perdeu com o a evolução dos formatos de áudio. Ouvir música tornava-se um programa especial, um momento do dia ou na semana em que se reservava para desfrutar do som de seus artistas prediletos. Hoje, esse ato é banal e individualizado. Cada um tem seu fone de ouvido e a música funciona como pano de fundo enquanto fazemos outras atividades.
“Eu gosto de ouvir música da mesma maneira que assisto filmes: paro tudo, boto o disco e escuto do início ao fim. Acho que o vinil proporciona mais interesse de se ter essa experiência. E, volta e meia, convido algum amigo pra ouvir suas bandas favoritas. Eles sempre gostam. Aproveito também para mostrar-lhes músicas novas”, diz Felipe Martins.
Novos artistas
Desde que o CD entrou em queda, o vinil acabou por salvar o mercado de música. Nos EUA e na Europa, as gravadoras, percebendo o boom dos LP’s, a partir da metade da primeira década dos anos 2000, passaram a investir nesta antiga plataforma. Assim, muitos álbuns foram relançados e novos artistas também produziram seus long play’s paralelamente ao CD.
Os artistas independentes são o forte do mercado de vinil. Em 2012, a banda inglesa The XX, lançou seu segundo álbum, Coexist, que foi o mais vendido do Reino Unido. Em segundo lugar, ficou o relançamento de 'The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars', de David Bowie, e Blunderbuss, do guitarrista Jack White.
No Brasil, a gravadora Deckdisc comprou, em 2007, a única fábrica de vinis do país e da América Latina, a Polysom, depois de notar o aquecimento no mercado americano e europeu. A fábrica tem capacidade para produzir 28 mil LP’s por mês. Os primeiros discos lançados foram Cinema, da banda Cachorro Grande, Fome de Tudo, da Nação Zumbi, Chiaroscuro, da Pitty e Onde Brilhem os Olhos Seus, de Fernanda Takai.
Matheus Motta, 23, designer gráfico, mudou-se para Pernambuco, há muitos anos, e formou uma banda. Ele fazia a arte de discos de amigos, e, em 2012, com composições em mãos, o jovem tentou lançar um long play, mas não tinha edital suficiente para isso. “Eu acho bacana pela arte gráfica, o lance da longevidade, qualidade do som, mas realmente é pra quem tem condições ou esquemas com selos que prensam em vinil. Ainda não rolou de este meu sair, mas eu adoraria”.
Porém, alguns artistas preferem lançar seus discos por gravadoras estrangeiras, pois além de ser mais barato, tem melhor qualidade. Tulipa Ruiz lançou seu primeiro álbum, Efêmera, em LP, pela Vinyl Land Records, gravadora inglesa. Fabio Marques diz que nossa prensagem era de má qualidade. “Vejo muita gente se vangloriando por vinis nacionais velhos. Infelizmente são terríveis de se ouvir, e só servem mesmo para guardar lembranças. Os ingleses, alemães e japoneses são espetaculares, principalmente as primeiras prensagens”, diz.
Hoje, a Deckdisc lança vinis prensados a partir do CD, ou seja, o áudio é digital. Perde-se, portanto, o diferencial, o som característico. Pensando nesse sentido, pode-se dizer que a volta do LP é puramente uma estratégia da indústria fonográfica, vendendo um estilo de vida, alimentado pelo alcance da mídia e das redes sociais.
Futuro
Enfim, tudo indica que os vinis estão de volta com força. A necessidade de ter uma música palpável, o aumento do seu consumo, impulsionou a indústria, tornou-se alternativa para os artistas e ganha cada vez mais fãs, seja por conta do som superior, da arte da capa e o encarte ou simplesmente por que seu amigo tem e parece “cool”.
Quanto ao futuro da indústria fonográfica, as opiniões são diversas. Matheus Motta, não é tão otimista quanto ao futuro do “bolachão”. “Acho o vinil demais, mas é inevitável, ele vai perder força. Não vai sumir, mas não vai dominar”, diz o músico. Fabio Marques, diz que é capaz de crescer no Brasil, mas não tem certeza se as pessoas vão querer comprar toda a aparelhagem. “Sumir não vai, é o tipo da coisa que as pessoas se apegam, guardam, criam afeto”, diz. Já Marcelo Costa, prevê um futuro em que todos os formatos irão conviver.
Uma coisa é certa e inegável: o vinil pode ser a única solução para a pirataria no futuro. Não é fácil reproduzir um disco como um CD e é praticamente impossível impedir o compartilhamento de arquivos na internet. Só o tempo nos dirá.
E você, qual formato prefere?

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